Existem políticos e funcionários públicos corruptos em todas as latitudes. A única diferença é que, no Brasil, eles desfrutam o benefício da impunidade institucionalizada. Seja o exemplo dos cartões chapas-brancas. Sabemos de antemão que as investigações de fachada não terão conclusões satisfatórias, e nenhum daqueles ladronaços cumprirá pena; não importam o circo da CPI e a hipocrisia do discurso no horário nobre. Os três poderes desta república tão enxovalhada realizam as mais incríveis acrobacias corporativistas, com o intuito de proteger os respectivos companheiros. Renan Calheiros que o diga. E mesmo que houvesse um indiciado, os generosos tribunais dariam o costumeiro jeitinho de aplicar a lei com o máximo de brandura. Ficam-nos duas impressões desagradáveis: existe muita gente com "rabo preso", e nossos magistrados entendem que condenação e "tolerância zero" sejam atitudes ofensivas à democracia. Democracia com impunidade tem outro nome: anarquia.
Em 10 de abril último, o Washington Post noticiou as medidas draconianas adotadas pelo Office of Management and Budget — OMB (órgão gerencial do governo americano que fiscaliza a gestão do orçamento) — a fim de, à luz de legislação específica, punir com prisão o pessoal da administração federal que malversar o cartão de crédito administrativo. "A vasta maioria dos funcionários públicos usa o cartão responsavelmente. Por outro lado, eu diria que ainda existe abuso, e nossa meta é zerar o número de fraudes," declarou Clay Johnson III, do serviço de fiscalização federal da OMB.
Um recente relatório de sindicância, divulgado pelo Congresso dos Estados Unidos, revela que ocorreram compras de câmeras, computadores, iPods, trajes de grife, lingerie e pagamentos de jantares requintados. Não é a primeira vez que se faz esse tipo de constatação. São vários os registros de crimes exóticos: despesas com entradas para partidas de beisebol, jóias, telefones celulares, serviços de acompanhantes e, pelo menos uma vez, uma plástica de "turbinagem" dos seios na namorada de um servidor. Entre os muitos comentários, destacamos este de um agente federal: "Só quero dizer que a malversação dos cartões de crédito do governo é o tipo de coisa que provoca a má reputação do funcionário público".
Pois é; parece Brasília, DF, mas é Washington, DC. Só que nos Estados Unidos, embora todos os indiciados tenham perdido o emprego ou cumprido pena ou ressarcido o erário do que surrupiaram, o senado americano está prestes a aprovar uma lei que dispõe sobre punições ainda mais rigorosas do que as que vêm sendo aplicadas naqueles que fazem uso fraudulento do cartão de crédito administrativo. Enquanto isso, em nosso país tropical, o parlamento e a polícia federal "investigam" o caso para saber se houve fraude. Ora, nem precisa ser um Sherlock Holmes; basta passar os olhos nos extratos das contas dos larápios. Está tudo lá. É só o juiz conferir e engaiolar os gatunos.
E o governo federal faz coisa ainda pior; alega, com cinismo sem precedentes, que as "aquisições" com os cartões do presidente e de sua família, assim como os do comissariado que adora ceias opíparas com verba pública, devem ser mantidas em absoluto sigilo, porquanto é assunto de segurança nacional. Em outras palavras — vejam que primor de raciocínio dialético — se a filhinha de Lula da Silva compra patê de fois gras com dinheiro do tesouro, ninguém pode saber, pois a vida do presidente estará em perigo. Coitadinho!
Eis aí a diferença brutal entre nossos ladrões e os ladrões do primeiro mundo. Ambos roubam com a mesma destreza e o mesmo descaro, mas enquanto o sistema judiciário de lá, com rapidez e eficácia, pune exemplarmente os culpados, o de cá continua a empurrar com a barriga e a empulhar como sempre fez e fará. Cenário triste. Cada vez que um governante, parlamentar ou magistrado abre a boca, os brasileiros pensantes têm a nítida e trágica impressão de que o Brasil é um país irremediavelmente inviável.