O Estado de S.Paulo - 25/10
O governo fez uma perigosa opção pela meta de juros, em detrimento da meta de inflação. Outras economias, incluídas algumas das mais dinâmicas da América Latina, têm crescido bem mais rapidamente que a brasileira, por vários anos, com preços muito mais próximos da estabilidade. As autoridades de Brasília desistiram de buscar essa combinação, pelo menos por alguns anos, e o resultado tem sido ruim, com estagnação da indústria e um ritmo inflacionário bem superior ao fixado como objetivo para cada ano. Segundo a retórica oficial, o Banco Central (BC) continua fiel ao padrão adotado no fim dos anos 90. O presidente da instituição, Alexandre Tombini, fez até uma defesa do regime de metas de inflação, num pronunciamento em São Paulo, nesta terça-feira. Esse regime, afirmou, se revelou o mais adequado à realidade brasileira e ambiente global de choques cada vez mais frequentes e mais intensos. Essa declaração parece no mínimo estranha, quando se levam em conta os dados da realidade cotidiana e a orientação efetiva da política monetária.
No mesmo pronunciamento o presidente do BC rejeitou a ideia de redução da meta, mantida há vários anos em 4,5%. É desejável, segundo ele, aproximar a inflação brasileira dos níveis observados em seus parceiros comerciais, mas é preciso, acrescentou, deixar esse objetivo para mais tarde. Não é hora de baixar a meta, argumentou, por causa da crise internacional. Por enquanto, é preciso, segundo Tombini, esperar para ver se as políticas adotadas no mundo desenvolvido farão subir a inflação nos mercados globais. Ele se referia, claramente, a medidas de expansão monetária tomadas nos Estados Unidos e em outros países ricos para reativar os negócios.
Há pouco mais de um ano, o Comitê de Política Monetária (Copom) iniciou a redução dos juros. Segundo a justificativa apresentada na época, a crise internacional derrubaria os preços das commodities e teria um efeito desinflacionário. Esse argumento foi repetido recentemente. O presidente do BC, agora, usa o argumento oposto - o risco de mais inflação externa - para defender a manutenção da meta. Quanto aos juros, devem ser intocáveis, exceto, é claro, para alguma nova redução. A presidente da República, inspiradora da nova política, muito provavelmente aplaudirá mais um corte.
Mas até o discurso de preservação da meta de 4,5%, em nome da prudência, é pouco digno de crédito, quando se examinam os resultados e as condições da política monetária. A inflação oficial ficou no fim de 2011 em 6,5%, no limite superior da banda fixada pelas autoridades. Continuará acima de 5% neste ano e provavelmente ainda estará longe do centro do alvo em 2014, de acordo com projeções divulgadas pelo próprio BC. A promessa de uma convergência em "trajetória não linear", repetida nos últimos tempos pelas autoridades monetárias, parece cada vez mais uma conversa digna de Cantinflas, o romântico e enrolador vagabundo das velhas comédias do cinema mexicano.
Os padrões da política monetária brasileira admitem há muito tempo, como lembrou o ex-presidente do BC Gustavo Loyola, alguma tolerância à inflação quando é preciso enfrentar uma crise. Mas a taxa de 4,5%, há muitos anos mantida como centro da meta, é muito mais alta que a inflação registrada em países também expostos às pressões internacionais e, apesar de tudo, com desempenho econômico bem melhor que o do Brasil. E há mais que isso. "Quando a meta não foi cumprida em 2011, não será cumprida em 2012 e há expectativa de que também não seja atingida em 2013 e 2014, para que essa meta?", perguntou Loyola numa entrevista ao Estado.
A resposta parece inevitável. Derrubar a inflação é hoje um objetivo secundário para o governo, embora outros países cresçam mais com uma inflação mais baixa. A prioridade efetiva é a redução dos juros, tomada como indispensável para um maior crescimento da produção. Mas o consumo tem aumentado, apesar dos juros, e a indústria tem sido incapaz de acompanhar essa demanda. O governo está obviamente atirando no alvo errado e balas perdidas acabarão causando sérios estragos na economia.