Há uns dois meses, quis descobrir o total de funcionários do setor da
educação no Brasil. O número de professores é bem conhecido dos
pesquisadores. pois está na casa dos 2 milhões há alguns anos, mas não
sabia quantos seriam os funcionários do setor que não suo docemos.
Tenho um verdadeiro arsenal de dados estatísticos sobre a educação
brasileira e internacional. Procurei em todos, inclusive em algumas
sinopses estatísticas da educação básica, que são arquivos com mais de
200 planilhas, que informam até quantas turmas do ensino fundamental
com menos de 4 horas/aula por dia há no Acre. Mas o número de
funcionários não aparece em nem um único documento. Não está
disponível para consulta em lugar algum. Fiz então uma consulta direta
ao Inep. órgão do MEC responsável por avaliações e estatísticas. A
resposta solícita veio no mesmo dia: incluindo professores, são mais
de 5 milhões de funcionários na área da educação no Brasil, pouco mais
de 4 milhões deles na rede pública.
Fiquei embasbacado com esse dado. Não apenas pelo gigantismo do número
total - seus 5 milhões de membros fazem com que essa seja a quarta
maior categoria profissional do Brasil, atrás apenas dos agricultores,
vendedores e domésticas -, mas especialmente pelo fato de termos 3
milhões de funcionários longe da sala de aula, um número 50% maior do
que o de professores.
Imaginei que essa relação entre funcionários e professores seria menor
em países com sistemas de educação mais eficientes. Dito e feito. até
em um nível maior do que eu imaginara.
Segundo os dados mais recentes do Education at a glande. levantamento
feito pela OCDE (disponível em twitter.com/ gioschpe), a relação entre
funcionários e professores em seus países-membros é de 0.43.
No Brasil, falando apenas do setor público, essa relação é de 1.48. Ou
seja, enquanto lá há um funcionário para cada dois professores, aqui a
relação é quase três vezes e meia maior. Isso significa que. se o
Brasil tivesse a mesma relação professor/funcionário dos países
desenvolvidos, haveria 706000 funcionários públicos no setor, em vez
dos 2,4 milhões que temos. Como é difícil imaginar que precisemos de
mais funcionários que as bem sucedidas escolas dos países
desenvolvidos, isso faz com que tenhamos 1.7 milhão de pessoas
excedentes no sistema educacional, recebendo todo mês salários que vêm
do nosso bolso. Se presumirmos que os funcionários recebem o mesmo
salário médio que os professores
(infelizmente não há dados oficiais a respeito do país todo, mas a
conversa com alguns secretários da Educação me sugere que essa é uma
hipótese válida), isso significa um desperdício de inacreditáveis 46
bilhões de reais, ou 1.3% do PIB, todo ano, o que certamente é mais do
que todos os escândalos de corrupção da última década somados. E
simples chegar a esse número: basta saber quanto o Brasil investe em
educação por ano e que porcentagem disso é investida em folha
salarial. Ambos os dados estão disponíveis no Education at a glande, e
o cálculo completo está disponível no meu Twitter.
A importância desse dado, porém, vai muito além da simples montanha de
recursos que são desperdiçados. Ele ajuda a explicar algo ainda mais
importante para o futuro do Brasil: a razão pela qual nossa educação
vai tão mal.
O primeiro fator impactado por essa gastança é o salário do professor.
Esse dado explica como o Brasil pode, ao mesmo tempo, investir tanto
em educação e ter professores tão insatisfeitos com o seu rendimento.
(A propósito, cruzando os dados da OCDE com o PIB brasileiro, o
salário médio mensal do professor na rede pública é de 2262 reais.
Cuidado com os discursos do pessoal que fala do "salário de fome".) Se
se demitissem os funcionários excedentes e o salário deles fosse
transferido aos professores, a remuneração destes aumentaria 73%, para
3906 reais mensais.
O segundo impacto 6 o poder político desse grupo. Se já seria difícil
a algum político ir contra a vontade dos 2 milhões de professores, o
que dizer então de um grupo que, na verdade, tem 5 milhões de membros,
a grande maioria sindicalizada e politizada? Não é de espantar que os
políticos dispostos a encarar a briga com a categoria tenham sido
invariavelmente derrotados. Não é de espantar, também, que a categoria
consiga fazer greves tão volumosas e barulhentas.
A terceira realidade claramente descortinada por esses dados 6 a
utilização política do setor de educação. Não é possível chegar a esse
nível sem que haja um esforço deliberado de contratações
desnecessárias. Contratações que só ocorrem porque os profissionais da
educação são frequentemente utilizados como instrumemo político de
seus padrinhos. Muitos viram simples massa de manobra e fonte de
votos, outros - especialmente nos cargos de direção e supervisão
regional -- acabam se tornando verdadeiros cabos eleitorais de
lideranças regionais.
A quarta conclusão 6 ainda mais séria. Ela diz respeito à relação em
gastos com educação e a qualidade do ensino ministrado. A maioria dos
estudos sobre o tema demonstra não haver relação significativa entre o
volume de recursos gastos em educação e a qualidade do ensino.
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Se o Brasil tivesse a mesma relação professor/funcionário dos países
desenvolvidos, haveria 706000 funcionários públicos na educação - e
não os 2,4 milhões que efetivamente temos, um óbvio excedente no
sistema
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No Brasil, onde a maior parte do gasto é canalizada para aumentar o
número de profissionais na rede e dar melhor remuneração àqueles que
já estão nela, não 6 de surpreender que o constante aumento de gastos
no setor nos últimos dez anos tenha sido acompanhado de estagnação. Os
resultados do Sistema de
Avaliação da Educação Básica (Saeb) foram piores em 2007, último ano
disponível, do que em 1997. Se já é difícil promover melhorias nos
países em que o recurso é bem aplicado. imagine no Brasil, onde o
dinheiro financia um gigantesco cabide de empregos. O mais
desalentador é que, em meio a tão contundentes evidencias de que o
aumento dos investimentos não tem trazido resultados na melhoria do
aprendizado dos alunos, testemunhamos a todo momento a paidtica
pregação para aumentar o valor investido em educação dos atuais 5% do
PIB para 7% (o que já seria um fenomenal aumento de 40%. ou 73 bilhões
de reais por ano, em valores de 2010). Não ocorre a ninguém que custa
pouco o que realmente melhora o ensino: reformular os cursos
universitários de formação de professores, profissionalizar a gestão
das escolas, adotar um currículo nacional, permitir a criação de novas
modalidades no ensino médio, melhorar o material didático e cobrar a
utilização de práticas de sala de aula comprovadamente eficazes. É
preciso disposição para encarar as tarefas que exigem trabalho e
coragem para enfrentar as resistências corporativas. Mas sobre isso os
bravos gastadores de plantão não querem nem ouvir falar. Não dá voto.
Não sei exatamente como se sentiram os passageiros do Titanic que
ouviam a orquestra a tocar enquanto o navio fazia água, mas suspeito
que a minha estupefação e desalento sejam parecidos com o sentimento
deles. Com a agravante de que, cada vez que compro algo ou pago
impostos, estou financiando o iceberg.