Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, julho 11, 2012

Ainda temos a sensação de afundar Martin Wolf

Valor Econômico - 11/07/2012
 

Faz quase cinco anos que a crise financeira abateu um mundo desavisado - agosto de 2007. Como estão hoje os países de alta renda atingidos pela crise? Mal.
Das seis maiores economias de alta renda (mais a zona do euro), somente EUA e Alemanha estão acima de picos anteriores. Desde que os EUA foram o epicentro dos choques iniciais, sua recuperação foi relativamente boa. Mas nenhum desses países pode estar feliz com seu desempenho. Enquanto nos EUA o Produto Interno Bruto (PIB) tem se mostrado maior do que o desses outros países, a taxa de desemprego mais que dobrou, de 4,7% em julho de 2007 para 10% em outubro de 2009. Mas os EUA ainda tiveram um desempenho melhor do que a zona euro, cuja economia está estagnada e cuja mais recente taxa de desemprego é de 11,1%, contra 8,2% nos EUA.
As economias estão estagnadas, ao mesmo tempo em que as políticas de juros estão agressivas. A maior taxa de juros de curto prazo oferecida por quaisquer dos bancos centrais das grandes economias de alta renda é 0,75%, praticada pelo Banco Central Europeu (BCE). Em relação ao PIB, os balanços patrimoniais dos bancos centrais também dobraram nos grandes países de alta renda desde 2007. Japão, EUA e Reino Unido continuam a incorrer em déficits fiscais muito grandes para tempos de paz. mas, apesar de enormes déficits fiscais, as taxas de juro de longo prazo remuneradas por títulos dos governos japonês, americano e britânico estão muito baixas, 0,8%, 1,5% e 1,6%, respectivamente.
As pessoas que estão dando forma à política econômica estão mais preocupadas com o risco moral que com o pânico. Isso torna possível uma onda de crises soberanas e bancárias, culminando em controles de câmbio e desintegração da zona euro.
David Levy, do Jerome Levy Forecasting Center, rotula de "depressão contida" essa conjuntura de estagnação econômica com enormes estímulos de política monetária. A explicação é clara: importantes economias estão em dificuldades em face de sua excessiva alavancagem, particularmente em seus setores familiar e financeiro. Nos EUA, por exemplo, a dívida total do setor privado cresceu de 112% do PIB em 1976 para um pico de 296% em 2008. Essa proporção tinha recuado para 250% até o fim do primeiro trimestre de 2012, posição em que esteve em 2003. Em 2007, o endividamento bruto privado dos EUA foi de 29% do PIB. Em 2009, 2010 e 2011, porém, o percentual foi negativo.
Acima de tudo, os setores privados estão incorrendo em grandes excedentes de renda sobre gastos. Nos EUA, o balanço financeiro do setor privado passou de um déficit de 2,4% do PIB no terceiro trimestre de 2007 para um superávit de 8,2% no segundo trimestre de 2009. Essa enorme inflexão teria certamente causado uma depressão enorme, se o governo não tivesse aceito incorrer em déficits fiscais compensatórios. Dessa forma é que a depressão foi contida.
O FMI prevê que os setores privados em todos os grandes países de alta renda ficarão em equilíbrio ou registrarão superávits neste ano. Isso implica que esses países devem estar incorrendo em grandes superávits em conta corrente ou em grandes déficits fiscais. A Alemanha está no primeiro caso. Os outros estão incorrendo em déficits fiscais. Dada a improbabilidade de que esses países grandes possam, coletivamente, registrar grandes superávits em conta corrente (em relação a quem poderiam fazê-lo?), eles têm de incorrer em déficits fiscais quando seus setores privados registram superávits enormes. Esses superávits, por sua vez, são explicados em parte pelo desejo de desalavancar, em parte por inapetência para tomar empréstimos e em parte pelo fato de o setor financeiro não poder ou não querer conceder empréstimos. Assim, tudo isso é a dolorosa ressaca depois da grande farra de crédito.
Assim, a grande história continua a ser de desalavancagem do setor privado temperada por uma política monetária frouxa e compensada pela alavancagem do balanço patrimonial do governo. A disposição das autoridades para fazer ambas as coisas, a despeito de críticas tolas, nos impediu de viver uma segunda grande depressão e continua a fazê-lo. Parece fantástica a ideia de que esses grandes déficits fiscais estão "expulsando" os gastos privados, quando as taxas de juros estão tão baixas em países abençoados por não estarem na zona do euro.
No entanto, alguns observadores institucionais estão inquietos diante dessas políticas. Em seu último relatório anual, o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) aparentemente defende apertos monetário e fiscal nos países de alta renda. No entanto, o BIS não apresenta nenhuma análise compreensível sobre as consequências. O BIS observa, por exemplo, que "multiplicadores fiscais em uma "recessão de balanço patrimonial (governamental)" pode ser menor do que em recessões normais. Em particular, numa "recessão de balanço patrimonial (governamental), agentes excessivamente endividados - atualmente, as famílias estão normalmente mais propensas a alocar uma maior fração de cada unidade adicional de renda à redução de seu endividamento, em vez de ampliar seus gastos com bens opcionais". Isso é efetivamente possível. A conclusão é que os déficits fiscais, facilmente financiados em países importantes, precisam ser ainda maiores, porque devem tanto facilitar a desalavancagem como sustentar a demanda. A outra maneira plausível de acelerar a desalavancagem é falências em massa, também denominada depressão. É isso o que deseja o BIS?
Sabemos que as grandes crises financeiras projetam longas sombras, especialmente em países cuja taxa estrutural de crescimento é modesta, o que torna a desalavancagem lenta. A política governamental deve tanto sustentar a demanda como facilitar a desalavancagem. Isso significa agressivas políticas monetárias e fiscais, articuladas com intervenções destinadas a recapitalizar bancos e acelerar a reestruturação da dívida privada. O governo Obama tentou tudo isso. Mas não foi suficientemente ambicioso. Também foi frustrado pela intransigência dos republicanos. No entanto, desde que os EUA evitem mergulhar em seu "abismo fiscal" no fim deste ano, deverá ocorrer uma moderada recuperação puxada pelo setor privado. Depois que isso estiver firmemente implementado, poderá ter início uma séria consolidação fiscal.
Infelizmente, os EUA não são a única das grandes economias em dificuldades. A crise também causou uma profunda fratura na zona do euro, a segunda maior economia no mundo. A impossibilidade de a eurozona articular uma resposta é garantia de turbulência. As pessoas que estão dando forma à política econômica estão mais preocupadas com o risco moral que com o pânico. Isso tudo torna muitíssimo possível uma onda de crises soberanas e bancárias, culminando em controles de câmbio e desintegração da zona euro.
Um número excessivo de abordagens e recomendações de política econômica não reconhece os desafios pós-crise nem elabora respostas eficazes. A essência da solução está em acelerar a desalavancagem, ao mesmo tempo em que se estimula a recuperação. Por esse critério, as políticas hoje executadas estão, infelizmente, muito longe de serem suficientemente boas. (Tradução de Sergio Blum).
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.

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