O Globo
Em meio à profusão de análises e retrospectivas ensejadas pela morte de Steve Jobs, vale a pena refletir sobre a problemática relação que o Brasil ainda mantém com o mundo que Jobs ajudou a criar.
A trajetória de Steve Jobs confunde-se com a fascinante história da Apple, criada por ele aos 21 anos, com o amigo Stephen Wozniak, e transformada numa das duas empresas mais valiosas do mundo. Em contraste com a outra empresa, a Exxon, o que a Apple vende simplesmente não existia há 35 anos, quando Jobs a fundou. O grosso do seu faturamento - e do seu lucro - provém de produtos e serviços concebidos no século 21.
O sucesso inicial da empresa deveu-se ao lançamento precoce, em 1977, de um computador pessoal com preço acessível, concebido para o mercado de massa: o legendário Apple II. Em 1983, a empresa já fazia parte da lista das 500 maiores da revista "Fortune". Dois anos depois, contudo, Jobs se desentendeu com John Sculley, que ele mesmo havia convidado para presidir a Apple, e teve de se afastar da empresa. Seu retorno, a partir do final de 1996, marcaria uma espetacular volta por cima. "Os lunáticos tomaram conta do hospício e poderemos fazer o que bem entendermos": é o que teria dito aos funcionários, ao reassumir a direção.
O que se seguiu é bem conhecido: lançamento do iMac em 1998, do iPod em 2001, do iTunes em 2003, do iPhone em 2007 e do iPad em 2010. O faturamento da Apple saltou de US$7 bilhões em 1997 para US$65 bilhões no ano passado. E seus produtos e serviços vêm tendo enorme impacto no desenvolvimento de setores tão diversos como computação, telecomunicações, comercialização de músicas, filmes e livros, editoração e imprensa.
No Brasil, contudo, o governo se comporta como se estivesse empenhado em cercear os benefícios que o país poderia extrair dessa notável onda de inovação. Basta ter em conta a forma tacanha com que continuam a ser tratadas as importações de dois produtos emblemáticos dessa onda inovadora: os chamados tablets, como o iPad, da Apple, e os leitores de livros digitais, como o Kindle, da Amazon. Após a incidência de seis tributos, tais produtos chegam às mãos do consumidor brasileiro pelo dobro do preço de varejo nos EUA. Não há racionalização possível para taxação tão despropositada.
Há poucos meses, parecia que o governo havia percebido o problema. Ledo engano. A visão do governo sobre a questão continua turvada pela ideia de reserva de mercado e pelo furor da substituição de importações, como bem mostra a nova lei de desoneração dos tablets sancionada esta semana pela presidente Dilma Rousseff. O que foi desonerado é a produção de dispositivos deste tipo no Brasil. A carga tributária sobre tablets produzidos no Brasil será reduzida. Mas a que incide sobre os importados continua inalterada. Mesmo com o produto importado chegando ao usuário brasileiro ao dobro do preço de varejo nos EUA, a produção de tablets no Brasil era inviável. Com a desoneração, o governo espera que tablets produzidos no país possam ser vendidos a preços minimamente competitivos com o dos importados. Ou seja, a preços inferiores ao dobro do preço do varejo nos EUA!
O pior é que, ainda assim, não vai ser fácil. Os preços dos tablets e dos leitores de livros digitais estão despencando. A Amazon acaba de lançar um tablet de menos de US$200 e um novo Kindle de menos de US$80. Mesmo que, no Brasil, tais preços sejam dobrados, vai ser difícil produzir "similares nacionais" competitivos.
O que é espantoso é que o governo não consiga perceber os gigantescos benefícios que poderiam advir da difusão de produtos tão inovadores, a baixo custo, entre milhões de usuários. Sua única preocupação é conseguir que tais dispositivos venham a ser "fabricados" no Brasil. Quando e a que custo, pouco importa. É como se, no início do século 20, alguém defendesse que o essencial era assegurar a produção de lâmpadas no país, qualquer que fosse o custo, e não a difusão do uso da luz elétrica. É o Brasil de costas para o século 21.
ROGÉRIO FURQUIM WERNECK é professor de Economia da PUC-Rio.
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Em pleno século XXI, o Brasil resiste ao mundo de Steve Jobs
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