Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, abril 16, 2010

Luiz Garcia Dois generais

O Globo - 16/04/2010

No último fim de semana, a Globo News botou no ar uma entrevista do bravo Geneton Moraes Neto com o general Newton Cruz. Para os muito jovens e os mais velhos que já esqueceram, o hoje octogenário oficial foi, durante o regime militar, a linha dura em pessoa. Mas sua fama era, principalmente, a de um oficial destemperado e zangado. Quem se opunha à ditadura não concordava com uma só de suas ideias e posições, mas não ficou registro ou suspeita de que participasse do lado mais negro do regime militar: a tortura, e muitas vezes o assassinato, de quem lutava contra ele.

Newton Cruz nunca protestou contra os vícios do regime, mas jamais foi acusado de estimular a brutalidade com que eram tratados os cidadãos que recorriam à luta armada contra o regime das armas, ou apenas a apoiavam. Pelo visto, ele era mais violento no grito do que nas ações. É, claro, uma ressalva relativa: Cruz apoiava e foi peça importante no regime de força.

Seja como for, o que chama a atenção agora é o contraste entre a entrevista de Newton Cruz e outra, da mesma série, do general Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército da mesma ditadura.

Newton, apesar da fama de bravo e desabusado, não defende os excessos dos governos militares. Para Leônidas, que nunca teve a reputação de um zangado linha-dura, a ditadura não errou jamais.

Chega ao absurdo de, até hoje, defender a tese absurda de suicídio para o assassinato do jornalista Vladimir Herzog numa cela do Dops de São Paulo.

Governos democráticos erram muito.

O que os redime e justifica é a visibilidade e aceitação dos erros e os esforços, bem ou malsucedidos, para repará-los. Ditaduras também erram, mas não têm essa válvula de escape. O regime de 64 no Brasil começou a acabar quando as mais sensatas cabeças entre os militares perceberam que seu maior inimigo não era a oposição de guerrilheiros, intelectuais e estudantes, mas o acúmulo de vícios inerentes a todo regime de força. Principalmente, a ausência de autocrítica e a proibição da crítica das arquibancadas.

É curioso: tantos anos passados, o linhaduríssima Newton Cruz fez as pazes com a História — e Leônidas, que não se opôs à transição para o regime democrático comandada por Golbery do Couto e Silva, ainda se sente na obrigação de defender os excessos criminosos inerentes a todo e qualquer regime de força.

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