'Não se brinca com a democracia' - disse o presidente Lula, explicando por que não aceita a idéia de um terceiro mandato. E reiterou, com maior ênfase, essa posição quando, indagado pela jornalista Maria Lydia - em recente entrevista no Em Questão, da TV Gazeta - sobre se a recusa a um terceiro mandato se devia a 'valores éticos', respondeu: 'Mais do que isso: valores democráticos.' Pode-se até discutir sobre a equivalência de tais valores, mas claro está que o presidente Lula quis demonstrar que associa firmemente a Democracia às regras de alternância do poder. Sendo assim, o vice-presidente José Alencar está brincando com a democracia quando defende mais tempo para Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência da República - por ser isso o que 'o brasileiro quer' e porque Lula 'fez muito', mas ainda 'há muito a fazer'. Grave não seria o que disse, se se tratasse apenas de destempero de uma cabeça. Mas tudo indica que não se trata disso. Há motivos para acreditar que não faria essas declarações sem a prévia anuência do presidente, pela simples razão de que sabia que ninguém acreditaria que não o consultara antes de fazê-las.
Apesar de todas as enfáticas negativas presidenciais, não é provável que Lula nunca tenha, pelo menos, acalentado a idéia de disputar o terceiro mandato que, salvo algum percalço inesperado, conquistaria tranqüilamente, dadas as extraordinárias circunstâncias em que se insere o quadro político atual, tais como: um presidente da República com os maiores índices de popularidade que já desfrutou - 58% de avaliação positiva - desde o início de sua primeira gestão; uma situação econômica, em termos de recuperação de crescimento e geração de empregos, com resultados positivos como há muito não se via - pelo menos desde o 'milagre econômico' dos tempos da ditadura; a total concentração do poder político na pessoa do presidente, de tal forma que não se vislumbra alguém de seu partido ou de sua base aliada que seja candidato 'natural' a sua sucessão; e o favoritismo, segundo todas as pesquisas, de um candidato oposicionista à sua sucessão - a saber, o governador tucano de São Paulo, José Serra.
Como não poderia deixar de ser, visto que as forças políticas são torrentes que de formas variadas sempre buscam desaguar em seus almejados mananciais de poder, a idéia de um terceiro mandato, em continuidade, para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já extravasa em significativas manifestações populares e até num projeto legislativo defendido pelo deputado Devanir Ribeiro (PT-SP), velho amigo do presidente Lula, propondo a realização de um plebiscito para que a população brasileira decida se quer ou não modificar a Constituição para dar 'mais tempo de governo' ao presidente, como pretende o vice Alencar.
Na verdade, até a idéia de um mandato presidencial de cinco anos, sem reeleição, em torno da qual governistas e oposicionistas parecem caminhar para um consenso, pode favorecer apenas a meio velada intenção de um terceiro mandato. É que, de um lado, a fórmula poderia resolver um problema de disputa interna do PSDB - já que o governador mineiro, Aécio Neves, até agora não demonstrou abrir mão da disputa com seu colega paulista em 2010, embora pudesse fazê-lo se os tucanos lhe garantissem a candidatura presidencial de 2015. Mas, de outro lado, com essa mudança constitucional poderia estar 'zerada' a atual restrição ao terceiro mandato contínuo, o que abriria, a Lula, as portas a um 'novo' mandato dentro das novas regras - e em obediência à exigência 'dos brasileiros' (auscultados pela intuição de José Alencar) de que o Programa de Aceleração do Crescimento (o PAC), que pode ter mãe incerta, mas cujo pai é conhecido, não há de ser interrompido por adversários políticos.
Depondo sobre os primeiros anos do regime militar, Carlos Lacerda dizia que o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, primeiro presidente daquele sistema, afirmou com toda a convicção: 'Aos meus amigos peço e aos meus comandados ordeno: não me falem em prorrogação (do mandato presidencial)', mas depois de tantos e insistentes apelos, aceitou a prorrogação de seu mandato, 'docemente constrangido'.
Não há como deixar de notar que cada vez aumenta mais o cordão dos que pretendem impor ao presidente Lula um doce constrangimento.