REVISTA VEJA
Ando carente de confiança. Andamos, eu acho. Em quem acreditar, em quem confiar, em quem apostar, a quem eleger. por exemplo? Não sei se em outros tempos a gente confiava mais nas pessoas e nas instituições, e detesto saudosismo, mas penso que sim. Porque éramos simplórios? Pode ser. Hoje talvez sejamos mais espertos, criancinhas conhecem mundos, belezas e maldades que a gente só conhecia depois de casado... E olhe lá.
As instituições pareciam sólidas, Judiciário, polícia e política. Lembro-me do chanceler Oswaldo Aranha, que raro jovem hoje saberá quem foi, mas que teve papel importantíssimo no Brasil e no mundo ocidental, amigo de juventude de meu pai, me pegando no colo, em nossa casa, e profetizando, para meu azar: "Você tem olhos lindos, mas precisa se cuidar ou vai ser gordinha". Lembro o aroma de seu charuto, as cores de sua gravata, a voz profunda, o riso bom, e sua naturalidade em nossa casa que estava longe de ser uma mansão.
"Não dá para arrumar tudo. Mas tem de melhorar, para que a gente durma e acorde ao menos com a sensação de que em algumas pessoas e instituições ainda se pode confiar!"
Quando a professora ou professor entrava em sala de aula, a gente se levantava - isso até o fim do 2° grau -, e não faz um século ainda. Hoje batem nas professoras, jogam objetos, falam alto com o colega ou ao celular, se possível, ameaçam ou ridicularizam. Nem todos nem em toda parte, essa ressalva se faça sempre nos meus textos. Mas são coisas que há alguns anos nem passavam pelas nossas fantasias de adolescentes, naturalmente - e necessariamente irreverentes, numa irreverência que hoje deve parecer patetice. A gente era amigo dos filhos do juiz da cidadezinha, e achava o máximo. O pastor de nossa comunidade luterana era recebido em casa com respeito, mesmo que não fôssemos praticantes de religião alguma. Para meu pai, Deus estava em toda parte, na natureza, no outro, em nós mesmos, fator essencial da nossa dignidade, e do sagrado de tudo.
Nossos ídolos eram incrivelmente inocentes em relação a muitos ídolos atuais da meninada. Não acho que a gente curtiria muito alguém supertatuado e furado, e tão drogado que mal consegue se manter em pé, e que requebra para não" cambalear (nem todos, nem sempre). Nossos astros de cinema pareceriam babacas agora, quando, no impulso incoercível de abrir pernas e mostrar tripas (calcinha não têm), a gente troca o público e o privado, e gente famosa, as celebridades, precisa se esconder aterrorizada com a loucura de fãs e paparazzi. Nem no Judiciário a gente confia cegamente, pois a corrupção parece minar tudo no país (fora nem quero saber, bastam-me as mazelas aqui dentro). Andaram sendo demitidos uns poucos ministros, depois de denúncias ainda nem comprovadas, mas tudo parou por aí. Dizem à boca pequena que, se fosse levado a sério e a fundo esse processo todo, restariam pouquíssimos, era caso de botar placas de que o Brasil fora fechado para reformas.
Pais e mães (nem todos, nem sempre) mais parecem adolescentes audazes, ou executivos - ou operários, ou professores, ou médicos, ou seja o que for - exaustos, lutando para manter
o essencial na casa, pagar o colégio razoável, ou atender ao deus-consumo, não creio que tenham muito tempo para dar aos filhos carinho, atenção, alegria, autoridade, sem a qual tudo desanda. Fico imaginando quem dará, não só a jovenzinhos e adultos, mas a todos, algum conforto, apoio, exemplo, rumo e prumo: em quem, por exemplo, votar nas próximas eleições, se tantos mudam de partido, se ainda se criam partidos, e se confundem as ideologias - ou elas nem existem mais (ou entendi mal, eu seria apenas uma distraída ficcionista?).
Acho que tudo vai ficando chato e cansativo: esperança de um lado, desgosto de outro, bom modelo aqui, corrupto mandando ali. Não dá para arrumar tudo. Nem rei, nem papa, nem o maior guerreiro do mundo antigo ou do atual mundo virtual, nem o mais hábil dos bruxos divertidos ou sinistros, mudaria a face do país com um golpe de espada ou caneta. Mas que tem de melhorar, ah, isso tem, para que a gente durma e acorde ao menos com a sensação de que, sim, em algumas pessoas, algumas instituições e algumas coisas ainda se pode confiar.