Merval Pereira: Serra vale uma missa?
- O Globo
O senador Aécio Neves passa por um teste de fogo nestes últimos dias antes do prazo final para a definição das coligações. A pressão da base paulista para que o ex-governador José Serra venha a ser indicado a vice na chapa tucana aumentou, trazendo uma inquietação a todos os envolvidos na decisão: o próprio candidato, Serra, o governador Geraldo Alckmin e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Uma opinião é consensual: a chapa Aécio Neves- Serra uniria São Paulo e daria condições aos tucanos de saírem do estado com uma vitória maior do que a das últimas eleições, entre 3 milhões e 5 milhões de votos, patamar máximo que Fernando Henrique tirou contra Lula em 1994.
De lá para cá, a diferença a favor dos tucanos tem decaído, e na última vez Serra ganhou com uma diferença de 1,8 milhão de votos. Todos no PSDB estão convencidos de que nesta eleição as condições são melhores, devido ao desgaste do PT no estado.
Quem mexeu no tabuleiro tucano foi Alckmin, que, com objetivo de montar uma chapa forte que o eleja já no 1º turno, está tentando convencer Gilberto Kassab a se candidatar ao Senado, cargo a que Serra concorreria, segundo trato feito anteriormente entre o próprio governador e os principais líderes tucanos, inclusive o candidato Aécio Neves.
A importância da liderança de Serra é tamanha dentro do PSDB paulista que Aécio tem tido o maior cuidado em cercá-lo de homenagens, tendo, inclusive, já o convidado a participar de seu Ministério caso seja eleito.
Alckmin, que tem a liderança natural desse processo de formação da chapa, já havia passado por cima dos interesses do partido ao oferecer a vice ao PSB do também candidato à Presidência Eduardo Campos, o que dará aos socialistas a oportunidade de governar São Paulo e de tentar a reeleição no cargo em 2018.
Isso porque, ao terminar seu mandato, Alckmin terá que se desincompatibilizar para continuar na política, ou se candidatando novamente à Presidência se Aécio Neves não se eleger este ano, ou disputando o Senado.
Essa exagerada regalia do PSB já estava causando mal-estar entre os tucanos paulistas, e agora Alckmin usa a vaga do Senado para montar seu próprio esquema, passando por cima de acordos partidários.
Mas Aécio, que vem demonstrando habilidade para superar crises políticas e montar palanques estaduais, sabe que manter unido o partido em SP é imprescindível para sua tentativa de chegar à Presidência. No momento, ele está mais inclinado a indicar o senador Aloysio Nunes Ferreira para vice, o que seria ao mesmo tempo uma homenagem a Serra e também o reconhecimento do peso de SP no quadro eleitoral.
A questão da vice pode ser resolvida de duas maneiras, sem criar embaraços para ninguém: caso Kassab decida apoiar outro candidato que não Alckmin — ele está negociando também com Paulo Skaf, do PMDB —, ou se Serra decidir disputar uma cadeira na Câmara, que é a preferência das bases partidárias. Neste caso, ele seria um puxador de votos e ajudaria a fortalecer o PSDB na Câmara.
Ninguém pode atribuir a Serra, nos meses fundamentais de organização da chapa tucana, comportamento que não tenha sido em favor do partido. Ele mesmo declarou recentemente que sua disposição era "não atrapalhar o PSDB". Mesmo que não sejam os melhores amigos,
Serra e Aécio encontraram maneiras de trabalhar em conjunto por um projeto partidário. Mas não há dúvidas de que Serra, como vice, criaria nova área de decisões na candidatura tucana que poderia levar a desencontros como os que atrapalham a chapa Eduardo Campos e Marina.
Serra tem luz própria e opiniões que podem criar embaraços aos membros da equipe econômica que Aécio reuniu em torno do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga.
No governo, sua palavra teria o dom de influir nas discussões com muito mais força política, por exemplo, do que tinha o ex-vice-presidente José Alencar.
Quando criticava os juros altos, por exemplo, Alencar não mexia com os mercados, era apenas uma opinião pessoal. Uma fala do vice-presidente José Serra sobre juros ou outro tema econômico terá sempre repercussão.
São essas variáveis que Aécio Neves está levando em conta para sua decisão. Reconhecer o peso de Serra já é uma maneira de homenageá-lo. Pode ser que chegue à conclusão de que, como lembra Fernando Henrique, "Paris bem vale uma missa", frase atribuída a Henrique IV, que se converteu ao catolicismo para tornar-se rei da França.
Enviada do meu iPhone