O Estado de S.Paulo - 04/07
Ainda é possível barrar o ingresso da Venezuela no Mercosul e corrigir o desatino cometido em Mendoza, na semana passada, na reunião de cúpula do bloco, alertam o chanceler do Uruguai, Luis Almagro, e o vice-presidente, Danilo Astori. "Não compartilho a decisão de autorizar a entrada da Venezuela como membro pleno, porque se trata de uma agressão institucional muito importante, talvez a mais grave dos 21 anos do Mercosul", disse Astori, segundo informou o jornal El Observador, de Montevidéu, na edição de ontem. De acordo com Almagro, a proposta de só oficializar em 31 de julho a adesão do novo sócio partiu do governo uruguaio. "Sendo assim, teremos de avaliar a possibilidade de reverter o anúncio", acrescentou.
A admissão da Venezuela foi anunciada na última sexta-feira, no fim da reunião em Mendoza. Suspenso o Paraguai, por causa do impeachment do presidente Fernando Lugo, o governo brasileiro decidiu aproveitar a oportunidade para admitir o presidente Hugo Chávez como sócio com plenos poderes na direção do bloco. Entendeu que o último obstáculo, o Senado paraguaio, estava afastado.
Os governos brasileiro e argentino haviam sido, durante anos, os defensores mais entusiasmados da inclusão do presidente bolivariano entre os dirigentes do bloco. Desde logo especialistas puseram em dúvida a legalidade da manobra, porque o Paraguai, apesar de suspenso, continua membro da união aduaneira.
A interpretação desse lance como um golpe no Mercosul foi reforçada pelos comentários de Almagro e Astori. Segundo o vice-presidente, a aprovação do ingresso da Venezuela atingiu o coração do Tratado de Assunção. Uma das regras mais importantes, lembrou, condiciona a entrada de um sócio pleno à aprovação de todos os membros plenos já existentes. Depois dessa violação, advertiu Astori, poderá acontecer qualquer coisa no âmbito do Mercosul, até as instituições se enfraquecerem a ponto de se tornarem inúteis.
Segundo Almagro, o governo uruguaio era contrário à ideia de aproveitar a suspensão do Paraguai para aprovar a entrada da Venezuela. O presidente José Mujica era favorável à admissão do quinto sócio, mas considerou imprópria a ocasião, acrescentou o ministro. De acordo com ele, a presidente Dilma Rousseff pediu licença aos chanceleres para, em particular, "falar politicamente" com os colegas Cristina Kirchner e José Mujica.
O presidente uruguaio, disse Almagro, contestou a proposta, mas acabou renunciando ao direito de veto. No momento do anúncio formal, teria apenas manifestado sua insatisfação, trocando de lugar com o embaixador uruguaio e sentando-se na segunda fileira.
Tecnicamente, portanto, Mujica aprovou a ação proposta pelas presidentes Dilma Rousseff e Cristina Kirchner (esta, como presidente pro tempore do Mercosul, havia vetado a presença, na reunião de Mendoza, do novo governante paraguaio).
Os governos do Brasil e da Argentina contestam as declarações do chanceler e do vice-presidente do Uruguai e realçam a unanimidade da decisão. Segundo o chanceler argentino, Héctor Timerman, e o assessor do governo brasileiro para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, os presidentes ouviram a opinião de seus conselheiros jurídicos sobre a legalidade do ingresso da Venezuela.
Há bons argumentos, no entanto, para contestar essa decisão e denunciá-la como violação das normas do Mercosul, como afirmam os dois representantes do governo uruguaio. Ainda é possível a reconsideração e os governos deveriam aproveitar a oportunidade. Além de tudo, o Mercosul precisa, antes da admissão de novos sócios, de uma séria correção de rumo e de um retorno aos objetivos iniciais, há muito abandonados.
Sem isso, a permanência no bloco será apenas um entrave a qualquer governo interessado em acordos relevantes e oportunidades para inclusão na economia global. O próprio governo uruguaio já celebrou um acordo limitado de comércio e um de proteção de investimentos com os Estados Unidos, em 2007, e pode ter, assim como o Paraguai, interesse em iniciativas mais ambiciosas.
O Mercosul de hoje só atende às fantasias dos governantes do Brasil e da Argentina.
Entrevista:O Estado inteligente
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