Imóveis a preços olímpicos
Como em outras cidades que já sediaram os Jogos, o mercado imobiliário
do Rio de Janeiro está eufórico. Resta saber se ele tem fôlego para
os 50 metros rasos ou a maratona
Renata Betti
Fotos Oscar Cabral | |
Vizinho às arenas O goleiro Marcelo Marinho comprou quatro apartamentos próximos ao futuro centro olímpico: aposta na região |
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• Quadro: Salto em altura |
A escolha do Rio de Janeiro como sede da Olimpíada de 2016 deflagrou uma alta no preço dos imóveis que espanta pela velocidade – jamais vista no mercado imobiliário carioca nem no de qualquer outra parte do país. Em dois meses, o aumento foi de 10%, taxa que costuma ser anual. As projeções do mercado dão conta de que, com o PIB do país crescendo e sem nenhuma nova crise no horizonte, os valores podem chegar, até os Jogos, ao dobro dos atuais em alguns bairros. Se essa previsão se confirmar, a valorização dos imóveis no Rio vai ombrear com a de Barcelona. O impacto da Olimpíada no setor imobiliário da cidade espanhola, que sediou os Jogos em 1992, foi o maior até hoje observado. O detalhe relevante é que, no mercado carioca, os preços já são salgados. Não há no Brasil metro quadrado tão caro quanto o dos edifícios da Avenida Delfim Moreira, debruçados sobre a Praia do Leblon: 25 000 reais (veja o quadro). Esses valores devem crescer ainda mais. Muita gente já compra imóvel antecipando uma escalada – e, com isso, leva a profecia a se realizar. Outros veem se descortinar um negócio promissor. Resume Rodrigo Sancovsky, sócio da paulistana Fama, uma das maiores gestoras de fundos com investimento no mercado imobiliário: "O Rio deixou de ser patinho feio para se tornar um alvo prioritário".
Ilustrações Junião |
Os efeitos de uma Olimpíada sobre o mercado imobiliário sempre são mais expressivos em cidades de infraestrutura precária, coisa que no Rio de Janeiro se observa até em bairros como Leblon e Ipanema, os dois mais caros da Zona Sul, onde os moradores vêm sendo castigados por apagões (veja o quadro ao lado). O plano olímpico prevê um investimento de 30 bilhões de reais para resolver algumas dessas precariedades, entre obras de saneamento básico e novas linhas de metrô. Tudo isso é decisivo para valorizar os imóveis no entorno. Diz o consultor Pedro Klumb, estudioso da experiência internacional: "As áreas em que há avanços estruturais logo atraem novos empreendimentos, investidores e moradores". Um relatório da consultoria inglesa Jones Lang LaSalle situa o Rio hoje em estágio de desenvolvimento parecido com o de cidades como Barcelona e Atenas à época dos Jogos. Estas viveram um boom imobiliário – Sydney e Atlanta, mais organizadas, não. A experiência mostra ainda que, nas áreas vizinhas às instalações olímpicas, a transformação costuma ser radical. No caso do Rio, fala-se de Jacarepaguá, na Zona Oeste, onde, em lugares que não contavam sequer com asfalto, começam a brotar empreendimentos de alto luxo. O bairro atraiu o goleiro do Bahia Marcelo Marinho, 25 anos, que arrematou quatro unidades por ali. "Não botaria um tostão num lugar assim se não houvesse a Olimpíada."
Vendas-relâmpago Schalom Grimberg, sócio da construtora SIG: 136 negócios fechados em um só dia |
A perspectiva de crescimento fez com que as empresas redimensionassem – para cima – suas metas em relação ao Rio de Janeiro, em geral visto com desconfiança por apresentar quedas acentuadas no preço de casas e apartamentos nos momentos de pico de violência. Trata-se de um setor que, no Rio, é dominado por dez grandes grupos nacionais, como a Cyrela, que atuam na incorporação e construção de imóveis, embora ainda conte com centenas de pequenas e médias construtoras locais. Na venda, há cerca de 4 000 imobiliárias. Rotineiramente, um mês antes de um lançamento a construtora começa a divulgá-lo aos corretores, para que eles arregimentem possíveis clientes. O pesadelo dos construtores é ver seu estande de vendas às moscas na inauguração. Era. "Os corretores estão fechando negócio no ato. Vendi os 136 apartamentos de um condomínio em Botafogo antes mesmo de erguer o estande", conta Schalom Grimberg, sócio da construtora SIG. É nesse cenário que os gigantes traçam planos ambiciosos para o Rio de Janeiro. Na semana passada, uma das maiores incorporadoras do país, a PDG Realty, decidiu investir na cidade, em 2010, 65% além do previsto. "É preciso ter cautela e agir com racionalidade para não perder dinheiro", pondera o vice-presidente, Michel Wurman, traduzindo uma preocupação de seus colegas de mercado. "Mas o momento é bom – e inédito."
Os preços no mercado carioca já vinham subindo antes do anúncio da Olimpíada. Desde 2000, eles aumentaram 180% – mais do que em qualquer outra cidade brasileira, segundo o Sindicato da Habitação (Secovi Rio). Isso não significa que o Rio de Janeiro seja o lugar do país em que o mercado imobiliário, que fatura 4 bilhões de reais por ano, cresce mais em número de lançamentos. A cidade que ocupa esse posto hoje é Brasília, onde o setor quadruplicou nos últimos três anos. Tanto os preços cariocas nas alturas quanto a menor oferta de novos imóveis têm a ver com a geografia da cidade. Na Zona Sul, onde vivem a classe média e os mais ricos, são escassos os terrenos para a construção de prédios. Trata-se de uma área espremida entre o mar e as montanhas que compreende dezessete bairros em 4.500 hectares – o equivalente a um único bairro de São Paulo, o Morumbi. "O nível de saturação ali se assemelha ao de Manhattan", compara Pedro Wähmann, da Câmara do Comércio de Administração de Imóveis.
Nesse cenário, às construtoras não resta outra saída senão desembolsar quantias astronômicas para desocupar velhos imóveis e demoli-los ou rumar em direção à Barra da Tijuca, onde ainda há espaço para crescer – mas muita gente não quer morar lá, pela distância do centro e pelo fato de a vida a pé ficar circunscrita aos shopping centers. Para quem deseja residir nos inflacionados metros quadrados do Leblon, portanto, a procura por um imóvel pode se tornar uma guerra. O flagrante desequilíbrio entre a oferta e a demanda desencadeia situações absurdas, como clientes suplicando para ser atendidos por corretores e pessoas em fila para visitar, uma após a outra, um único apartamento. Os classificados são minguados em ofertas, mas fartos em superlativos. É difícil achar num anúncio a menção a uma sala de estar que não seja vendida como "salão" (não importa o tamanho). "Quadríssima" significa a quadra mais próxima à praia (veja o quadro acima). É também caríssima.
Luxo na Barra Sem espaço na Zona Sul, é lá que se concentram os lançamentos |
Quando um mercado dá sinais de superaquecimento, cabe refletir sobre as reais chances de permanecer assim a longo prazo. Ele tem fôlego para a maratona? Não há dúvida de que a alta dos preços no Rio, nas últimas semanas, traduz, acima de tudo, um otimismo acerca do futuro. Para que a demanda continue em níveis elevados, será preciso contar, em primeiro lugar, com um bom cenário econômico – pré-requisito para que as pessoas não só comprem imóveis como honrem as dívidas que contraíram ao adquiri-los. O segundo ponto básico para evitar uma bolha imobiliária diz respeito ao próprio plano de voo das construtoras, que nessas situações podem se ancorar em projeções fantasiosas. Foi o que aconteceu em Pequim, sede dos Jogos Olímpicos em 2008. O que se viu ali foi um erro fatal de cálculo: enquanto se edificavam na cidade prédios de alto padrão às centenas, para os quais não havia procura na mesma proporção, ninguém se preocupava em atender à demanda por moradia das faixas de renda mais baixas, esta real. O resultado foi desastroso. Seis meses depois dos Jogos, a bolha estourou. Os preços dos imóveis encolheram 20%, segundo levantamento do Bureau de Estatísticas de Pequim. Diz Louis Kuijs, analista do Banco Mundial: "Foi uma correção do mercado em relação ao que era uma flagrante distorção nos preços".
Sempre que avança, o setor imobiliário faz girar uma gigantesca cadeia que abarca dezenas de segmentos – da produção de matérias-primas como o aço até aqueles negócios voltados para a venda do imóvel pronto. É um mercado que fatura 180 bilhões de reais no país. Poucos setores têm tanto impacto sobre o PIB brasileiro. Quando ele cresce 5%, o ritmo atual, a economia como um todo aumenta 0,3% ao ano. Atualmente, finda a crise e com o retorno de investimentos como fundo de renda fixa em baixa, os brasileiros voltaram a investir em imóveis, o que contribui para o ciclo virtuoso. A Olimpíada do Rio de Janeiro ajuda a pensar em recordes.
No Leblon, à luz de velas
Benedito Sverberi
Nova investidora Ana Cláudia Silva: todas as economias no mercado imobiliário |
Virou rotina em bairros como Leblon e Ipanema ficar à luz de velas. No último mês, houve ao todo no Rio de Janeiro nada menos que dezesseis apagões, além do blecaute que atingiu o país inteiro, no último dia 10. O mais extenso da série, o do dia 23, durou 23 horas, período em que 40 000 cariocas da Zona Sul permaneceram sem luz, o comércio fechou e o trânsito, na ausência de faróis, ficou mais caótico do que de costume. Considerando que os termômetros chegavam a 40 graus, restaurantes perderam seus estoques de comida e, sem ventilador ou ar-condicionado, os bairros atingidos se assemelhavam a saunas. A Light, distribuidora de energia na cidade, veio a público tentar explicar a sucessão de apagões. A luz teria faltado por uma carga excessiva sobre a rede de cabos subterrâneos encarregados do abastecimento de energia na Zona Sul – o que a chuva só fez piorar.
Existe um consenso de que essa é mesmo a razão. A questão é que a Light atribui o problema aos moradores, que nunca usaram tanto o ar-condicionado e demais aparatos eletrônicos. De fato, a demanda por energia aumentou. Mas o problema central é que não houve planejamento para lidar com essa eventualidade. Os seis cabos que levam luz aos 630 000 moradores da Zona Sul não são mais suficientes para lidar com a demanda e estão em mau estado de conservação. Falta investimento. "Em cinco anos, haverá uma expansão e melhoria da rede, e ela estará funcionando 100%", promete Luis Alquéres, presidente da Light. Tomara. Até lá, é bom que quem mora na Zona Sul tenha em casa abanador e um bom estoque de velas.