O Estado de S.Paulo - 15/04/10
Deparei-me com esse conceito ao ler, no jornal Valor de 19/3, interessante artigo de Betânia Tanure, conhecida consultora em Administração, professora da PUC-Minas e conselheira de grandes empresas nacionais.
Ela identifica o "subdesempenho satisfatório" como doença que internacionalmente ataca empresas e outras instituições, inclusive governos. Trata-se de patologia em que condutores de uma organização, muitas vezes tomados por ilusões quanto ao sucesso dela, não percebem problemas que a acometem, e que podem levá-la a um subdesempenho futuro. Ou, então, eles são percebidos, mas menosprezados. Betânia se concentra no impacto da doença em empresas, onde executivos freneticamente buscam resultados e se vangloriam deles, muitas vezes iludindo-se com números de balanços e outros indicadores de rentabilidade.
Também se refere à acomodação ao "subdesempenho satisfatório" do Brasil, este acometido por "profundos problemas", pelos quais as empresas costumam mostrar preocupação, mas sem se ocupar, "efetivamente, daqueles que não receberam a devida atenção". A propósito, no que Betânia identifica como "determinismo setorial", a diversificada situação dos negócios no Brasil às vezes faz com que o mau desempenho de um setor sirva para justificar resultados ruins, sem que a empresa atente para as próprias deficiências. Outras vezes, há uma situação inversa ao chamado "custo Brasil", o "ganho Brasil", em que o desempenho acima da média mundial, em particular relativamente a competidores em países europeus e norte-americanos, mais afetados pela crise, serve para enaltecer apenas "o papel, o ego dos executivos", que deixam de colocar esse ganho nas suas contas, sem se preocupar com um crescimento que vá além dele, especialmente via maior produtividade.
Interessado sobretudo nas questões que dizem respeito ao País e ao seu governo central, percebo que a análise de Betânia a elas também se aplica, pois são evidentes os sintomas de um "subdesempenho satisfatório" que acomete a Nação. Combinada com o menosprezo de seus graves problemas, a ilusão de sucesso ? baseada no conformismo com uma taxa anual de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) próxima de 5% e, na crise recente, em comparações com os países que se saíram pior ainda do que o Brasil, cuja economia teve crescimento quase nulo em 2009 ?, contamina não apenas seus dirigentes, em particular o mor, mas se estende a grande parcela da população. Esta tanto por falta de percepção própria como drogada pela propaganda oficial e presidencial que a torna míope ou a ver miragens.
O "nunca antes neste país" é emblemático de uma visão que, além de raramente comprovada, se volta para o passado do Brasil ainda em construção e já carente de reformas. Mas o que realmente interessa é o seu futuro, e comparações com nações que foram e são bem-sucedidas.
Outra ilusão vem do tamanho do País, quando medido pela sua geografia ou pelo seu PIB. Este, dependendo da forma de medição e da taxa de câmbio, fica dentro ou perto dos dez maiores do mundo. Esse tamanho só é documento para algumas coisas, como a influência regional e internacional do Brasil e seu poder de ajudar países como o Haiti e vários africanos, diminutos e paupérrimos.
Mas, quanto aos brasileiros, na sua média eles estão no meio do caminho entre os povos mais pobres e os mais ricos, média essa que esconde um sério problema distributivo. Mais uma vez ele ficou claro, com a calamidade que recentemente mostrou também toda uma feiura da Cidade Maravilhosa e de sua vizinha Niterói, com destaque para a pobreza favelada sobre um lixão.
E não é só na Olimpíada da produção e da renda "per capita" e de sua distribuição que estamos muito atrasados. Estamos assim também no alcance populacional do sistema de ensino e muito mal no desempenho dos nossos estudantes. Na saúde, a dengue é emblemática de males que vêm na esteira da baixa prioridade conferida por políticos e pelos próprios cidadãos a obras e práticas de saneamento básico. E também muito mal em indicadores de desenvolvimento humano, competitividade econômica, qualidade da infraestrutura, ambiente de negócios e outros mais.
Um dos mais assustadores, pois reflete o descaso pela construção do futuro, é a baixíssima taxa de investimentos públicos, ou seja, a parcela da receita governamental que o governo nos seus vários níveis ? particularmente o federal, que conta com mais recursos ? deixa de gastar em despesas correntes, como pessoal e custeio, para investir em infraestrutura, escolas, hospitais, saneamento básico e outras necessidades cruciais. Dados que vi recentemente mostram o Brasil em penúltimo lugar numa lista de 135 países, com a ridícula taxa de apenas 1,69% do PIB no último ano da série disponível (2007), enquanto lá no topo da lista estão países que alcançam mais de 10%, e a China superando os 20%.
Assim, o Brasil cultiva, em larga medida dopado pelo oba-oba em torno do seu "subdesempenho satisfatório", um modelo de subdesenvolvimento em que o atendimento dessas necessidades cruciais é postergado pelo apego ao consumo imediato. Isso sem perceber que uma das lições básicas de Economia vem do seu próprio nome, ou seja, é preciso economizar ou poupar, pois essa é a chave da prosperidade e, mesmo que se recorra a empréstimos e financiamentos, eles devem ser primordialmente voltados para investimentos, e não para o consumo.
Betânia conclui que o dirigente excepcional é aquele que busca uma gestão "agridoce", indo contra o "fluxo natural: quando todos puxam para o doce, ele garante a existência do azedo; quando todos puxam para o azedo, ele novamente recorre ao agridoce".
O estilo paz, amor e doces de alto conteúdo eleitoreiro esconde mesmo é a incompetência na construção do Brasil do futuro.
Entrevista:O Estado inteligente
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