Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, abril 11, 2011

AUGUSTO NUNES-

Na Região Serrana, cem dias parecem mil

Em 27 de janeiro, a presidente em começo de mandato voltou de uma ligeiríssima incursão à Região Serrana do Rio pronta para mostrar, na entrevista coletiva concedida ao lado do governador Sérgio Cabral, como seria o Brasil Maravilha com uma Dilma Rousseff no poder. Já que mulher é mais sensível que qualquer homem, caprichou na cara de luto em homenagem aos mais de mil mortos. Já que uma gerente-geral do governo Lula é de matar de inveja qualquer superexecutivo de multinacional, foi logo tirando da bolsa o kit de primeiros socorros que concebera em homenagem à multidão de flagelados.

O milagre mais vistoso tinha o selo de qualidade do programa Minha Casa, Minha Vida. “Vamos construir 6 mil unidades para as famílias desabrigadas”, avisou. O sorriso abobalhado de Sérgio Cabral informou que o parceiro de entrevista dividia o microfone com uma gestora incomparável. A foto da dupla merecia ilustrar todos os balanços dos 100 primeiros dias de Dilma publicados pelos jornais neste domingo. Com a seguinte legenda: “O governador do Rio contempla as casas que ninguém mais viu”.

Nenhuma começou a ser construída, confirma o vídeo que registra um trecho do Programa do Faustão deste dia 10. Nenhuma família conseguiu sair dos abrigos improvisados. Mas nem se passaram três meses, vão certamente balbuciar os vigaristas, os devotos da seita e os iludidos vocacionais. Mirem-se no exemplo de países sérios, devem retrucar os brasileiros sensatos. Mirem-se, sobretudo, no exemplo recentíssimo do Japão, castigado em 14 de março por um terremoto seguido de um tsunami. Sem conversa fiada, o governo encomendou 4 mil casas pré-fabricadas. As primeiras 39 foram entregues em 9 de abril — menos de um mês depois da catástrofe.

Quando todos os japoneses surpreendidos pela tragédia estiverem sob um novo teto, milhares de sobreviventes da tragédia na Região Serrana ainda estarão aglomerados em abrigos provisórios. Os institutos de pesquisa deveriam averiguar o que acham do país e do governo. Podem acabar lucrando com a descoberta de que, ao contrário do que imaginam os eternos pessimistas, muitos flagelados estão confiantes no futuro no país, qualificam de “bom” (ou “ótimo”) o desempenho de Dilma e se sentem mais felizes nos acampamentos. Desde que sejam garantidas duas refeições a cada 24 horas, cem dias não parecem mil. Parecem cem minutos.

No Ano 9 da Era da Mediocridade, os ibopes e sensus repetem a cada pesquisa que milhões de brasileiros, sobretudo os alojados no miserável universo do Bolsa Família, aprenderam a renunciar ao sonho, a render-se sem lamentos ao assassinato da esperança e a contentar-se com o adiamento da morte. É suficiente a vida envilecida, sem horizontes, embrutecida. Uma vida não vivida.

“Não fale uma sandice dessas”, irritou-se o ex-presidente Lula com Denise Chrispin Marin, correspondente do Estadão em Washington. “Conheço as pessoas e sei como me referi a elas”, continuou, decidido a ampliar a coleção de momentos inverossímeis registrados na entrevista coletiva desta quarta-feira. Ao saber que o palestrante aprendiz está pronto para pacificar a Líbia – é só Dilma Rousseff chamar –, a jornalista lembrou que em dezembro de 2003, num jantar em Tripoli, Lula qualificou Muammar Kadafi de “companheiro e amigo”. E então o ator canastrão incorporou o ofendido de araque para garantir que não disse o que disse.

Não parou por aí. “Jamais falaria isso por uma razão muito simples: porque eu tenho discordância política e ideológica com Kadafi”, recitou sem ficar ruborizado. Ou porque é muito gentil ou porque a perplexidade a emudeceu, Denise desperdiçou uma boa chance de emparedar o embusteiro. Deveria ter registrado que os afagos verbais em Tripoli foram confirmados pelo nicaraguense Daniel Ortega e pelo argelino Mohamed Ben Bella, presentes ao jantar. Foram também testemunhados pelo tradutor sem o qual Lula não sabe o que se passa ao redor.

Melhor ainda seria recordar ao amnésico seletivo que as carícias retóricas murmuradas em Tripoli foram reprisadas há um ano e meio em Sirte, na 13ª Reunião de Cúpula da União Africana. E desmontar a farsa com a leitura em voz alta da reportagem do enviado especial Andrei Netto, publicada pelo Estadão em 2 de julho de 2009. Um dos trechos reproduz a derramada saudação a Kadafi feita por Lula: “Meu amigo, meu irmão e líder”, discursou o convidado de honra, mirando com olhar de noiva o psicopata anfitrião.

O restante do palavrório deixou claro que aquilo não fora um escorregão de palanqueiro sem compromisso com a verdade. Lula estava lá para reafirmar a solidariedade do governo brasileiro a estadistas incompreendidos. Elogiou abjeções mundialmente desprezadas, louvou celebrou a generosidade de assassinos, louvou o fervor democrático de liberticidas, festejou o patriotismo de corruptos de carteirinha e reiterou a admiração pela biografia infame do ditador da Líbia.

Mais de sete anos depois de Tripoli, menos de dois depois de Sirte, o companheiro, amigo, irmão e liderado de Kadafi resolveu proclamar inexistentes o acasalamento promíscuo e as cenas de cumplicidade explícita. É tarde. E é impossível. Espertalhões bem mais sagazes que Lula também tentaram substituir fatos amplamente documentados por mentiras convenientes. Nenhum dos farsantes foi muito longe. Todos acabaram vencidos pela verdade. Todos jazem na vala comum reservada aos falsificadores da História.

O ex-presidente Lula acordou no hotel em Washigton, nesta quarta-feira, disposto a transformar 6 de abril num segundo Dia da Mentira. A procissão de lorotas começou na palestra encomendada pela Microsoft. Já na abertura do falatório, ensinou que a solução de todos os problemas do mundo está na areia. “Poucos têm a criatividade natural do povo brasileiro, possivelmente porque temos muitas praias”, exemplificou. “Quem mora na beira da praia é mais alegre, feliz e criativo”.

Cobrou R$ 200 mil por 90 minutos de pontapés na verdade. Continuou a espancá-la de graça depois do falatório remunerado, ao topar com jornalistas brasileiros interessados em saber o que achava do relatório final da Polícia Federal sobre o escândalo do mensalão. Forçado a renunciar à mudez malandra, que planejava estender até domingo, Lula ergueu cinco monumentos à mentira com as cinco frases seguintes:

1. “Não tem relatório final do mensalão, tem uma peça que dizem que foi o relatório produzido pela Polícia Federal”.

“Dizem” coisa nenhuma. “Produzido” coisa nenhuma. Foi divulgado o relatório final da Polícia Federal, fruto de cinco anos de investigações. Lula sabe disso.

2. “Não se sabe se o ministro Joaquim vai receber ou não, se aquilo vai entrar nos autos do processo”.

O ministro Joaquim Barbosa já informou que não pretende anexar o relatório da PF aos autos do processo que deverá ser julgado no começo de 2012. O documento será incorporado a um segundo processo em curso no Supremo. Lula sabe disso.

3. “Se entrar, todos os advogados de defesa vão pedir prazo para julgar, então vai ser julgado em 2050″.

Esse é o plano concebido pelo ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, comandante do pelotão de bacharéis mobilizado para a absolvição dos mensaleiros. Joaquim Barbosa decidiu manter o relatório fora do processo precisamente para evitar mais uma chicana. Adiar o julgamento para 2050, ou para o século 22, é o sonho do bando delinquentes. Infelizmente para os réus, o relatório da PF não poderá ser utilizado para concretizá-lo. Lula sabe disso.

4. “Então, não sei se vai acontecer”.

Se não soubesse, não teria preenchido todas as vagas abertas no STF com ministros de confiança. Claro que Lula sabe.

5. “Não tive chance de dar uma olhada nem vou olhar, não sou advogado”.

Teve chances e tempo, que sempre sobra para quem não tem trabalho fixo. O que falta a Lula é vontade de ler qualquer coisa. Não é advogado porque nunca teve disposição para estudar, mas vive advogando em favor de bandidos de estimação. Sem profissão definida, apresentou-se em Washington como palestrante. Rima com farsante. Deveria criar coragem e ler o relatório da Polícia Federal. Vai gostar de saber do que escapou.

Com duas medidas provisórias, Dilma Rousseff criou o ministério sem ministro e a estatal que pilota trem fantasma. Há dias, os parlamentares governistas assinaram a certidão de nascimento da Secretaria de Aviação Civil. Só falta escolher o chefe, que terá status de ministro. Nesta terça-feira, a Câmara dos Deputados apressou o parto da Empresa do Trem de Alta Velocidade (ETAV). Falta o trem-bala que Lula prometeu inaugurar em 2010 e não apitará em curva nenhuma antes de 2016. Depois dos Jogos Olímpicos do Rio.

Faltam também empresas interessadas na construção do colosso ferroviário que promete viagens de Primeiro Mundo na rota Campinas-São Paulo-Rio de Janeiro. Mas a gastança já começou: a medida provisória que criou a estatal do nada autoriza a União a garantir um empréstimo de até R$ 20 bilhões ao consórcio vencedor da licitação que deveria ter ocorrido em 16 de dezembro de 2010, foi remarcada para o fim deste mês e será novamente adiada por três meses. Mesmo com a abertura dos cofres do BNDES, será preciso esperar mais três meses. No mínimo.

Como demonstra o texto reproduzido na seção Vale Reprise, faltam ferrovias, vagões, locomotivas, metrôs, falta tudo que ande sobre trilhos, que também não existem. Nada disso parece importante aos passageiros da megalomania, da jequice e da ganância. Os países sensatos concluem a montagem de um sistema de transportes eficaz com a construção do trem-bala. O governo brasileiro resolveu começar pelo último capítulo. É mais que um monumental equívoco administrativo. É mais que um desperdício de pelo menos R$ 33 bilhões. É um ato criminoso tramado pelos parceiros que se consideram condenados à impunidade.

Surpreendido pela divulgação do relatório da Polícia Federal sobre o mensalão, que ampliou o número de integrantes e o acervo das bandalheiras da quadrilha, o ex-presidente Lula perdeu de novo a pose e a voz. Achou melhor guardá-las para duas palestras pagas em dólares e proibidas para jornalistas — uma em Washington, outra em Acapulco — e um encontro (sem remuneração em dinheiro) com banqueiros internacionais na Cidade do México. Nesta terça-feira, depois do acesso de mudez que o livrou da imprensa na véspera, embarcou rumo aos EUA num jatinho cedido pela Coteminas. Mandou avisar que estará de volta no fim de semana.

O ilusionista terá cinco dias para planejar o próximo ato do interminável espetáculo da mentira — e preparar o próximo truque . O estoque vai chegando ao fim. Desde julho de 2005, quando o país foi confrontado com o pai de todos os escândalos, Lula já pediu desculpas por não ter enxergado o mensalão, já se declarou traído sabe-se lá por quem, já procurou transformar roubalheira em caixa 2, já tentou reduzir crimes hediondos a erros corriqueiros, já jurou que o mensalão não existiu – até decidir, há um ano e meio, que tudo não passou de uma invencionice forjada pela oposição para derrubar o governo. E prometeu apurar a trama assim que deixasse a Presidência.

Em 5 de novembro de 2009, numa entrevista ao repórter Kennedy Alencar, caprichou na imitação de detetive de filme classe C para impressionar os espectadores da RedeTV! com a frase enigmática: “Essa história de mensalão é uma das muitas histórias que ainda não estão devidamente esclarecidas e explicadas. Quando estiver fora do governo, eu vou me dedicar a estudar o caso até entender o que realmente aconteceu”.

Se tivesse lido a denúncia do procurador-geral Antonio Fernando Souza, trataria de manter-se distante do tema de altíssima voltagem. Se conhecesse o conteúdo do processo que corre no Supremo Tribunal Federal, não teria embarcado na falácia irresponsável. Se pressentisse a aproximação do relatório da Polícia Federal, teria procurado Kennedy Alencar para retirar o que disse. Ou por sobra de autoconfiança ou por falta de juízo, segue na trilha que leva ao penhasco.

Oficialmente, Lula ainda não comentou o relatório por ignorar-lhe o teor. Como não teve acesso ao documento, mandou dizer por um assessor de imprensa que só poderia falar mais tarde. Quem jamais leu um livro dificilmente encontrará ânimo para a travessia das 332 páginas que resumem as descobertas dos investigadores. Mas decerto pediu que alguém lesse em voz alta o noticiário dos jornais. Descobriu que a bravata declamada em 2009 foi implodida de vez pela Polícia Federal. E soube que o bando de mensaleiros ficou um pouco maior.

Ficou também um pouco pior para quem sempre alegou não ter visto nem ouvido nada que o alertasse para a roubalheira arquitetada nas salas ao lado ou um andar acima do gabinete no Planalto. A turma que acaba de subir ao palco inclui, por exemplo, o notório Freud Godoy, amigo e ex-segurança de Lula, que confessou aos investigadores da Polícia Federal ter embolsado dinheiro do propinoduto administrado por Marcos Valério.

Lula está dispensado de investigar o falso enigma. Ele sabe o que houve. Sempre soube. Se acaso esqueceu alguns detalhes da grande farra de 2005, basta convocar para uma noitada de drinques e conversas os companheiros Delúbio Soares, José Genoíno, Freud Godoy e mais dois ou três comparsas. Com José Dirceu como convidado especial, naturalmente.

A troca do presidente da Vale informa que o governo brasileiro acabou de inventar a demissão por excesso de competência

Ao se intrometer na vida da Vale, o governo federal produziu simultaneamente três assombros: inventou a demissão por excesso de competência, transformou Roger Agnelli no único executivo da história que perdeu emprego por ter feito tudo certo e criou a primeira empresa privada do Brasil cuja diretoria é escolhida pelo Palácio do Planalto e decidiu nesta segunda-feira que o novo comandante será o ex-diretor Murilo Ferreira. Não é pouca coisa. E não é tudo.

Bastou a notícia de que o governo resolvera ditar os rumos da Vale para que mais de 4 milhões de investidores começassem a perder dinheiro. Só em março, as aplicações sofreram uma queda de 6,81%. “As ações deveriam estar voando”, disse em entrevista ao jornal O Globo o especialista em investimentos Bruno Lembi. “Os preços do minério estão lá em cima e a Vale divulgou um balanço excepcional”.

Privatizada em maio de 1997, a Vale começou a colecionar cifras superlativas a partir de julho de 2001, quando Agnelli assumiu a presidência para transformá-la, em 10 anos, na segunda mineradora do planeta e na maior produtora mundial de minério de ferro. Em 1997, tinha 11 mil funcionários. Hoje são 174 mil. A extração de minério subiu de 114 milhões de toneladas para 297 milhões de toneladas, e o lucro saltou de R$ 390 milhões para R$ 30,7 bilhões. Os investimentos somaram R$ 19,4 bilhões em 2010. Deverão chegar a US$ 24 bilhões em 2011.

Quem aplicou R$ 1 mil em ações da Vale no dia da posse de Agnelli tinha R$ 16.829 na conta neste 23 de março, quando o afastamento foi oficializado. A valorização foi de 1.583%. Em paragens civilizadas, tal performance faria qualquer chefe de governo disputar Agnelli a socos e pontapés com a iniciativa privada: como não instalar num ministério da área econômica alguém tão singularmente eficaz? No Brasil, como ensinou Tom Jobim, sucesso é ofensa pessoal. E a independência é o oitavo pecado capital aos olhos de governantes autoritários como Lula.

Enciumado com o executivo brilhante, indignado com o homem de empresa que ignorava determinações do presidente da República, Lula ficou à espera do pretexto para o início da ofensiva. A chance chegou em dezembro de 2008, quando a Vale incluiu a demissão de 1.300 funcionários entre as medidas adotadas para abrandar os efeitos da crise econômica internacional. De lá para cá, a abertura de 35 mil novos empregos compensou amplamente o corte, mas Lula continuou a tratar a demonstração de autonomia como traição à pátria.

Com o apoio de Dilma Rousseff, resolveu que ninguém teria sido demitido se a Vale reduzisse a exportação de minério e ampliasse os investimentos em siderurgia. E apertou o cerco ao inimigo imaginário em abril de 2009, quando Demian Fiocca, ex-presidente do BNDES ligado ao ministro Guido Mantega, foi demitido da diretoria da Vale. Em fevereiro deste ano, incumbido por Dilma Rousseff de articular o ataque derradeiro, Mantega conseguiu o apoio da maioria dos controladores da empresa para a torpeza longamente planejada.

Caso o governo soubesse o que é meritocracia, Agnelli poderia ser o ministro da Fazenda e Mantega e Dilma só apareceriam regularmente no gabinete do presidente da Vale se ele fosse o homem do cafezinho e ela, a mulher da limpeza. Na Era da Mediocridade, Obina joga na Seleção e tira Pelé do time. A multidão de ministros e figurões do segundo escalão comprova que, há quase 100 dias, a presidente da República é uma ilha de despreparo cercada por todos os lados de incompetentes, cretinos, vigaristas, ineptos e gatunos.

O Brasil decente sairia ganhando se todas essas nulidades fossem despejadas dos gabinetes que ocupam. Em vez disso, Dilma preferiu ultrapassar as fronteiras do Planalto para castigar a Vale com a demissão de um dos mais talentosos executivos do mundo. O País do Carnaval tem o governo que merece.

FONTE:Veja on line,

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