Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, abril 22, 2008

Míriam Leitão - Paraguai novo


PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
22/4/2008

No Paraguai, venceu a democracia, e isso é de se comemorar como avanço da região. Mas agora, para o Brasil, começa uma difícil batalha: convencer paraguaios e, principalmente, brasileiros de que o Brasil não é o vil explorador do Paraguai. No governo brasileiro, informa-se que o país será mais ofensivo para manter intacto o Tratado de Itaipu e provar que o preço pago pela energia é justo.

Quando, às onze da noite de domingo, a candidata colorada Blanca Ovelar reconheceu que Fernando Lugo teve mais votos, o Paraguai deu um passo gigantesco. Nicanor Duarte não estava ao lado dela. Deveria estar. Assim sumiram os temores de problemas. O Paraguai faz agora a primeira alternância do poder em 61 anos; a primeira alternância de poder pacífica de sua história ao tirar do governo o partido que apoiou a ditadura e sobreviveu a ela mantendo o controle do país e da máquina governamental. É um momento histórico para os paraguaios.

O ex-general Lino Oviedo, ontem à tarde, anunciou seu apoio a Lugo. O mesmo fez o candidato que ficou em quarto lugar, Pedro Fadul, do Pátria Querida. O Partido Colorado fez 16 senadores, a maior bancada. O Partido Liberal, um centrão clientelista que faz parte da coligação de Lugo, ficou com 13. Outros três pequenos partidos que deram apoio inicial a Fernando Lugo fizeram um cada um. Isso fez com que a coligação tivesse 16 senadores. Mas com os 9 de Lino Oviedo e os 4 do outro candidato, Pedro Fadul, o presidente Lugo pode ter o apoio total de 29 senadores. Uma composição heterogênea. O senador mais votado do país foi o atual presidente Nicanor Duarte. Na Câmara, deve se repetir esse mesmo quadro.

O Partido Colorado perdeu a Presidência porque se dividiu sobre a candidatura de Blanca Ovelar. O resultado deve mostrar que eles continuarão fortes no Congresso. Lino Oviedo, um ex-colorado, também será uma força. Lugo terá um grupo tão heterogêneo que vai da direita à extrema esquerda. Não será fácil governar assim.

Seu grande mote de campanha foi acusar o Brasil de ser um vil explorador do povo paraguaio. Ele não economizou nas acusações. O Brasil apanhou em silêncio: o Itamaraty não defendeu o país e Itaipu ficou prisioneira da sua natureza de binacional. "Como uma empresa que tem dois patrões pode defender-se quando um patrão acusa o outro?", explicou-me um dirigente de Itaipu. Ontem o chefe do Itamaraty fez pior. Em Gana, ele teria dito ser "justo" que o Paraguai busque uma remuneração "adequada" para sua energia.

Agora é a hora de dar a versão brasileira, e ela não é fácil de explicar. É uma história longa e complexa que, quando os técnicos brasileiros vão explicar em detalhes, o interlocutor dorme antes de se chegar ao final da primeira resposta. E a primeira pergunta é: pagar US$2,80 por megawatt não é mesmo uma exploração absurda e inaceitável?

Na verdade, o Brasil paga US$45, mas não consegue explicar isso. Do preço, US$42 vão para pagar a dívida externa contraída para fazer a obra, os juros da dívida, os custos operacionais da empresa, os royalties aos dois lados. O valor US$2,80 é uma parcela paga ao Paraguai pelo que eles chamam de cessão da energia. Hoje, os paraguaios recebem dessa cessão e de outros investimentos que a empresa faz lá algo como US$500 milhões por ano.

Mas quem é o credor e por que não se renegocia essa dívida que só estará paga em 2023? Aí é outra confusão. O grande credor é a própria Eletrobrás e o Tesouro brasileiro, porque foram eles que assumiram a dívida. O Brasil diz que já renegociou a dívida em dois momentos. Em um, os contratos passaram a ter juros bem menores que os contratados (agora são de 4% a 7% ao ano) e, em outro momento, o Brasil aceitou não incluir na atualização da dívida a inflação americana.

No Paraguai, a tendência majoritária dos meios de comunicação, principalmente o jornal "ABC Color", é defender agressivamente a idéia de que o tratado precisa ser revisto para que o Paraguai possa vender a energia dele para outro país, se quiser, e para que o Brasil pague mais por ela. Na campanha, Lugo prometeu tudo com base nesse dinheiro que viria: energia de graça para 25% da população, energia subsidiada para outros 25%; milhares de empregos; crescimento econômico. Seu principal assessor, que certamente terá posição decisiva, é Ricardo Canese, autor de uma tese, defendida em livro, completamente estapafúrdia: de que, na época do Tratado de Itaipu, o petróleo custava US$2 o barril; agora custa US$117. Ele quer "petrolarizar" o custo da energia de Itaipu.

Lugo poderá nomear os seis diretores paraguaios de Itaipu e conselheiros. Lá tudo é dividido meio a meio. Ideal para criar impasses em momentos de conflito. O Brasil, que capitalizou a parte brasileira e a paraguaia para constituição da empresa, que tomou os empréstimos internacionais quando o Paraguai não conseguiria, que paga hoje mais pela energia que compra de Itaipu do que o Paraguai paga pela que compra para seu consumo, tem os mesmos poderes na direção da empresa.

O novo presidente terá que governar sem maioria, com uma coalizão heterogênea, com a máquina ainda controlada pelos colorados, que estão no poder há 61 anos, e tendo que cumprir as expectativas de abundância devido às promessas que foram feitas aos paraguaios. E essas promessas foram feitas com ele contando com o dinheiro extra que disse que receberá quando renegociar Itaipu.

No Brasil, a primeira batalha é esclarecer as complexas contas da hidrelétrica para provar aos brasileiros que não somos imperialistas exploradores de países mais pobres.

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