O Globo - 15/04/2010
Eleito presidente dos EUA em 1992, Bill Clinton reuniu na cidade de Little Rock, no seu estado de Arkansas, uma cúpula de economistas para montar cenários e indicar as tendências das próximas décadas. Foram produzidas milhares de páginas, nas quais não apareceu uma única vez a palavra "internet".
Como foi possível que cabeças tão brilhantes não antecipassem a chegada iminente da força motriz da revolução econômica global? É sempre assim. O novo está por aí, rondando, visível e invisível, à espera de alguma combinação de fatores, como a de juntar os computadores com os telefones.
Estaria por acontecer algo assim nos Estados Unidos de hoje? Parece um paradoxo.
Está certo que há uma recuperação na economia americana, mas é moderada. O país ainda sofre com desemprego recorde, apatia da construção civil e enorme buraco nas contas públicas. Especular sobre um ciclo de inovação não seria um exercício inútil? Isso se saberá depois, mas a especulação em si faz sentido. Ocorre que das duas previsões mais sombrias para a economia americana, apresentadas no auge da crise, final de 2008, início de 2009, uma já foi para a lata de lixo, a outra parece estar no mesmo caminho.
A primeira, para o médio prazo, dizia que os EUA passariam anos em recessão e/ou depressão. Falhou. No primeiro trimestre de 2009, a economia americana afundava em um ritmo anualizado de quase 7%. Ou seja, se todo aquele ano repetisse o desempenho dos primeiros três meses, os EUA teriam deixado de produzir mercadorias e serviços no valor de mais de um trilhão de dólares — uma hecatombe.
Mas já no último trimestre do ano passado, o produto nacional crescia a quase 6%. Esse ritmo arrefeceu em 2010, é claro, pois vinha de um fundo de poço. Mas continua bastante positivo.
As diversas expectativas apontam para um crescimento entre 3% e 3,5% ao longo deste período, melhor desempenho entre os desenvolvidos.
A segunda previsão catastrófica apontava para o século. Dizia que um novo mundo surgiria após a crise, caracterizado pelo declínio do império e do modelo americano. Alguns esperavam mesmo que isso fosse também o fim do capitalismo.
Ainda estamos na primeira década, de modo que essa previsão permanece, digamos, não testada. Mas aqui aparece a "contraprevisão". E se a economia americana, que já patrocinou tantas reviravoltas, saiuse bem de tantos buracos e inventou tantas coisas, não estiver aprontando mais uma? Há sinais a observar. Primeiro, o extraordinário salto na produtividade.
Em um momento em que todos lá, setores público e privado, precisam economizar para equilibrar as dívidas do passado, produzir mais com menos fatores é condição essencial para manter o crescimento.
E a produtividade geral cresceu nada menos que 5,8% no ano passado, um recorde mundial. Há exemplos de ganhos de eficiência tanto nos diversos níveis da administração pública quanto nas companhias privadas.
Um mote é economizar energia — gerar mais produto com a mesma unidade de energia — e buscar fontes mais limpas. Poderia ser essa a bola da vez, a revolução verde? O governo Obama acredita que isso será pelo menos parte da solução.
Faz política nessa direção. Por exemplo: fixou como meta para a indústria automobilística que, em 2016, os carros façam, na média, 15 quilômetros por litro de gasolina, contra o padrão atual de 9 quilômetros/litro. Dá bem uma ideia da força da mudança.
Para projetos destinados a mudar o padrão energético, o governo oferece financiamentos subsidiados. Isso vale para companhias antigas, como Ford e GM, na produção de carros a gasolina mais eficientes, para empresas novas que desenvolvem automóveis elétricos ou para fábricas de turbinas para energia eólica. (A propósito, várias cidades e estados estão impondo metas, como no Colorado, região das mais ricas do país, onde 30% da energia terão de vir de fontes renováveis em 2020.) Também tem muita porcaria ocorrendo por lá, como os instintos protecionistas, os subsídios que apoiam produtores ineficientes mas politicamente fortes. E a mudança exigida na vida do país — de gastador a poupador, de perdulário a econômico, de importador a mais exportador — é difícil de operar.
No geral, porém, há forças positivas se movendo. Pode ser prematuro esperar uma grande mudança, mas ao menos é preciso admitir que as autópsias também foram prematuras.
Nos EUA, produtividade cresceu nada menos que 5,8%, um recorde.
Entrevista:O Estado inteligente
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