"Ayrton não é meu ídolo"
Sobrinho do tricampeão Ayrton Senna, Bruno Senna
vai encarar em 2010 o maior desafio de sua carreira
no automobilismo: o campeonato da Fórmula 1
Fábio Portela e Sandra Brasil
Fernando Cavalcanti | "Apostam no meu sobrenome para atrair patrocinadores" |
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• Cronologia: Fórmula 1 |
É impossível olhar para Bruno Senna, de 26 anos, e não se impressionar com a sua semelhança com o tio famoso, Ayrton Senna, o maior mito do automobilismo brasileiro, morto em 1994. A partir do ano que vem, Bruno tentará provar que em comum com ele, além da aparência, tem talento para pilotar. O brasileiro disputará o campeonato de Fórmula 1 pela equipe espanhola Campos Meta, que também fará sua estreia na principal categoria do automobilismo. Antes de embarcar para Madri, onde conheceria seu novo carro, Bruno falou a VEJA e mostrou que, pelo menos em matéria de franqueza, não terá concorrentes no grid.
Seu tio Ayrton Senna morreu na Fórmula 1, em 1994. Como sua família está encarando sua estreia na categoria?
Ninguém queria que eu corresse. Mas há muito tempo decidi que era isso que eu queria da minha vida. Levou tempo, nossas relações ficaram difíceis, mas eles aceitaram. Hoje estão felizes.
Com quantos anos você começou a correr?
Foi o meu avô Milton quem me colocou num kart pela primeira vez. Dos 5 aos 10 anos de idade, eu corria de kart todos os fins de semana. Quando o Ayrton faleceu, o apoio da minha família sumiu. Eu tinha 10 anos e não podia brigar pelo que queria. Não tinha como bater de frente. O clima da minha família em relação ao automobilismo ficou muito ruim. Ninguém mais assistia a corridas de Fórmula 1. Meu avô nunca mais viu um Grande Prêmio. Tive de deixar a poeira baixar.
"Vai parecer um clichê, mas não tenho ídolos. Tenho todas as corridas do Ayrton gravadas no meu computador, ele é apenas uma referência. Idealizar alguém é uma péssima forma de iniciar uma carreira. Ao idealizar, você quer ser igual a essa outra pessoa" |
Quando você voltou às pistas?
Nunca parei de pensar nisso. Quando tinha 18 anos, disse para a minha mãe que eu queria voltar a correr. Apesar de surpresa, ela achou que era fogo de palha e aceitou. Comecei com um kart antigo que estava na fazenda. No desespero de voltar a correr, logo no primeiro dia, dei 140 voltas sem parar. Como eu não estava preparado para toda a trepidação, quebrei uma costela de tanto que fiquei no kart. Em um ano e meio, quebrei cinco costelas. Toda vez que eu quebrava uma, ficava um mês de molho e voltava a correr. Foi aí que a minha mãe percebeu que eu não estava de brincadeira.
Seu tio Ayrton Senna é o seu grande ídolo?
Vai parecer clichê, mas eu não tenho ídolos. O Ayrton é apenas uma referência. Idealizar alguém é uma péssima forma de iniciar uma carreira. Ao idealizar, você quer ser igual a essa outra pessoa. Meu objetivo não é esse.
Você vê as corridas antigas dele?
Eu tenho todas as corridas gravadas, desde 1989, no meu computador.
Qual é a sua preferida?
A corrida de 1991, aqui no Brasil, quando o Ayrton ganhou com apenas três marchas no carro: a segunda, a terceira e a sexta. Incrível. Foi a primeira vitória dele no Brasil. Ele tinha perdido em 1990 por causa de uma batida no Nakajima, que não foi exatamente a ultrapassagem mais inteligente que já vi... Mas, naquele ano, ele estava supermotivado. No grid, antes da largada, ouviu a torcida gritar "Olê, olê, olê, olá... Senna, Senna...". Ele teve de ir para os boxes para enxugar as lágrimas. Retribuiu o carinho do público com uma vitória. Aquela corrida em Donington Park, na Inglaterra, em 1993, quando ele ultrapassou todo mundo na chuva também é muito legal.
Qual é a maior dificuldade para um piloto chegar à Fórmula 1?
A dificuldade é basicamente a seguinte: as equipes pedem muito dinheiro para fechar contrato com um piloto estreante. Conversei com todas neste ano, menos com a Ferrari. Queriam pelo menos 5 milhões de euros para assinar comigo. Piloto em início de carreira só entra se arranjar patrocinadores dispostos a pagar esse valor.
Quem vai bancar a sua parte?
Ninguém. Vou entrar com zero. Fechei com a equipe espanhola Campos Meta porque eles toparam me contratar sem que eu precisasse levar dinheiro. Foi a primeira proposta que consegui obter sem ter de levar patrocínio nenhum. Serei o único estreante que não vai pagar para correr.
Quanto você vai ganhar?
Da equipe, nada. Nem um centavo. Mas vou poder ter meus patrocinadores pessoais e me sustentar com isso.
O seu sobrenome ajudou na negociação?
Claro que sim. Eles apostam no meu sobrenome famoso para atrair patrocinadores para a equipe. Por isso me liberaram do pagamento. O sobrenome Senna vai chamar atenção nas corridas e dar visibilidade às marcas que nos apoiarem. O Adrián Campos, dono da equipe, achou uma boa ideia unir o meu potencial como piloto ao potencial de marketing.
Só o sobrenome não será suficiente para vencer corridas...
Sei disso, mas estou muito seguro a respeito das minhas possibilidades. Sempre que tenho um bom carro, entrego bons resultados. Mostrei isso na Fórmula 3 e na GP2, as categorias de acesso à Fórmula 1.
O que você espera do carro da Campos Meta?
Nem eu nem a equipe sabemos do que o carro será capaz. Há muitas variáveis, todos os sistemas são novos, tudo tem de ser averiguado e provado. Seria ótimo se o carro fosse uma grande boa surpresa logo de cara, mas isso é improvável. A temporada do ano que vem será de aprendizado para mim e para a equipe.
Como foi a negociação?
Levamos dias e dias para fechar o contrato, porque eles falavam em espanhol e eu e minha irmã, Bianca, que é minha empresária, somos fluentes em inglês. No fim, nós nos entendemos. O contrato tem umas sessenta páginas, e diz tudo o que eu posso e não posso fazer. Quase tudo é confidencial, mas, só para ilustrar, fiquei proibido de esquiar e de praticar windsurf. De modo geral, todos os esportes radicais estão vetados. Boxe eu posso praticar, mas só como preparação física.
"As equipes pedem muito dinheiro para fechar contrato com um piloto estreante. Conversei com todas neste ano, menos com a Ferrari. Queriam pelo menos 5 milhões de euros para assinar comigo. Piloto em início de carreira só entra se arranjar patrocinadores" |
Quantas vezes você pilotou um Fórmula 1?
Até hoje, só uma vez, quando fiz testes para a Honda, que se transformou na Brawn. No total, foram dois dias.
Como você se saiu?
Eu estranhei. Não encaixava direito no banco e, como sou muito magro, o cinto sobrava no ombro. Nas curvas, ficava solto dentro do carro. Andei o tempo todo com a cabeça colada no encosto, para me firmar. É terrível. A cabeça fica batendo, você sente vibração o tempo todo. Saí com dor de cabeça. Ainda assim, fiquei só 0,2 segundo atrás do Jenson Button, que foi o campeão deste ano.
O que o pessoal da Brawn achou?
Quase fiquei com uma vaga na equipe, mas, como eles tiveram poucos dias para treinar antes de o campeonato começar, acharam temeroso colocar um estreante. Fecharam com o Rubinho Barrichello, que é muito mais experiente. Mas eu quase fiquei com o lugar dele.
Você ficaria chateado se tivesse tirado a vaga de outro brasileiro?
Nessa hora não tem amigo. Você está fazendo a sua carreira, disputando com outro piloto. Se é o Rubinho ou outra pessoa, não importa.
Seu tio adorava correr na chuva. E você?
Quando você corre debaixo de chuva, a condição muda a cada volta. Você precisa ter confiança. Eu arrisco bastante, porque sei que vou conseguir segurar o carro. Sempre que o carro está meio ruim e começa a chover, meu rendimento melhora muito. Adoro pilotar na chuva.
Como você vai reagir se o chefe da sua equipe mandar você dar passagem ao seu companheiro?
Se eu estivesse na frente na pontuação do campeonato, lutando com o outro piloto, não aceitaria a ordem. Digamos que seria o caso de uma longa negociação pelo rádio. Mas, se o outro piloto estivesse numa posição muito melhor no campeonato, eu poderia ceder.
Isso é lícito?
A equipe tem o direito de ajudar o piloto que está em melhor posição. Se você está na frente no campeonato, com chance de ganhar, e o outro piloto da equipe está atrapalhando, acho natural que ele ceda. Quem não quer ficar nessa posição não se coloque nela. Se você está tomando pau, vai ficar para trás e a equipe vai priorizar o outro. É assim que funciona: quem tem melhor desempenho tem prioridade. Esporte é assim, é uma coisa predatória. O mundo é assim.
Você bateria o carro se o chefe de equipe mandasse?
Não. Uma coisa é seguir a estratégia da equipe e outra é arriscar a própria vida e a dos demais.
Nelsinho Piquet, que bateu de propósito e confessou, tem chance de voltar a pilotar na Fórmula 1?
Acho que tem muita gente que não quer chamar o Nelsinho por receio de que, depois, ele torne públicos assuntos internos da equipe, como fez na Renault. Houve uma quebra de confiança. Não estou julgando se é certo ou errado o que ele fez, mas a sensação que as pessoas têm é essa. O cara tem um contrato de confidencialidade, mas deu publicidade a algo que não deveria sair do âmbito da equipe. O Nelsinho pode ser bem rápido, mas vai ser difícil ele arranjar emprego.
Você é amigo de algum piloto brasileiro de Fórmula 1?
Não.
Algum piloto ligou para dar parabéns por você ter entrado na categoria?
O Felipe Massa.
Como um piloto se prepara fisicamente para correr na Fórmula 1?
Hoje em dia, é preciso fazer muito exercício físico. Se você começa a se cansar no carro, perde a concentração e fica mais lento, coisa de dois ou três décimos de segundo por volta. Isso não parece nada, mas, se você multiplicar três décimos de segundo por volta, em quarenta voltas dá uma diferença grande. Você tem de estar sempre muito bem preparado fisicamente, sempre sobrando.
Você está em forma?
Tenho 1,80 metro, 68 quilos e 7% de taxa de gordura corporal. Ando de bicicleta e pratico natação. Pedalo, no mínimo, uns 240 quilômetros por semana. Costumo nadar uns 2 quilômetros por dia. Mas não é bom exagerar na natação, porque os ombros podem crescer muito e isso atrapalha dentro do cockpit do carro. Mas eu posso pedalar à vontade porque os músculos das minhas pernas não aumentam muito.
Há algum exercício específico para pilotos?
Faço exercícios para o pescoço. É preciso ter o pescoço forte para aguentar a pressão nas curvas de alta velocidade. Eu tenho um aparelho específico, igual aos de algumas academias. Você se senta em um banco, amarra-se com um cinto, põe um capacete que fica ligado a umas polias, presas a pesos. Depois movimenta o pescoço para os lados e puxa os pesos. Eu consigo levantar mais peso com o pescoço do que com os braços. Com o pescoço, levanto até 25 quilos.
Você usa óculos?
Não. Eu tenho 0,25 grau de hipermetropia nos dois olhos, mas isso não me atrapalha. De longe, enxergo bem.
Tem namorada?
Não.
Além dos carros de corrida, você gosta de carros de passeio?
Adoro. Entendo de mecânica. Aqui no Brasil, não tenho carro. Pego aquele que estiver sobrando na garagem. Na Inglaterra, onde moro, tenho uma BMW 335i. Ela está ligeiramente modificada, com umas coisinhas eletrônicas... Está com 400 cavalos de potência. O próximo dono do carro vai se espantar com ele.
Quanto você ganhou desde que começou a correr?
De patrocínio, deve ter dado uns 3 milhões de euros, desde 2005. O problema é que você sempre gasta mais do que o planejado. O automobilismo é realmente um esporte caro.