O GLOBO - 15/07
O Brasil percorreu um longo caminho com o etanol. Nele, todos pagaram um preço enorme. Os cortadores de cana foram tratados como quase escravos, contraíram doenças. Hoje, ainda dão muito duro, mas já há modernização na relação de trabalho. O Tesouro gastou uma fábula subsidiando a indústria em suas várias etapas. O governo prepara agora um novo pacote para salvar o setor. Seria bom se corrigisse os erros recentes.
Na coluna de ontem, contei sobre Rosa, a cortadora de cana de Barra Bonita, funcionária com carteira assinada da Raízen. Ela é transportada de forma decente, tem casa própria e sonha ter um carro vermelho. Mas Rosa ainda ganha por volume de cana e seu contrato é temporário. Falei também de Ustulin, empresário, fornecedor de cana para a Raízen e líder dos fornecedores.
Entre 30% e 40% das usinas usam cana-de-açúcar dos que se especializaram nessa parte da cadeia produtiva, os fornecedores. Um dos problemas é que os canaviais estão velhos e precisam ser renovados, mas é difícil fazer um investimento tão pesado sem saber qual é o futuro do setor.
O pacote do governo, dificilmente, terá a visão estratégica que é requerida por todos. O governo está prisioneiro da armadilha que ele mesmo criou ao adiar por vários anos a elevação do preço da gasolina. Com isso, criou uma política de perde-perde. O setor do etanol se desorganiza e não investe; a Petrobras tem que aumentar a importação da gasolina, pagando mais pelo litro do combustível do que pode cobrar das distribuidoras.
Na quinta-feira, a empresa anunciou que aumentou o preço do diesel e que vai transferir o reajuste para o consumidor. Detalhe: diesel é o combustível do transporte coletivo e do de carga. Gasolina é do automóvel particular. Mas só o diesel vai aumentar. Isso depois de o governo ter reduzido a zero a Cide da gasolina e do diesel, que emitem gases de efeito estufa, abrindo mão de R$ 450 milhões por mês de receita.
Antonio de Padua Rodrigues, diretor e presidente interino da Unica, União da Indústria de Cana-de-Açúcar, disse que uma das razões da perda de competitividade do setor é a política do governo em relação aos combustíveis. Houve também uma crise de endividamento no setor. Ele estava começando um ciclo de investimento, quando veio a crise de 2008 e encareceu o crédito externo.
O setor perdeu 5% da sua capacidade instalada nos últimos anos, ou 32 milhões de toneladas de cana. Padua contou que de 2007 para cá só na região Centro-Sul 46 empresas paralisaram o processo de moagem da cana, sendo 30 em 2011 e 2012. A maior parte não voltará a produzir. Há 37 empresas que entraram em processo de recuperação judicial - algumas continuam produzindo cana - ou decretaram falência.
Hoje, o setor vive uma situação estranha, porque está minguando e não consegue sequer atender à demanda, tanto que a Petrobras teve que importar etanol dos Estados Unidos. Além de criar perspectiva de demanda, resolvendo as distorções no mercado de combustível, o governo terá que fornecer muito crédito para um setor que já anda descapitalizado.
Quando se pergunta quanto o setor necessita de investimentos, Padua fala numa quantia gigantesca: R$ 156 bilhões até 2020. E calcula: levando-se em conta uma expansão de 300 milhões de toneladas, seriam US$ 37,8 bilhões, aproximadamente R$ 76 bilhões, "para atender 50% da matriz de combustíveis, se definirmos que será metade etanol, metade gasolina".
- Estamos falando em algo próximo de R$ 1 bilhão em uma usina de 3 milhões de toneladas. Se falamos em mais de 100 unidades produtoras, são mais de R$ 100 bilhões em investimento só em novos projetos - diz.
Sobre o aumento de 20% para 25% da mistura do álcool à gasolina, ele disse que, neste caso, não se está discutindo o álcool como combustível, mas como aditivo. Lembra, no entanto, que para o meio ambiente é bom.
Adriano Pires, especialista em energia, afirma que a proposta de aumento do percentual, retornando aos 25%, não está sendo feita para ajudar o setor do etanol, mas a Petrobras. Com o aumento, a estatal deixará de importar 156 milhões de litros de gasolina A por mês, em média. Deixará de gastar US$ 124 milhões por mês com importação de gasolina.
- O governo só pensa no caixa da Petrobras, não no etanol. Aumentou somente o diesel na bomba e perdeu a oportunidade de reajustar a gasolina - diz.
No mercado, comenta-se que não é apenas uma questão de reduzir o custo da Petrobras que, com uma mistura maior, terá que importar menos gasolina. O outro problema é que a capacidade logística da empresa de importar gasolina já está se esgotando. Em 2010, foram importados, em média, 9 mil barris de gasolina por dia. Em 2011, 17 mil (45 mil no segundo semestre) e, em 2012, até agora, 80 mil barris. Há um limite físico para descarregar gasolina, armazenar e transportar. Está batendo no teto.
O setor do álcool combustível nasceu na procura de alternativa ao petróleo, durante as crises dos anos 1970. Nos erros do setor e do governo, muitas empresas quebraram, a indústria quase desapareceu, o contribuinte viu seu dinheiro sendo usado para resgatar usinas. Muitas empresas quebraram e os empresários permaneceram ricos. Agora, o setor renasceu por motivos ambientais. E é ameaçado pelas trapalhadas em que o governo se meteu nas contradições de sua política de combustíveis.