"Todos correm risco"
Divulgação |
O PIOR EFEITO DAS DROGAS Lawford: "A hepatite C é resultado do meu vício no passado, mas é impossível saber exatamente como fui contaminado" |
Christopher Kennedy Lawford carrega dois sobrenomes de peso. Sua mãe, Patricia, era irmã do presidente americano John Kennedy (1917-1963). Seu pai, Peter (1923-1984), ator de Hollywood, fazia parte do célebre Rat Pack, ao lado de Frank Sinatra, Sammy Davis Jr. e Dean Martin. Mas o ator e escritor americano de 54 anos carrega também algo nada glamouroso: o vírus da hepatite C, adquirido por meio do uso de drogas. Ex-usuário de cocaína, heroína e ácido lisérgico, entre outros entorpecentes, Lawford recebeu o diagnóstico da doença em 2000. Desde 2002, ele consegue manter o vírus sob controle. Há cerca de 170 milhões de doentes no mundo, 3,5 milhões no Brasil. Nove em cada dez portadores só se descobrem infectados quando o fígado está comprometido pela cirrose ou pelo câncer. A hepatite C é a principal causa dos transplantes hepáticos no país. É contra essa desinformação que Lawford luta. Na semana passada, ele chegou ao Brasil para divulgar seu último livro, C Sua Vida Mudasse (Editora Manole). Antes de viajar, falou à repórter Adriana Dias Lopes, de sua casa em Los Angeles.
HISTÓRICO FAMILIAR
Venho de uma família que sempre teve problemas com álcool e drogas. No mesmo ano em que meu pai morreu de cirrose por causa da bebida, meu primo David (filho de Robert Kennedy) morreu de overdose. Quando nasci, enquanto minha mãe dava à luz no hospital, meu pai bebia martínis num bar, com Cary Grant. Depois do parto, para comemorar, ele levou uma garrafa de uísque para o quarto do hospital. Tudo era motivo para beber. Assim como ocorreu com o cigarro, sabia-se muito pouco sobre os malefícios do álcool. E as pessoas abusavam.
O VÍCIO
Meus melhores amigos tomavam ácido no fim de semana desde os 12 anos. Aos 13, dada a insistência deles, resolvi aceitar. As drogas combinaram perfeitamente comigo. Eu encontrei nelas uma ótima muleta para fugir da realidade. Passei os 17 anos seguintes usando vários tipos de drogas e álcool. O vício não chegou a parar minha vida. Durante o tempo em que usei drogas, trabalhei em Hollywood, fiz faculdade de direito, mestrado em psicologia na Harvard Medical School e me casei. Mas vivia mesmo para encontrar maneiras de ficar chapado. Eu pensava o tempo todo nisso.
O DIAGNÓSTICO
Em 2000, fui ao médico por causa de um terçol no olho direito. Tinha acabado de voltar de filmagens na selva das Filipinas. Na consulta, ao contar do meu vício no passado, o médico me pediu um check-up de sangue. Achei uma bobagem. Eu havia feito os mesmos exames anos antes, depois de já ter me livrado das drogas. Mas concordei em me submeter ao check-up. Essa decisão salvou minha vida. Duas semanas depois, o médico me ligou em casa: "Tenho boas e más notícias". Quando um médico diz isso é porque nenhuma das duas notícias é boa. A boa era que eu não tinha aids. E a ruim? "Você tem hepatite C."
CANSAÇO CONSTANTE
Minha primeira reação foi achar que o laboratório errara no diagnóstico. Os médicos me explicaram que, no início dos anos 90, os exames não eram muito precisos e, infelizmente, meus exames antigos, que haviam dado negativo, estavam errados. Na ocasião do diagnóstico, eu já me sentia constantemente cansado. Mas achava normal para alguém de 45 anos, com três filhos e muito trabalho para pagar as contas. Já era, no entanto, sintoma da presença do vírus da hepatite C em meu organismo. O cansaço é resultado da ativação crônica do sistema imunológico.
O TRATAMENTO
Pelo estado do meu fígado, quando descobri a doença, eu devia estar contaminado havia uns vinte anos. Meu quadro era pré-cirrótico. Eu fui infectado pelo subtipo mais raro de vírus, mas também o mais fácil de ser tratado. O remédio mais usado é o interferon, um quimioterápico que estimula o sistema imunológico, associado ao antiviral ribavirina. Os dois juntos causam uma sensação de gripe forte. Toda vez que eu era medicado, sentia fortes dores musculares e, por dois dias, tinha febre alta. Isso durou os onze meses do tratamento. Por causa dos medicamentos, também tive depressão e insônia. Mas sempre me recusei a tomar antidepressivos e soníferos por receio de recair nas drogas, das quais havia me livrado nos anos 80.
TODOS CORREM RISCO
A hepatite C é resultado do meu vício no passado, mas é impossível saber exatamente como fui contaminado. Compartilhei seringas e canudos para consumir cocaína, heroína e metadona... Na realidade, isso pouco importa hoje. O importante é divulgar que o vírus é transmitido pelo sangue. A hepatite C pode ser transmitida não só pelas seringas das drogas injetáveis ou pelos canudos compartilhados numa roda de cocaína, mas ao fazer tatuagem com agulhas não esterilizadas ou as unhas com instrumentos precariamente higienizados. A doença, infelizmente, ainda está associada à marginalidade, quando, na realidade, todos correm risco. Vou passar o resto da minha vida divulgando isso.
Divulgação Museu Kennedy |
BOAS LEMBRANÇAS Lawford, aos 4 anos, com o tio John Kennedy, em 1959 |
UM DIA DE CADA VEZ
Estou há sete anos com a carga viral negativada, mas sei que o vírus da hepatite C nunca é completamente eliminado do organismo. Estudos científicos mostram que, se você está livre da ação do vírus há cinco anos, a probabilidade de ele voltar é de menos de 1%. É mínima, mas não é zero. Por isso, hesito às vezes em usar a palavra "cura". Prefiro pensar em um dia de cada vez. E no dia de hoje sei que estou tratado. Assim como sei que hoje estou limpo das drogas.
A RELAÇÃO COM A MÃE
Além de não saber lidar com o álcool, minha mãe nunca foi muito solidária. No início dos anos 90, quando eu trabalhava na novela All My Children, da rede ABC, tive uma crise terrível de dor nas costas e muitas vezes não conseguia nem sequer me vestir sozinho. Nessa ocasião, nós morávamos juntos e uma vez fui até o quarto dela pedir ajuda por causa da dor. Ela me olhou como se nada estivesse acontecendo. Voltei para o meu quarto, espalhei as roupas no chão e me contorci até conseguir me trocar. Minha mãe não suportava lidar com minhas dores.
O CONVITE
Lembro com carinho da convenção que lançou a candidatura de meu tio John à Presidência dos Estados Unidos. Minha mãe, que tinha adoração pelo irmão, me levou. Eu estava com 5 anos. Dormi na cadeira. Às 3 da manhã, ele me acordou e disse, em tom de brincadeira: "Vou ter um trabalho duro daqui para a frente, você me ajuda?". Fiquei muito feliz, mas o sono era maior: "Tudo bem, mas posso trabalhar só a partir de amanhã?".