Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 17, 2009

Clara Rojas, seis anos sequestrada pelas Farc

"A maior violência era o isolamento"

Edelmiro Franco/AFP
VIDA DEPOIS DO HORROR
Clara com o filho, em maio do ano passado: "Quando tentamos fugir, eles nos acorrentaram"


É difícil descrever os suplícios vividos por Clara Rojas. Sequestrada pelos narcoterroristas das Farc, ela passou seis anos como prisioneira na selva amazônica, em condições hediondas. Engravidou e deu à luz com a barriga aberta a faca. Pouco depois, tiraram-lhe o filho. Séria e tranquila, a advogada colombiana, hoje com 45 anos, fala de tudo – ou quase – com perfeito autocontrole. Só não conta quem é o pai de Emmanuel, o filho de 5 anos que reencontrou depois de ser libertada, em janeiro de 2008. E desconversa quando o assunto é Ingrid Betancourt, a mais famosa das ex-reféns, de quem era assessora e com quem rompeu durante o cativeiro. Os tormentos narrados no livro Eu, Prisioneira das Farc, recém-lançado no Brasil pela Ediouro, foram relembrados nesta entrevista à editora assistente Bel Moherdaui.

Um ano e nove meses depois de sair do cativeiro, o que continua a parecer o melhor da vida em liberdade?
Acordar em um ambiente tranquilo. Desfruto de coisas simples como tomar um suco de laranja, ouvir uma música, ler os jornais. Também gosto muito de ir ao parque com meu filho.

O que ainda a faz lembrar dos seis anos de sofrimento na selva amazônica?
Às vezes o barulho de helicópteros me deixa alerta. Quando vou ao aeroporto, sinto que o barulho dos aviões é muito familiar.

Como seu filho superou o nascimento em condições terríveis e a separação da mãe?
Ele se adaptou muito bem. Só tem 5 anos e meio e era muito pequeno no cativeiro. É um menino maduro para sua idade e capta as coisas rapidamente. É uma criança feliz, vai ao colégio normalmente. Ficaram, na verdade, sequelas físicas, porque tive um parto difícil e ele sofreu uma fratura de um osso do bracinho, abaixo do ombro. Emmanuel passou por duas cirurgias importantes, sendo uma de transplante de nervo. Hoje, faz sessões de fisioterapia para ganhar força nos músculos, o que demora. Mas, como o problema foi na mão esquerda e ele é destro, não atrapalha tanto.

A senhora e os outros reféns viveram em condições indescritíveis, mas no dia a dia havia questões banais. O que vestiam, por exemplo?
Vivíamos de farda e cada um tinha duas mudas. Muito raramente, substituíam as camisas. Até por isso, uma das alegrias de estar solta é poder trocar de roupa e escolher as cores que quero usar. Lá, era sempre camuflagem militar. Calçávamos botas, e era comum o pé ser de um tamanho e a bota de outro. Eu tomava muito cuidado para que elas durassem bastante tempo. Meu último par, por exemplo, durou os dois últimos anos de cativeiro.

Como sobrevivia à variedade de insetos da selva?
O grande segredo era tentar manter a higiene corporal. Só de tomar banho todo dia, o que eu me esforçava para fazer, já ajudava muito. E a roupa que usávamos era grossa, então aprendi a usá-la como proteção. Vivia de mangas compridas. Sentia calor, mas preferia isso às picadas, que eram doloridas e faziam estrago na pele.

Qual a pior violência que a senhora sofreu no cativeiro?
A maior violência é o isolamento, a solidão. Quando tentamos fugir, eles nos acorrentaram, o que é uma forma de tortura muito violenta. No meu caso particular, sofri isso durante um mês, mas ficava chocada com o fato de manterem os soldados acorrentados o tempo todo. Era desumano. Sofríamos com as condições climáticas, com tempestades violentas. E também por não sabermos como os guerrilheiros iriam reagir a qualquer tensão. Era um terror constante.

No livro, a senhora diz: "Vivi uma experiência que me deixou grávida". Seu filho já lhe perguntou quem é o pai?
Meu filho não me perguntou nada, ainda é muito pequeno.

A senhora sofreu estupro?
Não falei desse tema para não entrar em especulações e prefiro não fazer nenhum comentário.

Aconteceu com outras sequestradas?
Não tenho informações sobre isso em particular.

Quais foram os momentos mais difíceis?
Diria que foram três: quando nos acorrentaram; o meu parto, que me deixou à beira da morte; e quando me separaram de meu filho.

Percebe-se pelo seu livro que também havia muita inimizade entre os reféns. Por quê?
Num ambiente desses, sempre surgem tensões. Vivemos com a morte por perto o tempo todo. Houve momentos muito duros; especialmente quando eu estava grávida, era mais difícil gerenciar a tensão e o estado de ânimo de todos.

A senhora e Ingrid Betancourt não voltaram a se encontrar. O que diria hoje a ela?
Não tenho problema nenhum com ela. Assim como me encontrei com outros ex-reféns, acredito que, no futuro, teremos um diálogo cordial.

Como a senhora vê hoje a situação das Farc?
Acho que estão mais enfraquecidas, mas não terminaram. Também espero que mantenham a promessa de libertar mais gente, mas creio que ainda falta um caminho a ser percorrido. Um caminho que passa pela libertação das pessoas e, o mais importante, pela reconciliação e por um compromisso de paz real e duradoura.

Por que tantas pessoas relutam em qualificar seus sequestradores das Farc de terroristas?
Acredito que organizações que cometem atos hostis como colocar bombas ou sequestrar civis por tanto tempo passam muito perto do terrorismo.

Qual é seu maior desejo para o futuro?
Que haja tranquilidade e entendimento entre os países irmãos. E uma vida tranquila com meu filho.

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