Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, fevereiro 03, 2009

Quanto o Brasil pode crescer este ano? Ilan Goldfajn


O Estado de S. Paulo - 03/02/2009
 

Era uma palavra diferente. E uma ideia interessante. As economias emergentes iriam se "desacoplar" dos países avançados e evitar a desaceleração econômica, talvez até brindar o mundo com um crescimento compensatório. Falava-se que a China tinha motor próprio e o Brasil, uma "riqueza" no seu grande mercado interno: prescindiriam do resto do mundo. Teria sido inédito. Não foi. O conceito de "desacoplamento" esvaiu-se na mesma velocidade em que a crise espalhou-se. Agora, a questão é saber quanto da desaceleração global irá afetar o Brasil. Qual é o crescimento possível para o Brasil este ano?

Tudo indica que o PIB teve uma queda relevante no último trimestre do ano passado. Vão pôr a culpa na globalização, suposta mãe de todos os males. É a reação natural. Não importa que, até pouco tempo atrás, o que estava sendo globalizado era o crescimento acelerado. O PIB do Brasil chegou a crescer 6,8% no terceiro trimestre do ano passado. Mas há sempre razões domésticas e heróis locais para justificar a fase de prosperidade.

A globalização é fruto do desenvolvimento tecnológico, da diminuição dos custos de transporte e do avanço na comunicação; talvez menos da força das ideias. A consequência é um mundo globalizado, com ciclos econômicos sincronizados, principalmente quando um choque atinge o centro de forma tão intensa. Sem desmerecer os importantes esforços locais, quanto o Brasil vai crescer neste ano (e nos próximos) vai depender em larga medida do crescimento mundial.

Mas a economia global precisa de um ajuste relevante, o que pode limitar a capacidade de crescimento no futuro. A crise global é mais do que o seu braço financeiro: envolve o lado real da economia, pela reestimação da riqueza global. O estouro da bolha financeira tem implicações importantes. Hoje está claro que havia uma riqueza falsa, inflada pela valorização enganosa do mercado imobiliário, das bolsas no mundo e dos ativos em geral. O problema é que o consumo era baseado nessa riqueza falsa. Muito do que era produzido no mundo se direcionava para satisfazer esse "falso" consumo (porque era baseado nessa riqueza falsa). E houve excesso de investimentos para ampliar a capacidade de produção a fim de satisfazer o consumo exagerado baseado nessa riqueza falsa. E, provavelmente, houve também exagero no planejamento e investimentos baseados numa demanda mundial de matérias-primas que se revelou exagerada.

Há, atualmente, um consenso de que pelo menos o sistema financeiro mundial inchou demais. E, também, de que o consumo americano era insustentável e deveria retrair-se. Nesse caso, é possível que as exportações chinesas para satisfazer o consumo dos EUA tenham sido igualmente exageradas, assim como as matérias-primas (vindas do Brasil, por exemplo) usadas para fabricar os produtos de exportação chineses. Dessa forma, não são necessários muitos passos lógicos para construir um cenário em que a economia mundial precise de um ajuste, no qual o consumo e o investimento caiam antes que possam voltar ao vigor anterior.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que o crescimento mundial será de apenas 0,5% em 2009 (4,8% em 2006-2007 e 3,3% em 2008), uma queda substancial. Os números recentes de atividade em dezembro continuavam apontando para uma piora na atividade global.

A economia brasileira tem seguido o passo do resto do mundo, às vezes com alguma defasagem temporal (média de três a seis meses). Estimativas da Ciano Consultoria são de uma queda do PIB entre 1,5% e 2% no último trimestre do ano passado, o que indica um crescimento de 5,5% para o ano de 2008. Essa queda do PIB no final do ano passado gera um legado ingrato para este ano. Caso o nível de produção se mantenha no mesmo patamar do final do ano passado, o crescimento este ano sobre a média do ano passado (o famoso carry over, em economês) será nulo. Não faz muito tempo, estimava-se este carry em quase 2%. Com base nessa diferença, quem estimava um crescimento médio de 3% para 2009, faz pouco tempo, deveria ajustar sua projeção para 1%, a menos que esteja hoje enxergando novas forças propulsoras de crescimento, tanto globais como locais.

Com o legado reduzido (zero carry), o crescimento este ano vai depender da capacidade de recuperação da economia brasileira, principalmente no segundo semestre. Um exercício da Ciano utiliza as recuperações anteriores da economia brasileira - após as crises de 1998-1999 e 2002 - para calcular a possível taxa de crescimento em 2009 (ou seja, embutem-se as recuperações anteriores sobre o atual nível de produção). O resultado não é alentador. Mesmo embutindo recuperações rápidas da atividade no segundo semestre, baseadas em períodos saudáveis da economia mundial, o crescimento do PIB este ano ficaria entre 0,5% e 2%. Como a situação mundial é hoje pior do que nas recuperações passadas, será difícil atingir o limite superior dessa faixa de crescimento.

Em suma, a globalização, fruto das inovações tecnológicas e facilidade de transporte e comunicação, irradiou crescimento para vários cantos do planeta nos últimos anos. Agora espalha a desaceleração. As economias emergentes não se "desacoplaram" das economias avançadas. A ameaça é a revolta contra esta nova fase, com a volta do protecionismo no mundo, ao estilo da lambança recente promovida pelos Ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, com a tentativa de emplacar licenças prévias para as importações brasileiras. Infelizmente, o mundo precisa de um ajuste global à nova estimativa de riqueza. Nossos cálculos recentes indicam que a economia brasileira deve desacelerar consideravelmente (em torno de 1%), a menos que ocorra uma súbita, mas improvável, recuperação da economia mundial.

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