FOLHA DE SP - 14/10
Foi meu verão inesquecível; aliás, foram dois, pois no ano seguinte eu voltei.
Há anos aluguei uma casa por telefone, na Pituba. Contratei uma cozinheira baiana e logo descobri que tinha várias assessoras na cozinha: uma para catar siri, outra para descascar camarão, outra para ralar coco, outra para se ocupar dos bolos, biscoitos, sobremesas.
Na mesma temporada lembro que fui passar uns dias em Mar Grande (antes da ponte), e logo de manhã passavam os locais apregoando sua mercadoria: camarão fresco, peixe saído do mar, lagosta, mariscos, siri mole, tudo na porta, levado por um burrico. Como esse comércio começava cedo, havia um funcionário (da casa) contratado apenas para ficar na porta desde cedo, e alerta; quando alguém ia anunciar o que tinha para vender, ele fazia um sinal com o dedo na boca para que não gritasse, para não acordar as pessoas. Ah, Salvador, que paraíso.
A casa que aluguei era grande, volta e meia chegavam hóspedes, e não se fazia rigorosamente nada. O único esforço intelectual era escolher a que praia iríamos: Piatã, Itapoã ou Arembepe, todas com a água do mar na temperatura certa e sem ondas. A mesa era sempre farta e só se comia comida com dendê e leite de coco; aliás esse capítulo começava no café da manhã, com direito a canjica, tapioca, banana da terra cozida, e nem sei mais o quê.
Durante a temporada nunca se bebeu nada além dos sucos de frutas da terra, naturais ou com uma cachacinha. Só se usava uma sandalinha de palha, e só se tirava o biquíni na hora de dormir. Passávamos a tarde nas redes da varanda, e nunca vou esquecer que um dia, depois do almoço, a cozinheira me levou uma bacia cheia de bagos de jaca que passei a tarde comendo. Ninguém engordava.
Só saíamos de casa para ir às festas de largo, que começavam em dezembro e acabavam no Carnaval. Meu filho Bruno, que tinha 10 anos, me disse que nunca foi tão feliz; em todo esse verão ele nunca ouviu um não da minha boca: tudo podia.
Todos os dias eram domingo, não se lia jornal, não havia telefone nem televisão, os dias eram todos de sol, e só se fazia rir e falar bobagem, assim por nada. E havia a cor do mar de Salvador, e o cheiro de Salvador, e o som de Salvador, e a hospitalidade da gente de Salvador, pobres e ricos. Nesse verão, um baiano me fez um oferecimento muito especial, que nunca esqueci; quando eu morresse estava convidada a ficar no mausoléu da sua família, tem mais gentil?
Não sei se na época eu me dava conta do quanto era feliz, mas hoje, quando me lembro, penso que foi dos melhores tempos de minha vida.
Essas lembranças são um tesouro que tenho dentro do peito, e que ninguém, nunca, vai me tirar. Que pena não poder votar em Salvador, nesse segundo turno; é tão bom votar.
Desculpe, mas vamos voltar um pouco à real. Então, depois do julgamento do mensalão, a CPI do Cachoeira vai encerrar os trabalhos? Não vamos poder saber das relações do governador Sérgio Cabral com Fernando Cavendish, dono da Delta?
Segundo a imprensa, pelas contas bancarias dos investigados passaram 36 bilhões --bilhões-- cuja origem e destino ainda são ignorados. Que respingue no PSDB, no PT, no PMDB, não importa. E é um escândalo que o PSDB e o PT estejam de acordo em blindar os acusados. Os dois partidos, teoricamente rivais, nessa hora são tão sem escrúpulos um quanto o outro, e nenhum negócio que envolve 36 bilhões --em negócios com o governo-- pode ser honesto. E as contas da Delta são o maior dos segredos de Estado.
Entrevista:O Estado inteligente
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