O Estado de S.Paulo
Um dia é o entusiasmo com as medidas adotadas em setembro, que permitiram entrever uma luz ao fim do túnel na crise europeia. O euro valorizou-se, os mercados subiram. Outro dia as expectativas despencam, à luz da evidência de que os programas de austeridade nos países endividados, em especial na Grécia e na Espanha, enfrentam dificuldades crescentes. Enfim, para onde caminha a crise?
Em setembro a Corte Constitucional da Alemanha aprovou as operações do Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira, com recursos superiores a 400 bilhões, para financiar os pacotes de salvamento dos países da zona do euro em dificuldades. Ao mesmo tempo a Comissão Europeia adotou um programa para a supervisão dos bancos na zona do euro, um primeiro passo para a união bancária. Pouco antes o Banco Central Europeu (BCE) já havia decidido que, "sob certas condições", poderia comprar quantidades "ilimitadas" de títulos da dívida de países da zona do euro. Certas condições é o eufemismo para condicionar a liberação dos recursos ao programa de ajustamento e reformas, sob a supervisão do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de agências europeias, tal como decidido pela Comissão Europeia. Quantidades ilimitadas eram as palavras mágicas que os mercados esperavam ouvir desde o início da crise. Significam que o BCE responderá à demanda dos mercados, sem limites.
Esse conjunto de medidas se revestiu de significado histórico. Em primeiro lugar, foram vencidas - apesar do voto contra do governador do Banco Central alemão - as resistências de Angela Merkel a um compromisso claro e formal da Alemanha com o salvamento de bancos e países da zona do euro. Foi aplainado o caminho para a união bancária, para a supervisão fiscal e para que o BCE se transforme, efetivamente, num emprestador em última instância. Em suma, estava traçado o rumo para a união fiscal e monetária, de modo a colocar a zona do euro num patamar mais avançado e sustentável de integração.
Os avanços institucionais na superação da crise do euro são inegáveis. A Europa tem um plano, dotou-se dos instrumentos necessários para executá-lo, mostrou determinação e liderança. Pela primeira vez se acendeu uma luz, ainda que tênue, ao fim do túnel. A página de uma possível implosão do euro parece virada. Inicia-se um novo capítulo, o de negociação de programas de austeridade e implementação das medidas acordadas pelos países que solicitarem ajuda financeira.
O êxito do plano requer que sua implantação seja rápida. Não obstante, o caminho parece acidentado e longo. A retomada do crescimento deverá demorar. Haverá vaivéns. Instalou-se uma nova queda de braço sobre a repartição dos custos da superação da crise: os devedores demandam mais tempo e menos rigor, os credores exigem mais pressa e mais cortes nos gastos públicos como condição para liberar os recursos que já foram autorizados. O percurso é cheio de altos e baixos. É a montanha-russa que alimenta a volatilidade dos mercados. Os que enxergam a árvore só vêm incerteza e dificuldade. Os que procuram ver a floresta dão se conta de que há boas razões para manter a confiança.
Ao longo dos últimos meses a crise do euro suscitou um intenso, por vezes acalorado, debate. De um lado, economistas, sobretudo norte-americanos, apontavam para o iminente fracasso do euro ou, pelo menos, para a defecção de alguns membros da zona monetária. Alguns argumentos fazem sentido: o vício de origem de uma união monetária sem a correspondente união fiscal; ou o diferencial de competitividade entre a Europa do norte e a do sul, que continua a ser uma ameaça à moeda única. De outro, economistas e dirigentes europeus consideram o retrocesso do euro inconcebível e acreditam ser a crise a oportunidade para corrigir rumos, suprir lacunas e avançar no projeto político da integração. Prevaleceu a visão política. E a Alemanha, de início reticente, endossou um caminho que pode ter custos e incertezas, mas consolida a hegemonia política e econômica de Berlim na Europa.
Neste novo capítulo o desafio está na dosagem dos programas de austeridade. Essa também foi a questão sensível na negociação da dívida brasileira nos anos 1980. Não foi sem razão que o Brasil assinou sete cartas de intenção com o FMI. Só que desta vez é o próprio FMI que toma a defesa dos países devedores. No Panorama da Economia Mundial preparado para a reunião anual em Tóquio, no último fim de semana, o Fundo chega a sinalizar que os aumentos de tributos e os cortes de despesas impostos à Grécia e à Espanha podem ser contraproducentes por agravarem a recessão e, por conseguinte, a capacidade de esses países saldarem suas dívidas. Além da queda do emprego e do nível de renda, que podem fazer descarrilar os próprios programas de ajustamento.
Para quem acompanhou a negociação da dívida brasileira nos anos 80 a nova posição do Fundo surpreende. Vários economistas de peso também têm apontado para os riscos de excesso de rigor. A questão não é apenas econômica, é também política. A nova postura do FMI expõe a chanceler Merkel perante os países devedores, como se evidenciou em sua recente visita à Grécia. Uma coisa é um organismo internacional como o FMI pregar a austeridade, como fez nos anos 80. Outra é o governo alemão condicionar a liberação dos recursos a políticas já desgastadas e impopulares em países que são parceiros de um mesmo projeto europeu.
A Alemanha pode estar salvando a integração europeia. Mas, além do custo financeiro, pagará uma conta política. Terá de reconstruir, a cada curva desta O Estado de S.Paulo
Um dia é o entusiasmo com as medidas adotadas em setembro, que permitiram entrever uma luz ao fim do túnel na crise europeia. O euro valorizou-se, os mercados subiram. Outro dia as expectativas despencam, à luz da evidência de que os programas de austeridade nos países endividados, em especial na Grécia e na Espanha, enfrentam dificuldades crescentes. Enfim, para onde caminha a crise?
Em setembro a Corte Constitucional da Alemanha aprovou as operações do Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira, com recursos superiores a 400 bilhões, para financiar os pacotes de salvamento dos países da zona do euro em dificuldades. Ao mesmo tempo a Comissão Europeia adotou um programa para a supervisão dos bancos na zona do euro, um primeiro passo para a união bancária. Pouco antes o Banco Central Europeu (BCE) já havia decidido que, "sob certas condições", poderia comprar quantidades "ilimitadas" de títulos da dívida de países da zona do euro. Certas condições é o eufemismo para condicionar a liberação dos recursos ao programa de ajustamento e reformas, sob a supervisão do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de agências europeias, tal como decidido pela Comissão Europeia. Quantidades ilimitadas eram as palavras mágicas que os mercados esperavam ouvir desde o início da crise. Significam que o BCE responderá à demanda dos mercados, sem limites.
Esse conjunto de medidas se revestiu de significado histórico. Em primeiro lugar, foram vencidas - apesar do voto contra do governador do Banco Central alemão - as resistências de Angela Merkel a um compromisso claro e formal da Alemanha com o salvamento de bancos e países da zona do euro. Foi aplainado o caminho para a união bancária, para a supervisão fiscal e para que o BCE se transforme, efetivamente, num emprestador em última instância. Em suma, estava traçado o rumo para a união fiscal e monetária, de modo a colocar a zona do euro num patamar mais avançado e sustentável de integração.
Os avanços institucionais na superação da crise do euro são inegáveis. A Europa tem um plano, dotou-se dos instrumentos necessários para executá-lo, mostrou determinação e liderança. Pela primeira vez se acendeu uma luz, ainda que tênue, ao fim do túnel. A página de uma possível implosão do euro parece virada. Inicia-se um novo capítulo, o de negociação de programas de austeridade e implementação das medidas acordadas pelos países que solicitarem ajuda financeira.
O êxito do plano requer que sua implantação seja rápida. Não obstante, o caminho parece acidentado e longo. A retomada do crescimento deverá demorar. Haverá vaivéns. Instalou-se uma nova queda de braço sobre a repartição dos custos da superação da crise: os devedores demandam mais tempo e menos rigor, os credores exigem mais pressa e mais cortes nos gastos públicos como condição para liberar os recursos que já foram autorizados. O percurso é cheio de altos e baixos. É a montanha-russa que alimenta a volatilidade dos mercados. Os que enxergam a árvore só vêm incerteza e dificuldade. Os que procuram ver a floresta dão se conta de que há boas razões para manter a confiança.
Ao longo dos últimos meses a crise do euro suscitou um intenso, por vezes acalorado, debate. De um lado, economistas, sobretudo norte-americanos, apontavam para o iminente fracasso do euro ou, pelo menos, para a defecção de alguns membros da zona monetária. Alguns argumentos fazem sentido: o vício de origem de uma união monetária sem a correspondente união fiscal; ou o diferencial de competitividade entre a Europa do norte e a do sul, que continua a ser uma ameaça à moeda única. De outro, economistas e dirigentes europeus consideram o retrocesso do euro inconcebível e acreditam ser a crise a oportunidade para corrigir rumos, suprir lacunas e avançar no projeto político da integração. Prevaleceu a visão política. E a Alemanha, de início reticente, endossou um caminho que pode ter custos e incertezas, mas consolida a hegemonia política e econômica de Berlim na Europa.
Neste novo capítulo o desafio está na dosagem dos programas de austeridade. Essa também foi a questão sensível na negociação da dívida brasileira nos anos 1980. Não foi sem razão que o Brasil assinou sete cartas de intenção com o FMI. Só que desta vez é o próprio FMI que toma a defesa dos países devedores. No Panorama da Economia Mundial preparado para a reunião anual em Tóquio, no último fim de semana, o Fundo chega a sinalizar que os aumentos de tributos e os cortes de despesas impostos à Grécia e à Espanha podem ser contraproducentes por agravarem a recessão e, por conseguinte, a capacidade de esses países saldarem suas dívidas. Além da queda do emprego e do nível de renda, que podem fazer descarrilar os próprios programas de ajustamento.
Para quem acompanhou a negociação da dívida brasileira nos anos 80 a nova posição do Fundo surpreende. Vários economistas de peso também têm apontado para os riscos de excesso de rigor. A questão não é apenas econômica, é também política. A nova postura do FMI expõe a chanceler Merkel perante os países devedores, como se evidenciou em sua recente visita à Grécia. Uma coisa é um organismo internacional como o FMI pregar a austeridade, como fez nos anos 80. Outra é o governo alemão condicionar a liberação dos recursos a políticas já desgastadas e impopulares em países que são parceiros de um mesmo projeto europeu.
A Alemanha pode estar salvando a integração europeia. Mas, além do custo financeiro, pagará uma conta política. Terá de reconstruir, a cada curva desta complexa montanha-russa, o equilíbrio entre o contribuinte alemão, que não quer mais refinanciar a dívida grega ou espanhola, e os manifestantes de rua em Atenas ou Madri, que gritam basta e responsabilizam Merkel pelo desemprego, pela queda na renda e por ameaças ao sistema de previdência social.
complexa montanha-russa, o equilíbrio entre o contribuinte alemão, que não quer mais refinanciar a dívida grega ou espanhola, e os manifestantes de rua em Atenas ou Madri, que gritam basta e responsabilizam Merkel pelo desemprego, pela queda na renda e por ameaças ao sistema de previdência social.