EDITORIAL O ESTADO DE S.PAULO - 18/04/10
Se cobrasse honorários por desempenho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia apresentar uma alentada fatura ao seu homólogo iraniano Mahmoud Ahmadinejad pelos extenuantes serviços de advocacia que lhe prestou nos últimos dias. Desacreditando a própria versão oficial de que a intenção do governo brasileiro era mediar o conflito sobre o programa nuclear do Irã, Lula se comportou como patrono de Teerã nas suas reuniões bilaterais com os líderes estrangeiros vindos a Brasília para dois encontros de cúpula: o do Ibas (Índia, Brasil e África do Sul) e o do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China).
O chinês Hu Jintao, o indiano Manmohan Singh, o russo Dmitri Medvedev e o sul-africano Jacob Zuma ouviram dele o que ouviriam de Ahmadinejad: que a adoção, pelo Conselho de Segurança (CS) da ONU, de uma nova rodada de sanções contra o Irã, buscada pelos Estados Unidos e a União Europeia, seria inútil ou contraproducente, e que o diálogo é a única via para o país prosseguir com o programa nuclear a que tem direito e a comunidade internacional se convencer dos seus fins pacíficos. Na véspera, de volta da Cúpula de Segurança Nuclear, em Washington, Lula já havia criticado abertamente o presidente Obama.
"O que acho grave é que ele até agora não conversou com o Irã", acusou. Na realidade, o sexteto formado pelos EUA, Alemanha, Grã-Bretanha, França, Rússia e China vinha conversando intermitentemente com a República Islâmica, sem resultados. Lula, que visitará Teerã daqui a um mês, temperou a sua defesa da posição iraniana com o reparo de que o país "tem de ser mais transparente para mostrar que a finalidade de seu programa é pacífica". Pelo visto, ele acredita nas intenções declaradas do Irã: o problema estaria apenas na sua opacidade. Como se isso não fosse indício veemente de seus planos para, no mínimo, chegar ao limiar da produção da bomba.
Lula tem afirmado que em 2003 o mundo foi induzido a crer que o Iraque tinha armas de destruição em massa - e que isso não pode se repetir com o Irã. O fato é que Saddam agia como se as tivesse, ao passo que Ahmadinejad age como se não quisesse tê-las. Lula também anunciou que falará "olho no olho" com Ahmadinejad "e, se ele disser que vai construir (a bomba), vai arcar com as consequências do seu gesto". Só mesmo a sideral soberba do presidente para levá-lo a imaginar que o seu anfitrião poderá se confessar com ele. Saindo do terreno da galhofa, o que o Brasil propõe é ressuscitar as negociações sobre a troca de urânio iraniano enriquecido a 3% pelo equivalente russo e francês de 20% de teor, para a produção de isótopos de uso medicinal.
A ideia, discutida em outubro passado na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), visava a reduzir os estoques iranianos de material passível de enriquecimento a 90%, necessário para a bomba. A tentativa de testar a boa-fé do Irã gorou quando Ahmadinejad exigiu que a troca fosse simultânea, o que a tornaria inócua para o objetivo desejado.
Foi a gota d"água para os Estados Unidos passarem a dar prioridade às sanções. Assim como as 3 anteriores, desde 2006, elas resultam das trapaças do Irã com a AIEA, sonegando informações requeridas e ocultando instalações e equipamentos sensíveis.
O retrospecto, é bem verdade, indica que as punições de nada serviram - ou porque saíram aguadas do Conselho de Segurança, sobretudo por obra da China, ou porque foram desrespeitadas até por empresas americanas. É incerto o efeito das próximas, se e quando forem aprovadas. Se forem robustas e receberem maciço apoio internacional, talvez levem os iranianos de volta à mesa, para uma negociação que poderia ser muito mais abrangente, como propõem especialistas em Oriente Médio e diplomatas - desde que o Irã deixe de pregar a destruição de Israel. A questão-chave é a posição da China, que mantém as suas cartas perto demais do peito para permitir prognósticos seguros do seu jogo.
Pequim reluta em punir o Irã que lhe vende 12% do seu petróleo e gás. Mas teria concordado em ao menos discutir as sanções com os outros membros do CS. Eis uma atitude mais madura - ou mais esperta - do que a do Brasil, advogando para Teerã.