O GLOBO - 25/10
A constituição do Mercosul, no aspecto econômico, se justificava pela criação de um espaço para comércio em que cada uma das economias dos países-membros se integrasse, não apenas para aumentar seu peso conjunto nas trocas internacionais, mas que também, nos ciclos de crise, servisse de desafogo para todos. Se do ponto de vista geopolítico a criação do bloco atingiu todos os objetivos, com a distensão no historicamente difícil relacionamento entre Brasil e Argentina, pelo lado econômico o Mercosul, pior do que estagnar, andou para trás. E a causa dos problemas do bloco tem nome e sobrenome: Cristina Elisabet Fernández de Kirchner.
Por radicalizar heterodoxias na política econômica adotada no governo do marido, Néstor, Cristina isola ainda mais o país no mundo. Ao não conseguir - ou não querer - encontrar uma saída negociada com credores caloteados remanescentes da moratória de 2001/2002, a presidente mantém a Argentina como pária no sistema financeiro globalizado. Soma a isso intervenções descabidas no mundo dos negócios. E, assim, afasta investidores, internos e, principalmente, externos. Um dos exemplos mais estrondosos da forma delirante com que a Casa Rosada kirchnerista governa é a intervenção feita, ainda no governo Néstor, no Idec, responsável pelo cálculo oficial da inflação, para maquiar os índices e deixá-los abaixo dos 10% ao ano - enquanto cálculos de firmas de consultoria privadas apontam para mais que o dobro disso.
Mesmo com um alerta do FMI de que poderá punir o país devido à absoluta falta de confiança nos indicadores oficiais, Cristina Kirchner insiste e até permite a Guilhermo Moreno, secretário de Comércio Exterior, braço direito para intervenções autoritárias - inclusive contra a liberdade de imprensa -, processar esses consultores, a fim de que parem de divulgar os levantamentos independentes da inflação. Não satisfeitos em adulterar o termômetro oficial, querem quebrar os privados, algo típico de uma "republiqueta de banana". Não surpreende que a Argentina passe por uma crise cambial. E para combatê-la o governo de Cristina se torna cada vez mais protecionista. Com isso, rasga acordos do Mercosul. Como o Brasil é forte exportador para o país vizinho, paga alto preço neste fechamento de portas ao comércio. De janeiro a setembro, as exportações para a Argentina caíram de US$ 16,8 bilhões, em 2011, para US$ 13,4 bilhões, este ano. Entenda-se que, sem qualquer reação visível do Itamaraty, o Brasil cede bilhões de dólares para reduzir a crise argentina de falta de divisas. O resultado é que exportadores brasileiros pagam o preço. Talvez quando o protecionismo de Cristina gerar desemprego no lado de cá da fronteira a magnânima diplomacia do governo Dilma dê algum sinal de vida na defesa de interesses nacionais.
Os aliados de Cristina K. em Brasília não admitem, mas o que era uma solução no Cone Sul passou a ser um problema.
Entrevista:O Estado inteligente
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