O GLOBO - 11/04/10
Foi uma semana pesada para o Rio. Os piores temores se confirmaram. Os alertas viraram verdade, e a chuva revelou que no Morro do Bumba, em Niterói, tudo era pior do que se pensava. Ao mesmo tempo, há uma avenida aberta para o Rio e o Brasil neste momento. O Brasil é um país assim: tem uma agenda tão cheia, que o muito já feito acaba sendo soterrado pelo muito a fazer.
foi a chuva que matou tantos no estado. A chuva foi reveladora da imprevidência dos administradores públicos. A imprevidência é que matou. Deixar por mais de 20 anos que uma população se instale sobre um lixão depositado numa encosta é condenar todos aqueles moradores à morte.
Ou à morte lenta pelas doenças decorrentes de morar sobre o lixo; ou à morte numa avalanche previsível, porque aquele não era, nem jamais seria um terreno firme.
Mesmo em locais onde o absurdo não é tão radical, as construções se equilibram em encostas frágeis que descerão, mais chuva, menos chuva, mais dia, menos dia. Há várias tragédias anunciadas.
Todos os governantes das últimas décadas mostraram conjuntos habitacionais em suas propagandas eleitorais, todos os governos foram financiados pela Caixa para fazerem esses conjuntos, mas poucos fizeram a conexão entre uma coisa e outra: entre remoção de população em área de risco com as casas que vão distribuir. Não se sabe qual é o critério dessa distribuição, nem se o problema da moradia em área de risco está encontrando a solução de um novo conjunto habitacional.
Nosso novo Censo deve dar números atuais, mas o antigo diz que há no Rio 1,1 milhão de pessoas morando em favelas. Dessas, segundo o economista Sérgio Besserman, de 10 mil a 30 mil pessoas estão em área de risco: — É um custo que dá para encarar, o de remover e reinstalar em áreas mais seguras.
O Rio tem uma chance de ouro. É estranho falar isso numa semana tão dolorosa.
Mas a tragédia pode trazer o senso de urgência; as Olimpíadas e a Copa, a obrigatoriedade do planejamento; os estudos dos cientistas, a certeza de que outros eventos virão; o interesse pelo Brasil pode trazer investidores.
A dor, o compromisso com o Comitê Olímpico, as mudanças climáticas e o capital atraído podem produzir o momento certo para um salto de qualidade na gestão e no planejamento urbanos.
Remoção é uma palavra há muitos anos banida do vocabulário de quem quer parecer moderno no Rio. Ela lembra o autoritarismo de outras intervenções. Mas o contemporâneo agora é olhar esta ação sem preconceitos.
Será mais fácil se a autoridade for rigorosa também com irregularidades cometidas pelos ricos e pela classe média. O ordenamento da cidade tem que passar por toda uma revisão. Porque nós queremos, porque temos que fazer isso, porque não fazer é uma questão de vida ou morte. Mas erros estão sendo cometidos neste exato momento, quando se permite especulação imobiliária em áreas impróprias para expansão.
Momentos extremos exigem escolhas radicais. E o Brasil e o Rio estão vivendo um desses momentos. Eles podem ser muito promissores.
Foi por ter chegado ao abismo inflacionário que o país construiu as bases da estabilidade macroeconômica, que o permitem agora ser apresentado ao mundo como potência emergente preparada para um novo salto.
A revelação de que essa potência emergente deixa que pessoas se instalem em cima de lixões enfraquece qualquer euforia excessiva com o Brasil. Mas o país é isso: com suas virtudes e crimes.
A hora é de investir na virtude e combater o crime.
Do ponto de vista da saúde pública, lixões a céu aberto são doenças; do ponto de vista ambiental, são contaminação e emissão de gases de efeito estufa; do ponto de vista econômico, são um espantoso desperdício. Lixo pode ser energia e um insumo ao crescimento.
Pelos dados do IBGE, colhidos em 2002, o Brasil produz 230 mil toneladas de lixo doméstico e comercial por dia. Isso sem contar o lixo industrial, de construção civil, hospitalar e o lixo perigoso. Nessa pesquisa feita em 5.471 municípios dos 5.507, a informação dos pesquisadores é que 40% é aterro sanitário, o resto é lixão a céu aberto.
Mas os dados podem ser piores porque muitos aterros sanitários são lixões disfarçados, sem o necessário investimento em isolamento para evitar a contaminação. A tecnologia de transformar o lixo em energia já está dominada no mundo e há experiências no Brasil. Pode-se conseguir financiamento externo através do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, do Protocolo de Kioto. Quem precisa de crédito de carbono financia a transformação.
Eles ficam com o crédito, e o Brasil com o lixo tratado, a energia e o aproveitamento da matéria-prima dos recicláveis.
Isso não é futurismo. Já foi feito em São Paulo. A Petrobras está financiando um projeto no Fundão. Tudo está ao nosso alcance.
O país precisa mudar conceitos. A culpa não é de quem construiu em cima de um lixão. Eles foram vítimas.
Não tiveram opção, orientação, oferta de moradia decente em local seguro.
Um prefeito que governa a cidade, em seu terceiro mandato, não pode alegar desconhecimento de que o Bumba era área de risco e era inaceitável por razões humanas, sanitárias, ambientais. A informação de que lixo é doença, de que ninguém pode morar sobre um aterro improvisado mal cobrindo um lixão é pública.
Todos sabem. Inexplicavelmente, o morro não estava na lista das áreas de risco de Niterói.
A água que desceu forte e assustadora sobre o Rio ensina, avisa e revela onde está o risco. É hora de ver e ouvir o que a água mostrou.
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Arquivo do blog
-
▼
2010
(1998)
-
▼
abril
(259)
- DORA KRAMER Em nome da História
- Os 'hermanos' se afagam EDITORIAL O Estado de S.Paulo
- MERVAL PEREIRA A busca do diálogo
- O MST sem aliados Alon Feuerwerker
- MÍRIAM LEITÃO As duas faces
- Belo Monte Rogério L. Furquim Werneck
- Anatomia de um fracasso Nelson Motta
- A nova cara dos britânicos Gilles Lapouge
- China só promete, não cumpre Alberto Tamer
- Coisas simples /Carlos Alberto Sardenberg
- Um tranco nos juros Celso Ming
- A política da eurozona:: Vinicius Torres Freire
- DORA KRAMER Ficha limpa na pressão
- MÍRIAM LEITÃO Última escalada
- LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS Bravatas de Lula e ...
- MERVAL PEREIRA Direitos humanos
- Lula celebra Geisel em Belo Monte DEMÉTRIO MAGNOLI
- Cavalo de Troia na Europa:: Vinicius Torres Freire
- MERVAL PEREIRA 'Irã é indefensável'
- JOSÉ NÊUMANNE Turma do sítio de dona Dilma bota pr...
- MÍRIAM LEITÃO Contágio grego
- Democracia reduzida Merval Pereira
- Novo ciclo Miriam Leitão
- Mercosul e integração regional Rubens Barbosa
- NICHOLAS D. KRISTOF Jovens super-heróis numa cabana
- As crises previstas por Ciro Gomes EDITORIAL - O G...
- ''Audiência'' para Ahmadinejad EDITORIAL - O ESTAD...
- Debate eleitoral brasileiro nos EUA VINICIUS TORRE...
- A candidata Bengell Jânio de Freitas
- Uma estranha no espelho Dora Kramer
- A farsa Celso Ming
- Usina de alto risco ADRIANO PIRES E ABEL HOLTZ
- O jogo duplo do Planalto no trato com os sem-terra...
- O dono da festa Luiz Garcia
- Norma Rousseff Fernando de Barros e Silva
- DENIS LERRER ROSENFIELD Viva Marighella!
- Omissão oficial é coautora de crimes Demóstenes To...
- A desindustrialização gradual no Brasil Paulo Godoy
- FERNANDO DE BARROS E SILVA Ciro Gomes: modos de usar
- MARIANO GRONDONA ¿Muere o renace el ciclo de los K...
- O valor da UNE -Editorial O Estado de S.Paulo
- Suely Caldas - Os que têm tudo e os que nada têm
- Primeiro aninho Ferreira Gullar
- O peso das palavras Sergio Fausto
- JOÃO UBALDO RIBEIRO Planejamento familiar
- DORA KRAMER Sequência lógica
- GAUDÊNCIO TORQUATO O OLHO DA NOVA CLASSE MÉDIA
- REGINA ALVAREZ Ampliando o leque
- O maior dom DANUZA LEÃO
- Governo criará "monstro", diz ex-diretor da Aneel
- Plebiscito de proveta-Ruy Fabiano
- Ciro Gomes: "Estão querendo enterrar o defunto com...
- Depois de Belo Monte Celso Ming
- Ciro frustra o Planalto e irrita Lula com elogio a...
- MAURO CHAVES A propaganda subliminar
- Hora da verdade MARCO AURÉLIO NOGUEIRA -
- DORA KRAMER Baliza de conduta
- Arrebentou FERNANDO DE BARROS E SILVA
- UM VAGA-LUME NA SELVA EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO ...
- Pobres vão pagar caro pela crise dos ricos Rolf K...
- Dever de casa Regina Alvarez
- Amazônia peruana é nossa Marcos Sá Correa
- Estatais apontam que Belo Monte é inviável
- Belo Monte, o leilão que não houve:: Vinicius Torr...
- Economia brasileira e importações:: Luiz Carlos Me...
- JOÃO MELLÃO NETO Por que a nossa política externa ...
- LUIZ GARCIA Da carochinha
- BARBARA GANCIA Ordem do Rio Branco pelo correio!
- CELSO MING O rombo está aumentando
- DORA KRAMER Pior é impossível
- A conta fictícia de Belo Monte Editorial de O Est...
- VINICIUS TORRES FREIRE Belo Monte, o leilão que nã...
- A notícia linchada Antonio Machado
- NELSON MOTTA Movimento dos Sem Tela
- DORA KRAMER De boné e outros males
- MÍRIAM LEITÃO Decisão britânica
- CELSO MING O vizinho roubado
- A diplomacia do gol contra EDITORIAL - O ESTADO DE...
- Sinais contraditórios EDITORIAL - O GLOBO
- PAULO RENATO SOUZA Salários na educação paulista
- CARLOS ALBERTO SARDENBERG Brasília, um equívoco caro
- Uma carta do Diabo ROBERTO DaMATTA
- Erro até o final Miriam Leitão
- O jogo bruto da candidata
- Dom de confundir Dora Kramer
- RUY CASTRO Zero hora para a mudança
- A bolha de imóveis brasileira Vinicius Torres Freire
- DORA KRAMER Proposta estratégica
- MÍRIAM LEITÃO Custo do inesperado
- CELSO MING A pressão do consumo
- ENIGMA AGRÁRIO XICO GRAZIANO
- A recuperação da economia americana é real Luiz Ca...
- Paulo Guedes É hora de enfrentar o Leviatã brasileiro
- Celso Lafer O Brasil e a nuclearização do Irã
- Carlos Alberto Di Franco Drogas, ingenuidade que mata
- JOSÉ GOLDEMBERG A nova estratégia nuclear dos Esta...
- Yoshiaki Nakano Juros e câmbio de novo!
- Ferreira Gullar Os políticos do lixo
- CELSO LAFER O BRASIL E A NUCLEARIZAÇÃO DO IRÃ
- GAUDÊNCIO TORQUATO CAMPANHA DO MEDO?
-
▼
abril
(259)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA