Folha de S. Paulo - 23/04/2010
Concessão da usina foi mais politizada que a privatização da Telebrás; governo monta e remonta o negócio até agora
A CADA convera sobre Belo Monte confirma-se a ideia de que o leilão da usina foi sem nunca ter havido. Venceu o consórcio azarão, o Norte Energia (Chesf, Queiroz Galvão, Bertin et alli). Diz-se que esse consórcio foi montado às pressas, pelo governo. Porém, tudo nessa história foi arquitetado pelo governo, e continua sendo. O leilão, em si mesmo, foi um episódio menor. Meio para inglês ver.
Tanto antes do leilão de terça-feira como agora, o governo discute com empresas, estatais, semiestatais e fundos de pensão como formar um grupo para tocar o empreendimento -e ainda discute como melhorar a rentabilidade do negócio.
Odebrecht e Camargo Corrêa, as megaempreiteiras, haviam desistido da disputa já negociando a entrada no consórcio vencedor -ou, pelo menos, para ficar com uma fatia grossa da empreitada de construção.
Continuam a negociar, mesmo tendo apostado que o vencedor seria o consórcio liderado pela Andrade Gutierrez, pela Vale, pela Neoenergia e pela estatal elétrica Furnas.
Discute-se que empresas devem entrar na Sociedade de Propósito Específico (SPE) que vai ficar com Belo Monte. Podem entrar siderúrgicas, como CSN e Gerdau. Pode entrar a Braskem, da Odebrecht e da Petrobras. Ontem havia o rumor de que se negociam mudanças mesmo após a formação da SPE, para daqui a mais de ano. Pode entrar a Vale.
Por que tamanho rolo? Porque, mesmo descontados os exageros e chororôs das empresas privadas, o retorno financeiro da empreitada é muito incerto. O custo orçado pelo governo é baixo, o preço-teto estipulado pelo edital do leilão era baixo, e ficou ainda menor, dada a oferta surpreendente de deságio do consórcio vencedor. Belo Monte é uma obra muito grande, em lugar remoto e de geologia desconhecida. O preço da energia será praticamente o mesmo das usinas do rio Madeira, leiloadas em 2007 e 2008, obras mais baratas e menos complicadas. Para ficar apenas nos problemas mais óbvios.
O governo fez força para colocar a obra em andamento e garantir tarifas baixas para o consumidor. Belo Monte é mesmo imprescindível para a segurança energética do país. De resto, se sua construção não atrasar, pode desafogar um pouco o planejamento da oferta de energia elétrica no Brasil, que anda meio da mão para a boca. Isto é, se funcionar, Belo Monte pode dar um tempo para que se invista em fontes alternativas de eletricidade, em melhoria de eficiência -enfim, vai dar um tempo para respirar e pensar.
Ainda assim, o leilão de Belo Monte foi muito mais politizado que o notório leilão de privatização da Telebrás, em 1998, sob FHC. Naquela ocasião, o governo negociou até o último minuto a formação de consórcios. A graça maior da coisa era que os tucanos envolvidos eram supostamente liberais, crentes da ideia de que um leilão é o modelo perfeito para definir preços e competências. Mas politizaram o leilão até o osso.
No caso de Belo Monte, o que há é uma discussão pouco clara e pública da formação de uma parceria público-privada, com muita estatal e subsídio estatal para tornar viável o negócio. Talvez não houvesse alternativa. Mas a transparência seria de regra. E é cascata dizer que houve um leilão de concessão, à vera.
Entrevista:O Estado inteligente
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