CORREIO BRAZILIENSE - 23/04/10
Informação objetiva sobre o grupo vencedor de Belo Monte é tão firme como o andar de bêbado
Se na guerra a verdade costuma ser a primeira vítima, em campanha eleitoral a notícia é linchada. Em campanha plebiscitária, então, a informação objetiva é enviesada pelos interesses dos candidatos, tornando-a tão capenga como o andar de bêbado.
Não por acaso, a lei restringe o leque decisório do governante na reta final da campanha, mas antes dela o bom senso o aconselha a fazer só o necessário. O Banco Central vir a aumentar a Selic, por exemplo, é o tipo de decisão que não pode esperar. Inação é pior.
O BC fará o que tiver de ser — com um olho na inflação e o outro na evolução do déficit em conta corrente, ambas influenciadas pelo maior ou menor ritmo do aumento da demanda. O crescimento é sempre o objetivo final da política econômica, mas não a qualquer preço.
O leilão para a escolha do consórcio que vai construir e operar a usina de Belo Monte, contudo, poderia ter esperado o novo governo. Polêmico por razões ambientais tratadas com soberba, o projeto se complicou pela dificuldade do governo em justificar o seu custo e fechar o grupo operador. Criou, assim, desconfiança sobre uma obra prioritária que deveria estar na vitrine dos candidatos.
A algaravia de fatos e versões sobre assuntos mais complexos que as estratégias para eleger o sucessor do presidente Lula destacam as armadilhas para o noticiário quando a informação vira artigo de campanha eleitoral. Tome-se o caso da desistência das empreiteiras Camargo Corrêa e Norberto Odebrecht da disputa por Belo Monte.
Elas lideravam um dos consórcios. Desfizeram-no ao entender que o preço máximo do megawatt/hora definido pelo governo não condizia com o custo que estimaram para o retorno do investimento durante os 30 anos da concessão. O mesmo motivo levou o consórcio formado pela empreiteira Andrade Gutierrez, com Vale e Votorantim, a fazer um lance com desconto mínimo sobre o preço de referência.
A desarticulação típica de fim de governo entornou o que estava previsto. Venceu o grupo formado às pressas depois da desistência das duas grandes empreiteiras para aparentar que havia competição.
Burocracia manda ver
Até então prevalecia a preocupação do governo em não dar motivo à oposição para atirar contra Dilma, responsável, quando ministra da Casa Civil, pela modelagem do leilão e, quando chefa do Ministério de Minas e Energia, pela reforma da política setorial. Com Dilma fora, a burocracia do sistema Eletrobras operou para pôr o grupo de fantasia, agora apresentado sob liderança da Chesf, subsidiária da estatal, na direção de Belo Monte. E as coisas se complicaram.
O consórcio vencedor supostamente tinha o grupo Bertin, sem maior tradição em construção pesada, à sua frente, secundado por Queiroz Galvão, empreiteira das grandes mas novata na construção de usinas gigantes como será Belo Monte, e outras menores. No dia do leilão, a direção da Chesf forçou tal consórcio a propor um desconto maior que o cogitado. Levou. E criou uma zona de desconforto para Dilma.
Escusa da blindagem
O provável é que a ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, pessoa de confiança de Dilma, e a direção da Eletrobras tenham aprovado a manobra. Agora tentam dar racionalidade à decisão, sustentando que Belo Monte foi "blindada" contra o lobby das construtoras. A ver.
O governo opera no bastidor para trazer o trio de empreiteiras — as duas que desistiram e a que foi atropelada no leilão — de volta. Mas como construtoras contratadas. Mais que as demais, elas têm o know-how requerido pela magnitude do empreendimento no Rio Xingu.
A memória é efêmera
A possibilidade sempre foi cogitada. Só que vem sendo apresentada por fontes não identificadas como se elas tivessem se arrependido.
Em mercado com um único demandante, como é o caso de hidrelétricas de grande porte, todas do Estado, e a maioria operada por empresas do sistema Eletrobras, as empreiteiras comem o que for servido.
A notícia real é outra: chamadas a investir, elas olharam o prato feito e recusaram. Já construir é outra história. Não há risco. Se o custo exceder o contratado, ou se faz um aditivo ou a obra para.
Para um projeto discutido desde 1980, é espantoso que haja tanta improvisação. Por certo, facilitada pelo que também se constatou: o quão efêmera é a memória nacional mesmo nestes tempos do Google.
Inferno de intenções
Os desencontros entre a política energética, as empresas estatais de energia e o capital privado são partes de um novo capítulo das reformas do setor implantadas no início do segundo governo Lula.
O que está em causa é a mudança da Eletrobras ao feitio do que é a Petrobras, com subsidiárias autônomas, mas submetidas a um plano central. O problema é que a Eletrobras há tempos é zona de caça de partidos, ao contrário da Petrobras, cuja burocracia é mais ciosa.
Na Eletrobras, braços como Furnas, Chesf e Eletronorte estão sob controle de políticos refratários ao que ameace a sua influência. Ao mesmo tempo, sem consolidar os ativos das subsidiárias, jamais a Eletrobras conseguirá capitalizar-se no mercado com as vantagens que consegue a Petrobras. Em seu caso, a intenção original, morta a pauladas, era mais ambiciosa: fazê-la uma estatal com governança ao estilo das empresas privadas. Os lobbies comprovaram em Belo Monte que boa intenção e inferno continuam tal e qual na política.
Entrevista:O Estado inteligente
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