Entrevista:O Estado inteligente
Lula na fila - RICARDO NOBLAT
O GLOBO - 09/07
“Chávez, conte comigo e com o PT. Sua vitória será nossa vitória.” (Lula, para Hugo Chávez, presidente da Venezuela)
Parte da torcida por Dilma Rousseff é sincera. Está, de fato, interessada no seu sucesso. Gosta dela ou aprendeu a gostar. E considera que o país vai muito bem. Outra parte da torcida por Dilma é... Como direi? Oportunista. É isso. Espera que o sucesso de Dilma acabe com as chances de Lula de ser candidato a presidente daqui a dois anos.
Aconselho a parte da torcida de ocasião a retirar de vez o equino do meio do aguaceiro. Dilma só terá uma chance de ser candidata à reeleição: se Lula escolher ficar em casa ouvindo dona Marisa falar sobre a vivacidade dos netos. Outro dia, ele disse que só será candidato se Dilma não quiser ser. Lorota. Mais uma.
É o contrário. Dilma só será candidata se Lula não quiser ser. Ou se a saúde não permitir que seja. Entre Brasília e São Paulo, no seu primeiro voo como ex-presidente da República, Lula chorou como um recém-nascido a quem a mãe sonega o peito. Comoveu quem o viu chorar. O senador José Sarney (PMDB-AP) foi um deles.
O choro tinha muito a ver com o balanço feito por Lula de sua admirável trajetória de vida — do menino pobre que fugiu da seca do Nordeste ao líder operário que paralisou mais de uma vez a região do ABC paulista; do fundador de um bem-sucedido partido político ao presidente mais popular da História do país.
Se não bastasse, antes dele, somente um presidente elegera o seu sucessor: o general Ernesto Geisel, penúltimo mandatário da ditadura de 64 e padrinho do general João Batista de Oliveira Figueiredo, o que preferia cheiro de cavalo a cheiro de povo, como disse um dia. Lula elegeu Dilma, que jamais disputara uma eleição.
Um pouco do choro aéreo de Lula tinha a ver com outra coisa: ali, a bordo do jato presidencial, estava um político que desejara ardentemente ter continuado a governar o país para além dos oito anos de dois mandatos. Lula até havia sondado aliados sobre a ideia de mudar a Constituição para tentar se reeleger pela terceira vez. Em vão.
Fora dona Marisa, a quem a ideia não desagradava, governadores e cabeças maduras do PT se opuseram ao terceiro mandato consecutivo como uma aventura perigosa que custaria muito caro. Lula poderia vendê-la a um Congresso subserviente e repleto de picaretas. Haveria, porém, o risco de a ideia empacar no Supremo Tribunal Federal.
Erra quem imagina que Lula conversou com Dilma sobre seu desejo de voltar a governar o país a partir de 2014. Nem conversou nem precisaria ter conversado. A lealdade, a absoluta lealdade é uma das virtudes de Dilma, destacada por todos que a conhecem de perto. Dilma costuma falar em “projeto”.
Ela se sente parte de um projeto inaugurado com a primeira eleição de Lula e que não tem data para terminar. O objetivo do projeto é desenvolver o Brasil, com ênfase na eliminação da fome e da pobreza. A peça vital para que o projeto dê certo é Lula. O que temos há pouco mais de um ano é um governo de coabitação — Dilma e Lula.
Um mandato está de bom tamanho para ela, que não tem vocação para lidar com políticos malandros à caça de vantagens fáceis. Lula tem vocação de sobra porque é tão ou mais malandro do que eles. O tome-lá-me-dê-o-meu corre nas veias flácidas do ex- sindicalista habituado a prometer, entregando se necessário, e a blefar sem cerimônia.
Dilma não é malandra. Não saberia ser. E nem desejaria ser. Nas veias duras da ex-guerrilheira que suportou muita pancada, corre o me-dê-cá pelo que acho ser o melhor para o Brasil. É por isso que os políticos acendem velas. Pedem que o tempo passe rapidamente, livrando-os da eventual ocupante da cadeira presidencial na ausência de Lula.
Não seria melhor para a imagem de Lula que ele renunciasse à vontade de concorrer a um terceiro mandato e, caso o obtenha, a um quarto? O vento econômico agora sopra contra. Lula III enfrentará a memória de Lula I e de Lula II. Na política, a fila anda. E, a voltar, Lula atrapalhará a fila.
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