Se aquele irônico personagem marciano das crônicas imortais de Nelson Rodrigues tivesse aterrissado com seu disco voador no Brasil, na noite de quinta-feira, e ligasse o aparelho de televisão no primeiro debate da campanha presidencial de 2010, promovido em São Paulo pela Rede Band, teria tomado um susto: "Errei de rota e pousei na Suécia!", pensaria o ET.
O que ele teria visto? No cenário do embate conduzido pelo jornalista-âncora Ricardo Boechat, aparecem Josá Serra (PSDB), Dilma Rousseff (PT), Plínio de Arruda Sampaio (PSOL) e Marina Silva (PV). Duas mulheres e dois homens da política brasileira, que os "senhores ouvintes e telespectadores" se acostumaram a identificar ao longo de décadas pelo estilo de cada um, mais para o "quente" que para o "frio", para usar a linguagem padrão dos comunicólogos dos anos 60/70, substituídos pelos marqueteiros e seus jargões atuais.
Os quatro candidatos são todos passageiros do trem da chamada esquerda brasileira, cujos destinos, de uma forma ou de outra, se cruzaram antes nos célebres e agitados anos de luta contra a ditadura (que não nos ouçam os chatos da objetividade jornalística e os politicamente corretos de agora).
É visível que todos eles dissimulam o quanto podem na implacável imagem da televisão - uns mais outros menos, evidentemente. Não fica claro o motivo, mas é como se cada um tentasse esconder a carapaça do passado de "jovem rebelde" , para vender a imagem "clean" de "bom moço", meio arrependido de traquinagens idas e vividas, na hora de disputar o voto sabidamente conservador da maioria dos eleitores do País, principalmente nas regiões onde as pesquisas indicam que o jogo anda mais apertado.
Serra, ex-agitador militante de Ação Popular (AP) e ex-presidente da UNE, ex-guerreiro das passeatas que foi parar no exílio chileno, é a gentileza em pessoa na tela. Esbanja elegância e "fair-play" de zagueiro do Fluminense, o "pó de arroz" carioca, como se recepcionasse em sua casa os demais convidados do debate. O candidato paulista não ri (como registra sua preocupada filha em um dos intervalos) mas também não se exaspera em nenhum momento.
Nem mesmo quando provocado mais diretamente por Plínio - o em geral enfezado comunista padrão, mas que se revela na TV o mais lépido e bem humorado candidato á sucessão de Lula. Diante da insistência do tucano em trazer para o cenário o tema da saúde, o candidato do PSOL pontua: "Agora eu entendo porque Serra é chamado de hipocondríaco".
Diante da estocada de Plínio em seu adversário mais direto nas pesquisas, Dilma quase se engasga ao tentar disfarçar o contentamento com um gole de água no copo colocado à sua frente. Imagem marcante que a câmera ágil e indiscreta registra em fração de segundos. Mas a ex-militante esquerdista da guerrilha urbana, temida também por suas tiradas explosivas em mais recentes reuniões do governo Lula (que o diga o ex-ministro da Defesa Waldir Pires), logo se recompõe, sem perder a elegância e sem molhar o alva roupa que ela ostenta no debate, em substituição ao tradicional terninho vermelho que costuma envergar nos encontros com companheiros trabalhadores metalúrgicos no ABC e em outros palanques e reuniões de campanha. "Vim em nome da paz", explica a petista aos que se surpreendem.
Marina Silva, já se sabe, é normalmente um doce de pessoa. No debate da Band, virou puro mel de mandassaia. A ex-militante petista, valente jaguatirica acreana, braço direito de Chico Mendes na preservação da mata amazônica e defesa da exploração dos recursos sustentáveis da floresta, esteve mais "ligth" ainda.
A candidata verde não mostrou as garras de felina nem quando Plínio também lançou um bote direto contra ela, acusada de ter virado uma "capitalista da luta ambiental" cujas posições não guardam mais "nenhuma diferença na comparação com o pensamento conciliador de Serra e Dilma" sobre política, economia e até a questão social. A jaguatirica responde com um riso discreto, compreensivo e quase filial ao atacante.
Suécia é pouco! Isso no tempo em que o país nórdico era mostrado nas escolas brasileiras como modelo mundial de boa educação, "terra de gente que não xinga, não fala alto, nem joga papel na rua". Talvez esteja aí a principal razão da baixíssima audiência do primeiro debate da campanha presidencial na TV Band, que variou entre 3 e 6 ponto percentuais (no pico), segundo revelado pela própria emissora paulista.
Números pífios (talvez seja esta a mais perfeita definição), principalmente quando o índice é comparado com o banho da concorrente Rede Globo, que bateu nos 44 pontos de pico ao transmitir o jogo Internacional x São Paulo pela Libertadores da América, no estádio do Morumbi. Bem pertinho da arena política.
No estádio de futebol, sim, se viu um jogo de verdade. Vontade de ganhar dos dois lados: garra, raça, valentia, jogadas de efeito e chutes para o mato quando necessário, no jogo de campeonato. Gente sem medo de correr riscos dentro de campo, sem temor dos urros e apupos vindos da galera nas arquibancadas. No fim um gaúcho, o Inter, vencedor no campo do adversário.
Um elixir contra o tédio, que não deixou ninguém desligar o aparelho, e muito menos dormir diante da TV antes do árbitro apitar o final da partida. Quanta diferença do debate presidêncial da quinta-feira. Se o marciano de Nelson Rodrigues mudou o canal, como muita gente de carne e osso, descobriu finalmente que conduzira sua nave espacial na rota certa.
"Estou mesmo no Brasil!", deve ter dito o E.T.
Entrevista:O Estado inteligente
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