Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, outubro 31, 2012

O velho no novo - ROBERTO DaMATTA


O Estado de S.Paulo - 31\10


Papai - perguntou um menino aflito depois de ver seu time de futebol fragorosamente derrotado pelo "inimigo" -, este gosto amargo de derrota passa?

O pai que com ele viu o jogo e era duplamente vitorioso, pois o seu time era justamente o vencedor e ele, Pai, sabia tudo, respondeu com amor:

- Meu filho querido, tudo passa e volta. A vida contém a morte e a morte contém a vida. Seu avô morreu, mas, veja, nasceu o seu priminho Quincas, que nos fez esquecer a morte. A vitória contém a derrota e a derrota traz, lá dentro, a vitória.

* * * *

Conte-me um mito importante, perguntou de gravador em punho um jovem e idiotizado antropólogo a um nativo. Sou estudioso de Lévi-Strauss e quero testar suas teorias de modo mais profundo. O índio ouviu, ficou com pena daquela criatura sôfrega, faminta, desorientada e disse:

- Abra os ouvidos. Isso foi no tempo em que não havia fogo. Comia-se carne crua, podre ou seca. Era horrível. Foi assim até o dia em que um menino saiu com seu cunhado atrás de penas de araras para fazer enfeites. O cunhado colocou um tronco para o menino subir até o ninho das araras situado no alto de um penhasco, mas os filhotes eram brabos e ele teve medo. Irritado, o marido de sua irmã foi embora. Abandonado pelo afim impaciente (os afins - gente como sogros e cunhados - não são, como deve saber o leitor, confiáveis), o menino ficou lá em cima, preso no ninho das araras. Misturou-se a elas e ficou sujo de suas fezes porque era literalmente - disse o índio que assistia à TV todo dia e lia os jornais na internet - "um estranho no ninho". Depois de uns dias e já com muita sede e fome, ouviu a voz de uma onça que pergunta o que ele, menino, fazia num ninho de araras. Fui abandonado por meu cunhado, disse o menino.

Após garantir que não seria comido pela onça, o menino desceu da escarpa e a onça o levou no seu vasto lombo para um ribeirão onde ele se limpou e saciou a sede. Em seguida, a onça o levou para sua casa. Lá, uma onça fêmea e grávida assava um pedaço de carne tipo picanha - acrescentou o índio para facilitar o imbecil do antropólogo - numa fogueira. O cheiro da carne assada sentido pela primeira vez varou a surpresa do menino, despertando-lhe imediatamente o apetite. Provou a carne e apreciou o poder transformador do fogo que permita, entre outras coisas, controlar o grau de cozimento naquilo que corresponde aos níveis de sociabilidade em torno da comida comum, esse elemento de comunhão e de solidariedade imemorial, arrematou o índio que havia lido Robertson Smith e Émile Durkheim. O menino comeu, comeu e comeu e não saciado - pois o novo (mesmo sendo velho) inventa o "quero mais" - repetiu tudo o que fez com que a onça fêmea ficasse irritada por sua falta de maneiras à mesa.

Quando o onça macho que o menino chamava de "tio" foi caçar e ele pediu mais carne, a fêmea o ameaçou com garras e dentes. Mas o menino havia recebido do Tio Onça um par de flechas e um arco (esses instrumentos de defesa equivalentes às garras das onças, explicou o índio para o antropólogo que balançava afirmativamente a cabeça). Sem dúvida, ele feriu a onça, correu para a aldeia. Lá - como um empresário moderno -, anunciou um novo modo de comer carne. Os índios foram à morada da onça e roubaram-lhe o fogo.

Foi assim que os homens passaram do cru ao cozido, terminou o índio com um riso simbólico atendendo a uma chamada no seu celular. Agora, as onças têm o fogo apenas dentro dos olhos - misto de ameaça e ressentimento - quando vistos na escuridão da noite.

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Ela era atraente e viva. A beleza não havia visitado aquela pessoa feita desses múltiplos atributos que definem as mulheres e que vão dos sapatos de salto alto aos colares e à pela lisa e boa de acariciar. Era matemática e especialista em geometria algébrica, uma subdisciplina da chamada Rainha das Ciências que o leitor naturalmente conhece de sobra...

O jovem Natan, era seu aluno de mestrado e se mostrara um excepcional matemático. Como se sabe, a matemática é como a música: ou você toca alguma coisa ou cai fora. Aos 20 anos, senão antes, o verdadeiro matemático resolve equações nebulosas e decifra cabeludos enigmas. Tal como Mozart que compunha aos 5 aninhos quando era exposto como gênio nos ducados europeus pelos seus pais-empresários, que hoje seriam provavelmente processados por exploração de menor, mas deixa pra lá.

Natan se apaixonou, Joana ficou interessada. Corria pelos corredores que a matemática era uma matadora. Tivera tantos namorados quanto os teoremas dos seus artigos e aulas. Natan fingia não ouvir ou saber. Ao término da brilhante tese de doutorado, aprovada com louvor e realizada em menos de três meses, Joana o convidou para jantar em sua casa - tinha um presente para ele. Quando todos se foram, deu-se aquele beijo com um Natan na ponta dos pés porque a mestra era muito alta. Após o susto do prazer e o prazer do susto que se chama milagre, ele perguntou pelo presente. Ela mandou que esperasse na saleta.

Depois de alguns minutos, entrou envelopada num robe de seda. Chegou à frente do jovem, abriu o robe e disse: eis o seu presente...

Vinte minutos depois, um Natan corado e confiante, pergunta: afinal, Joana, é verdade que você teve uma porrada de namorados? Ela olhou o jovem de frente e disse com aquela ternura das mulheres: tive muitos, mas perdi minha virgindade hoje com você. Há quem tenha ouvido um suspiro, mas eu não posso confirmar.

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Foi uma semana cheia. Segundo turno do "ganha-e-perde" eleitoral; a "descoberta" que a comida cozida transforma o cérebro humano; a "novidade" da moça que está vendendo sua virgindade. Se você não entendeu, querido leitor, escreva. Eu tento explicar.

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