VEJA
O futuro ainda enfumaçado
A menos de um mês da reunião sobre mudanças climáticas, em Copenhague, os países ainda não deixaram claro quanto estão dispostos a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. O Brasil vai pelo mesmo caminho. O dilema a ser vencido é como conciliar a diminuição da quantidade de carbono com o desenvolvimento
Ronaldo França
Fotos: Sergio Dutti/AE e Alex Brandon/AP |
ESQUENTA O DEBATE |
VEJA TAMBÉM |
• Quadro: emissões de carbono |
Para andar de automóvel, alimentar-se, ir ao cinema, realizar as tarefas rotineiras da vida, a humanidade lança no ar 49 bilhões de toneladas de gás carbônico por ano. A quantidade de fumaça aumenta a cada dia, na razão direta da busca das nações por desenvolvimento. Novas estradas, fábricas e automóveis criam riqueza, mas aceleram enormemente as emissões. A engrenagem que trabalha em busca da prosperidade é a mesma que arrasta o planeta para o caldeirão. Há uma quase unanimidade entre a comunidade científica de que, a cada década, a Terra fica 0,2 grau mais quente. A estimativa dos cientistas reunidos pela Organização das Nações Unidas para estudar o assunto é que, até o fim deste século, a temperatura média terá subido entre 1,8 e 4 graus, com consequências que variam do desconforto ao cataclismo. Esses cientistas entraram em acordo que é preciso fazer algo para conter o ritmo do aquecimento global. Daqui a menos de um mês, em Copenhague, na Dinamarca, representantes de 192 países vão se reunir com o objetivo de encontrar uma saída para o problema que tanto atemoriza os cientistas.
O dilema da maior parte dos países é como poluir menos sem minar seus planos de crescimento. O fenômeno climático que se quer combater é pouco conhecido, mas as consequências econômicas e sociais de limitar o crescimento são bem conhecidas e trágicas. Daí a resistência dos países em anunciar metas claras de redução das emissões de CO2. No Brasil, esse debate está igualmente empacado. O único compromisso real firmado até agora pelo governo foi com a diminuição do desmatamento da Amazônia em 80%, até 2020. Pode parecer uma proposta vazia, já que o país não faz mais do que sua obrigação de preservar os dois terços que abriga do maior repositório da biodiversidade do planeta. Mas não é uma tarefa fácil. Ela envolve um esforço governamental grandioso e o desembolso de 100 bilhões de reais em dez anos. Isso é vinte vezes o valor da transposição do Rio São Francisco, para fazer uma comparação simples. É também uma medida importante. Sozinha, ela é capaz de reduzir em 20% as emissões brasileiras. E o Brasil figura em quarto lugar na lista dos maiores emissores de carbono justamente por causa do desmatamento. Daí o acerto da decisão tomada.
O debate acalorado, por assim dizer, dá-se em torno do que fazer além. Existem pelo menos sete propostas circulando, defendidas por diferentes ministérios, por segmentos da indústria, do agronegócio e por organizações da sociedade civil. A discussão não se restringe aos números. Ela engloba a forma de encaminhar a posição brasileira. São dois os principais contendores: o Ministério do Meio Ambiente e o Itamaraty. O ministro Carlos Minc, do Meio Ambiente, tem o apoio das ONGs para sua ideia de colocar logo na mesa de Copenhague metas claras. Números com os quais o país vai se comprometer. Basicamente, defende uma redução de emissões de gases de efeito estufa de 40%, tomando como referência as emissões brasileiras em 2005. A contenção do desmatamento é só metade disso. O restante viria de diversas outras ações envolvendo eficiência no uso de energia, novas técnicas agrícolas, substituição de fontes energéticas, por exemplo. Minc considerou um crescimento do produto interno brasileiro (conjunto de riquezas produzidas pelo país) de 4% ao ano na próxima década. Caso essas metas não sejam alcançadas, muda-se a estratégia para chegar a elas. O país se compromete, portanto, com o resultado.
A posição do Itamaraty, com o apoio da Casa Civil, é menos definitiva. O que os diplomatas querem é que esta segunda metade da proposta brasileira se restrinja a um plano de ações sem compromisso com resultados. Se nem tudo sair como o esperado, paciência. É com essa versão mais flexível que o presidente Lula deu indicações de concordar, na reunião preparatória para Copenhague que realizou com os ministros e técnicos, na semana passada. A decisão final sobre o que levar para a reunião na Dinamarca será anunciada no próximo dia 14. O cenário mais provável, na visão de quem acompanha de perto essa negociação, é que no todo as ações brasileiras signifiquem uma redução entre 38% e 40% das emissões, sendo apenas metade disso como compromisso formal. A despeito de quaisquer resistências, o governo tem se movido também por um cálculo político. A dupla Lula e Dilma Rousseff carrega a fama de torcer o nariz para as questões ambientais. Com a entrada da ex-ministra Marina Silva no jogo eleitoral, como uma espécie de porta-bandeira da causa ambiental brasileira, Lula e Dilma têm se virado para desfazer a imagem de insensibilidade. Não é por acaso que a ministra será a chefe da delegação do país em Copenhague. Anunciar uma meta ousada na reunião pode ajudar a pintar de verde a candidata do Planalto.
Essa é uma das razões pelas quais o número oficial a ser divulgado pelo Brasil está sendo estudado com tanto cuidado. A outra diz respeito ao cenário internacional. O mundo está de olho na bússola americana. A posição dos Estados Unidos, a maior potência econômica e o maior poluidor da atmosfera, será decisiva para moldar as propostas de todos os outros países. Da última vez em que se formulou um acordo, em Kioto, no Japão, em 1997, concordou-se que todos os países cortariam, em média, 8% de suas emissões de carbono até 2012. O acordo fracassou. Os Estados Unidos o assinaram, mas não o ratificaram. A ausência americana criou um buraco negro que sugou e fez desaparecer qualquer possibilidade de sucesso efetivo. Poucos países levaram a sério o tratado e fizeram o dever de casa. O Japão foi um deles. E justamente por isso está numa situação delicada agora. Como já cortou o que devia, não tem mais muito de onde tirar. O caso dos Estados Unidos é diferente. O país que não fechou negócio com o mundo em 1997 está discutindo o que propor hoje. E por enquanto não disse nada muito animador. Esse debate está centrado agora no Congresso. Na semana passada, a comissão do Senado que estuda o assunto deu sinal verde para o projeto do senador democrata John Kerry, que prevê um corte de 20% em relação às emissões de 2005. Mas ainda não há consenso. A primeira-ministra alemã, Angela Merkel, em visita histórica ao Congresso americano, na semana passada – uma rara honraria a um líder estrangeiro –, deu um puxão de orelhas nos americanos. "Em dezembro, o mundo olhará para nós, europeus e americanos. Não temos tempo a perder", disse Merkel.
Ao contrário das expectativas iniciais, criadas durante a campanha de Barack Obama, o governo americano estabeleceu uma meta tímida de redução de emissões. Comprometeu-se com apenas 14% em relação às suas emissões de 2005. Na prática, isso significa cerca de 3% do valor das emissões produzidas em 1990. É pouco. Dos países ricos espera-se que reduzam suas emissões entre 25% e 40% em relação ao que emitiam em 1990. Além disso, eles devem financiar projetos e ações que ajudem os países pobres a fazer sua parte. Estes não precisam se comprometer com metas, mas devem acompanhar o esforço global com ações locais. Já para os países em desenvolvimento, caso do Brasil, China, Índia e Rússia, por exemplo, a questão é mais delicada. Um compromisso mais elevado pode criar um obstáculo ao desenvolvimento. Do carbono presente hoje na atmosfera, 80% foram colocados lá pelos países desenvolvidos. Eles sabem que têm de pagar a maior parte da conta, mas estão discutindo o valor. Reside aí o nó que precisa ser desatado em Copenhague.