O GLOBO - 11/04/10
Os temas das palestras e debates, entre os coroas que se reúnem nos fins de semana para conversar, obedecem a um padrão sazonal facilmente observável. Por exemplo, o primeiro quadrimestre é a estação da saúde, ou, segundo os mais modernos, do recall. Destacam-se tertúlias sobre vacinações, colesterol e glicemia, bem como discussões a respeito do desafortunado conhecido de um amigo, que dizem que ficou cego depois de, por desvarios do amor, ingerir uma overdose de Viagra e, last, not least, a Quinzena da Próstata. Esta última, por sinal, tem sido bastante movimentada, depois que a Organização Mundial de Saúde desaconselhou o famoso exame da dedada. As opiniões se dividiram, até porque os urologistas discordam e continuam sustentando que o controvertido dedo amigo é indispensável pelo menos uma vez por ano.
– A quatrocentos contos a dedada, eles tinham de falar isso mesmo - disse um participante rancorosamente. – Eu faço porque minha mulher enche o saco para eu fazer, mas sempre lavro o meu protesto.
Na semana passada, contudo, um incidente alterou abruptamente a pauta dos trabalhos. Foi o problema do Afonsinho com o Camarão. Não, nem o Afonsinho é alérgico a camarão, nem a palavra "camarão" foi escrita acima com maiúscula por engano. Camarão é o nome do novo genro do Afonsinho. Bem, não propriamente nome e, sim, apelido, mas, segundo o Afonsinho, nem a mãe do Camarão sabe o nome de batismo dele. Um dos presentes quis saber por que o Afonsinho não perguntava a ele.
– Não tenho certeza de que ele é capaz de manter uma conversa - disse Afonsinho. – Ele vive com um aparelho desses de música embutido no ouvido, a gente fala com ele e ele sorri e diz "valeu", acho que "valeu" quer dizer qualquer coisa que ele queira dizer.
– É, isso deve ser meio chato mesmo.
– É, mas eu até não ligaria para isso. Para quem já encarou o Guérnica, isso aí seria moleza.
O Guérnica, recordou o Afonsinho, era o namorado anterior da filha dele, que só não tinha tatuagem na cara, mas o resto do corpo lembrava o mural de Picasso. O Afonsinho costumava desviar o olhar dele tanto quanto podia, mas, mesmo assim, tinha pesadelos em que o Guérnica aparecia todo retorcido como as figuras do mural e ameaçava tatuar na testa do Afonsinho o escudo do Vasco - e o Afonsinho é Flamengo. Não, o problema não era esse.
– Eu nunca pensei que isso fosse me acontecer - disse Afonsinho. – Tomei um susto horrível, quando saí do quarto, vejo a porta do banheiro se abrir e sai lá de dentro o Camarão.
– Ele dormiu lá?
– Com minha filha! O sujeito cria uma menina com todo o carinho, põe nos melhores colégios, dá a melhor educação possível e a recompensa é bater de cara com o Camarão, todo rastafári, saindo do banheiro de toalha no pescoço e entrando no quarto de minha filhinha.
– Bem, da primeira vez pode ser chato, porque no tempo da gente não era assim, mas depois você se acostuma. É melhor que sair por aí, procurando um lugar qualquer para ficarem juntos. Eu não acho nada demais, a Marlene, minha filha, fez isso durante anos. Só vai parar agora, porque vai casar.
– Bem, pelo menos isso, ela vai sair de casa e você não vai mais topar nenhum camarão no corredor, como eu.
– Não, ela não vai sair de casa, isso era antigamente.
– Mas você não disse que ela ia casar?
– Não é casamento como você conhece, é um casamento com o perfil contemporâneo. Começa que eles não vão morar juntos. Ela continua lá em casa e ele na casa dele.
– É, eu já ouvi falar nesse tipo de coisa. Eu entendo, mas para mim isso não é casamento.
– O casamento que você conhece vai acabar, já acabou. O casamento de hoje em dia é na base de um contrato, como qualquer outro contrato. Cada um bota lá as cláusulas que quer. Pode botar tudo, não há limite: gerenciamento da grana, férias conjugais, atribuição de tarefas, tudo mesmo.
– Você me desculpe, mas, então, pelo andar da carruagem, eles vão botar no contrato até como e o que... Como é que vão transar, digamos.
– Por que não? Se houvesse contratos antes, com certeza que os problemas, nessa e em outras áreas, podiam nem acontecer.
– Você parece que está entusiasmado com isso.
– E estou. Você sabe, eu sempre fui homem de negócios. Modéstia à parte, tenho queda, sempre me dei bem. Me aposentei e saí da ativa, mas agora estou pensando em voltar, tenho refletido muito nas oportunidades que isso oferece, é só pensar um pouco.
– Você vai ganhar dinheiro com isso?
– Pode apostar. Com minha experiência de vida e meu tirocínio para negócios, tenho certeza de que vou me dar bem. Ninguém está acostumado com esse tipo de contrato, parece simples, mas é muito complexo, tem muitas sutilezas. O mercado não é fácil, mas quem sair na frente e com know-how pode faturar uma baba.
– Que coisa, nunca pensei que ia ver isso. Desse jeito os casados só vão ficar juntos mesmo é no cemitério. Assinam o contrato e dizem "até que a morte nos junte".
– Gozação sua, mas é isso mesmo. Está vendendo o slogan?
Entrevista:O Estado inteligente
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