O Estado de S.Paulo
A popularidade da presidente da Argentina, Cristina Kirchner, vai batendo recordes de baixa: chegou a 24,3% em setembro. E a economia dá sinais crescentes de fragilidade.
As cotações do dólar no câmbio negro, depois da repressão às casas de câmbio (cepo cambial), saltaram para 31% acima do piso do oficial. A inflação ronda os 22% a 25% ao ano. A admitida pelo governo não passa dos 9%. Há quatro semanas, o Fundo Monetário Internacional se viu obrigado a "mostrar cartão amarelo" ao governo de Cristina pelas manipulações estatísticas.
Os investimentos não saem, o superávit comercial, embora 8% maior do que em 2011, só se sustenta graças às travas sobre as importações e ao rígido cepo cambial. As despesas públicas, de 22% do PIB, em 2001, saltaram para 38% do PIB, dez anos depois - 0,8% abaixo da arrecadação. Cada vez mais o governo recorre às emissões de moeda para fechar as contas públicas. Enquanto isso, as finanças das províncias estão estranguladas. Há 3 dias, sem ter como obter moeda estrangeira, a província do Chaco pagou em pesos os US$ 250 mil correspondentes aos juros de uma dívida de US$ 23 milhões emitida em dólares, operação tecnicamente considerada calote.
Na área política, os problemas parecem aumentar. O sindicalismo não apoia mais o governo em ordem unida, como antes. É o que apontam desavenças públicas entre a presidente Cristina e o chefão dos caminhoneiros, Hugo Moyano. A demissão de dois comandantes militares após a apreensão por sentença judicial do barco-escola argentino Libertad, em Gana, parece apontar para a existência de rachaduras nas Forças Armadas.
Mas o que significa isso? Quer dizer que o arranjo econômico da Argentina está se desfazendo? "Não", garante Dante Sica, da Consultoria Abeceb.
Um conjunto de ventos favoráveis mantém no alto a pipa do governo de Cristina. O primeiro é climático. A volta do fenômeno El Niño promete chuvas abundantes na Pampa Húmeda. Isso deve produzir safras recordes, com a bênção dos preços altos - efeito da seca no Centro-Oeste dos Estados Unidos. Mais exportações garantirão mais receitas em moeda estrangeira. E mais arrecadação, graças às retenciones (imposto sobre exportações).
O prometido empurrão no PIB do Brasil é visto com ansiedade pela indústria. Deverá assegurar mais encomendas. O banco central terá de emitir 70 bilhões de pesos para cobrir o déficit das contas públicas em 2013, mas não há risco de cavalgada da inflação para além dos níveis atuais. A necessidade de moeda estrangeira para resgate de dívida pública externa será inferior (cerca da metade dos US$ 8,4 bilhões desembolsados em 2012). Não há vencimento previsto dos Boden 12 (principal título) e os controles cambiais seguirão fazendo o resto do serviço, avisa Dante Sica.
O achatamento dos preços da moeda estrangeira (valorização do peso) traz, sim, novas distorções, como redução da competitividade do produto industrializado, mas, em compensação, contribui para impedir descontrole da inflação. Embora aumente o rombo das contas públicas e iniba investimentos, a compressão das tarifas públicas, por sua vez, contribui para conter descontentamentos.
Em outubro de 2013, haverá eleições para renovação do Congresso. Até lá, o governo de Cristina fará de tudo para manter a maioria de que hoje dispõe. Para isso conta com a fragilidade e a pulverização da oposição a seu governo, explica Sica.