Entrevista:O Estado inteligente

domingo, fevereiro 01, 2009

Augusto Nunes Sete Dias



O Ministro assassina a verdade

Se não padecesse de prolixidade incurável, se não sofresse de admiração aguda por si próprio, se não contemplasse a catarata de idéias que despenca da cabeça do pensador Tarso Genro com o deslumbramento de turista na primeira vez em Foz do Iguaçu, o ministro da Justiça poderia ter livrado da cadeia o assassino de estimação sem reforçar a suspeita de que o Brasil não é um país sério. Mas quem o conhece sabe que Tarso derrapa na tentação de defender alguma tese até em festa de batizado.

Se não lhe faltasse a sensatez que sempre deveria sobrar a um ministro da Justiça, o magistrado acidental teria comprimido em cinco ou seis linhas a sentença que absolveu Cesare Battisti de todos os pecados. Era só alegar que a legislação brasileira é meio confusa, tanto que manda promover a refugiado político um terrorista condenado à prisão perpétua na Itália, mas nem por isso a nação amiga deve sentir-se injuriada, coisas assim. Encerrada a concisa exposição de motivos, Tarso Genro capricharia na pose de constrangido, sairia à francesa e ficaria alguns dias na muda.

Em vez disso, o ministro resolveu redimir-se do fiasco da refundação do PT com um parecer que refundaria, além do caso Battisti, a história recente da Itália. Acabou produzindo um samba do crioulo doido de deixar pálido de espanto o mais delirante compositor da Sapucaí. Bandidos viraram mocinhos, heróis viraram vilões. E a democracia suficientemente musculosa para erradicar a praga do terrorismo sem recorrer a qualquer medida de exceção transformou-se numa tirania dissimulada, "que usou leis que reduziram as prerrogativas da defesa para coibir organizações revolucionárias". Para libertar o companheiro, Tarso matou a verdade e humilhou a Itália.

O que o ministro qualifica de "guerra civil" foi o duelo que opôs a governos eleitos pelo povo grupos de liberticidas tão despovoados quanto ferozes, decididos a implantar a ditadura comunista. Tarso rebaixou a perseguidores perversos autoridades que defenderam o estado de direito sem quaisquer concessões ao autoritarismo.

Se representavam efetivamente a vontade do povo, as "organizações revolucionárias" poderiam liquidar a tirania com uma única disputa eleitoral. Ou porque não tinham votos para eleger um síndico, ou por acharem pouco heróica a luta nas urnas, os patriotas de Tarso resolveram, em 1975, que seria mais emocionante chegar ao poder pela trilha da violência. E então começaram os assaltos, atentados, seqüestros e assassinatos. Os terroristas capitularam na década seguinte. A procissão de horrores se estendeu até o fim do século, prolongada pelo primitivismo brutal dos mafiosos.

Os jovens generais da guerra sem sentido revogaram os limites da fúria. A nação ainda convalesce da perplexidade dolorosa provocada pela explosão da estação ferroviária de Bolonha, pela execução do primeiro-ministro Aldo Moro, pelo assassinato do general Carlo Alberto Dalla Chiesa, pelo extermínio de juízes engajados na Operação Mãos Limpas. Para Tarso, nada disso é importante. Guerras são assim mesmo. E nenhuma é mais justa que a guerra pelo socialismo.

- Companheiros de luta e de cama

Os companheiros que festejam a iminente libertação de Cesare Battisti ficam grávidos de ira quando alguém apresenta como assassino e terrorista o veterano de guerra que merece ser qualificado de ex-guerrilheiro e escritor de primeira. Engajado no grupo Proletários Armados pelo Comunismo, Battisti não fez nada que justificasse medalhas ou condecorações por demonstrações de bravura em combate. Matou dois contra-revolucionários, ajudou a liquidar outros dois inimigos burgueses e assaltou uma dúzia de estabelecimentos comerciais. O autor do livro de memórias já lançado no Brasil, com o título Minha fuga sem fim, está à espera de apreciações insuspeitas. Segue-se um trecho que envolve o homem que o delatou:

"Depois de certo tempo, eu e Pietro Mutti passamos a partilhar as noitadas no bar, mas às vezes a mesma cama e a mesma garota. (...) O vinho abolia as minhas reticências e a cama era suficientemente grande para três. Ela era a mulher dele, estavam casados havia dois anos. (...) Cheguei a me perguntar se devia admirá-lo ou me sentir culpado. Um pensamento apenas, que não impediu de fazer amor com a mulher dele na presença dele. Claro, sua absoluta falta de ciúmes não deixava de me intrigar".

Pela aspereza com que tem tratado Pietro Mutti, o ministro Tarso Genro e o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh ou não leram o livro ou acham melhor fingir desconhecê-lo. Os dois estão muito mais bravos com Mutti do que o ex-companheiro de lutas e madrugadas.

Rudá provou que o país tem jeito


O Brasil soube pela TV da morte de John Updike. No dia seguinte, os jornais contaram em extensas reportagens como foi a vida e a obra do escritor americano. Faz sentido. O que não faz é o tratamento dispensado à morte de Rudá de Andrade pela TV, que nem a noticiou, e pelos jornais, que a confinaram em espaços diminutos. O país merecia saber que não havia perdido apenas o filho de Pagu e Oswald de Andrade. Perdeu também um dos fundadores da Cinemateca, da escola de cinema da USP e do Museu da Imagem e do Som. Perdeu o criador da primeira oficina cultural do Estado de São Paulo. Quem conheceu Rudá tem o dever de acreditar que o Brasil tem jeito.

Assim é a vida que se pede a Deus


Castigado com a nomeação para o posto de adido da Abin em Portugal, o delegado Paulo Lacerda não tem motivos para morrer de saudade do Brasil. Ganha um dinheirão em dólares para descansar na embaixada em Lisboa. Dessa vida que todo mundo pede a Deus desfrutam, espalhados por 32 países, mais dois adidos da Abin, 63 adidos militares, sete adidos policiais e três adidos tributários e aduaneiros. O governo acha pouco. Até o começo de 2010, serão 101 os que foram dispensados da escala no Instituto Rio Branco para pousarem em 34 países. Aguardam a chamada para o embarque outros 17 adidos policiais e nove adidos agrícolas – cargo inventado a quatro mãos, em maio de 2008, pelo presidente Lula e pelo ministro Reynhold Stephanes.

Os salários mensais vão de US$ 9 mil a US$ 17 mil (ou de R$ 19.800 a R$ 37.400, se convertidos em moeda nacional). Com o aumento da tribo, a folha de pagamentos engolirá, a cada 30 dias, mais de R$ 2,2 milhões. Stephanes garante que o país sairá no lucro. "Os Estados Unidos têm adidos agrícolas há mais de 50 anos", exemplifica. O orçamento americano é infinitamente maior que o brasileiro há mais de 200. "Em Bruxelas, o adido acompanhará as negociações dos interesses bilaterais com os 27 países-membros da União Europeia", anima-se Stephanes. Os gastos com os adidos ficam por conta do ministério que os indicou. O Itamaraty só cuida do curso que ensina um monoglota a gaguejar em língua estrangeira.

Blogged with the Flock Browser

Nenhum comentário:

Arquivo do blog