Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, outubro 25, 2012

Tripé cambiado - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 25/10


O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já começa a admitir que o tripé da economia, que tanto sucesso fez até recentemente, não é mais o mesmo. O câmbio flutuante, por exemplo, não flutua como flutuava.

Em entrevista publicada ontem no jornal Valor Econômico, Mantega prefere dizer que o regime do câmbio é o de "flutuação suja". Entenda-se que seja o mesmo que câmbio administrado ou câmbio mais ou menos fixo. Ou seja, o governo, por meio do Banco Central ou do Tesouro, opera no mercado tanto na ponta de compra como na de venda de moeda estrangeira, de modo a manter oferta e procura a nível tal que defina cotação de R$ 2 por dólar.

Embora reconheça que o câmbio já não flutua como antes, Mantega segue afirmando que os outros dois apoios do tripé, a meta de inflação e o superávit primário (meta fiscal) estão sendo rigorosamente cumpridos.

Não é bem assim. As duas outras metas também sofrem o efeito da "flexibilização". A de inflação (4,5% ao ano) não tem sido cumprida à risca. Mas o Banco Central diz que a convergência da inflação à meta será "de forma não linear". É só conferir: em 2011, a inflação foi de 6,50%; em 2012, pelas projeções do mercado aferidas pelo Banco Central (Pesquisa Focus), aponta para 5,44%; e, em 2013, para 5,42%. Ou seja, o governo Dilma e o Banco Central passaram a ser tolerantes a uma inflação acima do centro da meta.

O próprio Mantega assume que o superávit primário, de 3,1% do PIB, tem sido flexibilizado, à medida que, nos cálculos, possam ser descontadas despesas do governo carimbadas como "investimentos públicos". Também o Banco Central já não considera que o governo cumpra rigorosamente seus compromissos de responsabilidade fiscal. Na última Ata do Copom, por exemplo, deixou escrito que as contas públicas passaram a ser "expansionistas". Assim, ao dizer que a meta de solidez fiscal continua inalterada, Mantega também está flexibilizando a verdade.

O ministro com razão adverte que não se pode ser rígido e que o tripé não pode ser confundido com a estratégia. De fato, o importante é o resultado; é o crescimento econômico e a previsibilidade da economia que favorecem os investimentos.

Esse é outro produto prometido e não entregue. No ano passado, o PIB avançou só 2,7%; neste ano, não passará de 1,6%; e, embora possa induzir um crescimento de 3,0% em 2013, nada garante a sustentação desse ritmo. Os fundamentos da economia estão sendo flexibilizados a ponto de gerar instabilidade e falta de confiança.

Todo dinheiro tem dois preços: o câmbio é a cotação em moeda estrangeira; e os juros são o preço da própria moeda. A economia brasileira opera com preços fixos nesses dois segmentos. O câmbio está sujeito à tal "flutuação suja" de R$ 2 por dólar: e os juros básicos (Selic), fixados a 7,25% ao ano, "por um período de tempo suficientemente prolongado".

Não é verdade que a flexibilização da flutuação cambial, da meta de inflação e da política fiscal dão mais molejo à economia. Ao contrário, tornam-na mais rígida. Qualquer choque externo, por exemplo, se transmite automaticamente à economia à cotação de R$ 2 por dólar - como aconteceu com a alta dos alimentos, por causa da estiagem nos Estados Unidos. E a flacidez fiscal retira espaço para maior queda da Selic.

Mas admitir que o tripé já não é mais o mesmo já é um avanço diante da insistência anterior, de que nada mudou.

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