O Estado de S. Paulo - 27/04/2010 |
Dilma Rousseff tem estilo definido adquirido ao longo da vida e características que determinam seu comportamento: modo de falar, maneira de pensar, forma de manifestar o raciocínio e de expressar o gestual. É assim com todo mundo.
Cobra-se de Dilma Rousseff uma "mudança de discurso" nessa fase inicial da pré-campanha, a fim de corrigir falhas que, segundo avaliação do presidente Luiz Inácio da Silva, já esboçadas pelo comando da campanha do PT, deixam em vantagem o pré-candidato do PSDB, José Serra. Na realidade o que se quer de Dilma é que altere sua personalidade, que seja outra pessoa. De uma hora para outra abandone o palavreado técnico que fazia dormir plateias no Palácio do Planalto e assuma um vocabulário de termos sintéticos, empolgantes. Que saia dos gabinetes para os palanques a seduzir multidões, cheia de charme; que sorria; que nunca mais chame ninguém de "minha filhinha" ao dirigir-se a jornalistas em entrevista; que não ponha o dedo em riste no rosto do interlocutor; diga frases curtas e, por Deus, complete o raciocínio. Consta também que Dilma precisa demonstrar segurança e "passar" experiência, não se envolver em tantas polêmicas e, de preferência, deixar de lado esse negócio de ficar comparando os governos Lula e FHC. A estratégia do plebiscito "nós contra eles" foi inventada por Lula. Não deu certo por erro de cálculo do presidente, que imaginou poder estabelecer a pauta da campanha. Quanto à reinvenção de Dilma, ela já mudou em relação ao modelo original e provavelmente aí tenha residido o maior equívoco. Não na constatação de que a figura irritadiça não saberia bem ao paladar do eleitor. Mas na crença irreal de que em questão de meses seria possível incorporar características inteiramente novas em alguém, algumas opostas à natureza da pessoa. Por que será que Dilma não consegue completar um raciocínio? Muito possivelmente porque não se reconhece na estranha personagem, não tem segurança sobre como se comportar, nunca sabe se está no caminho certo, se o que está dizendo corresponde ou não ao que esperam dela. Dois exemplos para comparação. Quando esteve no Congresso e se envolveu num bate-boca com o líder do DEM, senador Agripino Maia, sobre mentiras ditas durante torturas, Dilma foi Dilma. Dura, antipática, jamais poderia com aquele tom enfrentar uma campanha eleitoral em que teria de abordar outras questões. Mas dominava o tema, levou Agripino às cordas, segura feito rocha. Quem era a pessoa que na semana passada estava sendo entrevistada pelo apresentador José Luiz Datena, da TV Bandeirantes? Ninguém. Alguém que saíra de si e ainda vagava feito ectoplasma sem conseguir a incorporação adequada. Sorria sem espontaneidade, segurava as mãos com receio do dedo em riste escapulir, não dava sentido às respostas. Não sabia era como falar na televisão como candidata, como de resto se viu no governo, não sabe dar entrevista, não sabe lidar com imprensa, não é do ramo dela o público. Nota-se, Lula e José Serra também mudaram. Mas aproveitaram o que já tinham, não foram artificialmente virados do avesso. Lula deixou de lado o enfezado e assumiu o bem-humorado. Serra agora já não emburra, não se isola e resolveu relaxar, mostrar a face oculta. Ambos depois de muito errar, de muito apanhar e ao constatar que estavam diante da derradeira chance. O que se exige de Dilma é que passe a ser aos 62 anos de idade uma pessoa oposta ao que sempre foi e numa atividade nova, diferente da que sempre exerceu. Sobreviventes. Ao contrário de Ciro Gomes, que morreu na praia afogado na rede da proximidade política, Marina Silva e o PMDB sobreviveram a Lula. Marina, porque foi cuidar da vida rompendo os velhos laços de afinidade. E o PMDB ao impor sua força sem se conduzir como aliado submisso. |
Entrevista:O Estado inteligente
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