Lá vêm eles de novo
Em SuperFreakonomics, que chega às livrarias americanas
nesta semana, Steven Levitt e Stephen Dubner desafiam
o pensamento convencional e reafirmam o poder
da mente para evitar catástrofes
Giuliano Guandalini
Edwin Levick/Hulton Archive/Getty Images | |
A MORTE PELA RODA E PELA PATA Em 2007, um em cada 30 000 nova-iorquinos morreram em acidentes de carro. Há um século, as ruas eram bem mais perigosas: cavalos e diligências vitimavam um em cada 17.000 moradores da cidade |
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• Quadro: Resfriamento global |
•Abaixo: A arte de decifrar estatísticas |
Uma das mais violentas erupções vulcânicas do último século ocorreu em 1991, nas Filipinas, quando a lava e a fumaça ejetadas pelo Monte Pinatubo mataram 250 pessoas. As pavorosas consequências daquele desastre natural ainda são um pesadelo para a população local. Seu efeito global, no entanto, foi muito positivo. A erupção vulcânica lançou na atmosfera mais de 20 milhões de toneladas de dióxido de enxofre, cuja fórmula química é SO2. Um gás leve e opaco, o SO2 do Pinatubo subiu até a estratosfera e, em questão de meses, espalhou-se em uma camada, recobrindo todo o planeta. Essa camada funcionou como um filtro que diminuiu a incidência da radiação solar sobre a superfície da Terra. Como resultado disso, a temperatura média do planeta caiu cerca de 0,5 grau. Essa constatação reabriu entre uma corrente de cientistas a ideia de produzir de modo artificial o mesmo resultado e, com isso, atacar o aquecimento global, evitando ou pelo menos adiando suas potenciais e desastrosas consequências. Quem chegou mais próximo de uma solução viável foram os pesquisadores americanos da Intellectual Ventures, de Seattle. Eles propuseram a montagem de um gigantesco chuveiro capaz de aspergir um volume de SO2 na estratosfera equivalente ao produzido pelas erupções vulcânicas. O custo? A operação consumiria 250 milhões de dólares, dinheiro de troco perto do 1,2 trilhão de dólares que, segundo cifras do famoso Relatório Stern, seriam necessários para evitar a chegada à atmosfera dos gases de efeito estufa, apontados como a principal causa do aquecimento global.
Esse experimento é descrito em detalhes no capítulo que se anuncia como o mais controverso de SuperFreakonomics, o novo livro do economista Steven Levitt e do jornalista Stephen Dubner, que chegará às livrarias americanas na terça-feira. A primeira obra da dupla, Freakonomics,lançada há quatro anos, celebrizou-se pela felicidade com que demonstrou como o uso da lógica e do pensamento econômico pode iluminar os mais diversos fenômenos, dando-lhes contornos definitivos e, muitas vezes, contrários ao senso comum. Agora, os autores dedicam todo um capítulo para, com as mesmas armas, tentar mostrar que o aquecimento global talvez não seja uma ameaça tão grande como se tem alardeado. Seriam duas as razões principais. A primeira é mais explosiva, pois considera, com base em pesquisas de alta qualidade, a possibilidade de o fenômeno nem existir. A segunda leva em conta o "efeito Pinatubo" e demonstra que o aquecimento global é um obstáculo que pode ser vencido pela técnica e pelo engenho humano da mesma forma que outras barreiras foram superadas na caminhada evolutiva da espécie. O livro aponta outros exageros catastrofistas sobre essa questão:
Há trinta anos, os cientistas estavam preocupados com o resfriamento global provocado pela poluição. Os dejetos lançados na atmosfera reduziam a incidência dos raios solares, esfriando o planeta. Com o controle da poluição, esse efeito diminuiu. O aquecimento atual nada mais seria do que um efeito positivo do melhor controle ambiental.
A atividade humana representa apenas 2% das emissões de gás carbônico (CO2), apontado com um dos vilões do efeito estufa. Os outros 98% vêm de atividades naturais, como a decomposição de plantas.
Nenhum estudo sério aponta o risco de a Flórida desaparecer do mapa por causa do aumento do nível do mar. Essa ameaça seria apenas uma das mentiras convenientes de Uma Verdade Inconveniente, filme do ex-vice-presidente americano e Nobel da Paz Al Gore.
Os modelos meteorológicos utilizados para prever a catástrofe são pouco críveis, porque não conseguem levar em consideração diversos fenômenos naturais – como a erupção do Pinatubo.
SuperFreakonomics reedita a parceria superbem-sucedida da habilidade para processar dados do economista Steven Levitt, da Universidade de Chicago, com o talento do jornalista Stephen Dubner. Foi dessa colaboração que resultou o best-seller Freakonomics, que vendeu mais de 3 milhões de cópias em todo o mundo – 200 000 delas no Brasil – ao unir a esquisitice (freak) com a economia (economics). O sucesso conquistado pela dupla pode ser medido pelo valor pago pela Campus/Elsevier para publicar o novo livro no Brasil: 200.000 dólares, dez vezes o desembolsado pelos direitos da primeira obra. "Em 2005, tratava-se de escritores desconhecidos. Fizemos uma aposta que felizmente deu certo", diz Claudio Rothmuller, presidente da Elsevier América Latina. A edição brasileira de SuperFreakonomics será lançada em meados de novembro e contará com uma tiragem inicial de 50 000 exemplares – dez vezes o normal para um livro de economia. A obra, afinal, desta vez já nasce como um best-seller e tem méritos de sobra para tanto.
Assim como no livro original, a relevância de SuperFreakonomics está em desafiar o senso comum, cruzando estatísticas recentes e históricas, colocando em sua devida perspectiva e dimensão fenômenos tão distintos quanto a prostituição nas ruas de Chicago, o altruísmo, o terrorismo, a crise no sistema de saúde americano ou a morte de militares. Mas, como disse Levitt em uma entrevista exclusiva a VEJA (leia a matéria seguinte), ele não se propõe a explicar todo e qualquer fenômeno econômico e social. "Só me interesso por estudar assuntos para os quais existam informações e estatísticas de boa qualidade", diz o economista. "Do contrário, haveria sempre o risco de chegar a conclusões equivocadas."
Ao ler o livro, descobre-se que os congestionamentos de cavalos e diligências em Nova York representavam um inconveniente superior em muito ao causado hoje pelo automóvel. Pilhas e pilhas de esterco malcheiroso se acumulavam nos becos, e havia mais vítimas do trânsito naquele tempo do que hoje. A propósito, graças ao cinto de segurança, um dispositivo simples e barato, a taxa de mortes nas estradas caiu 70%. Outro dado surpreendente: de 2002 a 2008, com as guerras no Afeganistão e no Iraque, morreram em média 1 643 militares americanos; nos anos 80, quando o país não combatia em nenhum grande conflito, a média de mortes foi de 2 100 – em geral, vítimas durante treinamentos. Por que será que temos medo de tubarões, se eles matam em média seis pessoas a cada ano, uma fração das 200 vítimas feitas por elefantes? Os autores são inteligentes o bastante para não se levarem a sério em demasia, e muitas das informações despejadas nas mais de 200 páginas do livro servem apenas para divertir e satisfazer a curiosidade. Mas é difícil ficar indiferente às suas análises e conclusões, em especial as que tratam de saúde. Tudo isso soa temerário? Esse é o mundo de SuperFreakonomics
A arte de decifrar estatísticas
Steven Levitt, da Universidade de Chicago, recebeu em 2003 a medalha John Bates Clark, distinção concedida anualmente a economistas promissores que tenham menos de 40 anos. O prêmio é visto como uma prévia de um futuro Nobel. Mas sua fama veio de fato em 2005, com Freakonomics. De sua casa em Chicago, Levitt, hoje com 42 anos, falou ao editor Giuliano Guandalini.
Em SuperFreakonomics, vocês optaram por não tratar da crise financeira mundial. Por quê?
Há milhares de pessoas mais capazes do que eu de tratar desse tema. A crise teve mais a ver com a macroeconomia, e menos com a microeconomia, minha especialidade. Apesar de tudo fazer parte da economia, macroeconomia e microeconomia são um pouco como o futebol jogado no Brasil e o futebol americano. Se me convidassem para escrever um livro sobre a crise financeira, seria como chamar Pelé para jogar futebol americano. Mas gostaria de deixar claro que não me imagino o Pelé da microeconomia.
Charles Rex Arbogast/AP |
CONTRA O SENSO COMUM Levitt: "A chave é interpretar os dados de maneira criativa, questionando a sabedoria convencional e buscando resolver nossos problemas" |
Mas a análise dos incentivos que levaram as pessoas à euforia da bolha não se inclui em seu campo de estudo?
Realmente, parte da crise se deve aos incentivos econômicos que incitaram a especulação. Mas acredito que a crise tenha sido essencialmente resultado do equívoco nos modelos matemáticos usados pelas firmas de Wall Street, que viviam da presunção de que o preço dos imóveis nunca cairia. Foi um caso de péssima utilização de estatísticas econômicas, consequência muito mais de incompetência do que de incentivos errados. Além disso, a macroeconomia nem se parece mais com economia hoje em dia, está mais próxima da matemática, dominada por modelos complexos. isso precisará ser revisto.
Em suas pesquisas, quais achados foram os mais surpreendentes?
Com relação ao meu trabalho anterior, eu citaria a relação do aborto com a diminuição da violência nas grandes cidades americanas. Já havia especulações teóricas nesse sentido, mas o que me surpreendeu foi o tamanho do impacto. No novo livro, volto ao tema da violência, agora para tratar dos efeitos da televisão. Mais uma vez, muito se cogitava sobre se a TV estimula a criminalidade. Eu, particularmente, vinha pensando nesse tema fazia quinze anos. Apenas agora, no entanto, consegui boas estatísticas, que permitiram uma análise sólida e coerente. Os dados corroboraram a tese, mostrando um impacto bastante significativo no aumento de roubos naquelas cidades americanas aonde os televisores chegaram primeiro, na década de 40.
Universidades brasileiras, a exemplo de algumas experiências americanas, criaram cotas para negros. O objetivo é reduzir disparidades. Esse tipo de iniciativa funciona?
Essa é uma pergunta bastante difícil, para a qual não encontrei uma resposta objetiva. Oferecer igualdade de oportunidades é uma meta perfeitamente razoável de uma sociedade. O lado positivo dos programas de cotas é, obviamente, ampliar o acesso dos negros à educação. Um dos aspectos negativos, por outro lado, é que, para um jovem negro com talento, o fato de dispor de cotas pode fazer com que ele se esforce menos. Além disso, os negros podem ter seu reconhecimento posterior diminuído pelo fato de terem se beneficiado de cotas. É algo complicado. Trata-se de uma questão que não deve ser julgada apenas pela lógica econômica. Há fatores morais e políticos que também precisam ser levados em conta.