O Globo
PANORAMA ECONÔMICO
O jornalista Rosental Calmon Alves passou a segunda no Rio, numa palestra sobre era digital. Voou à noite para o Texas e avisou no twitter que dormiu bem no avião. Deu duas aulas em Austin. Na quinta, reclamou no twitter que estava parado há três horas no aeroporto de Boston e na sexta voltou a Austin. No caminho, mandou links, notas e pediu comentários sobre uma entrevista que me concedeu.
O nome dele era Rosentelex, no tempo em que os bichos falavam e os jornalistas ainda usavam o telex, uma mistura de telefone com máquina de escrever que perfurava uma fitinha para a transmissão. Naquele tempo distante, ele esteve num jantar no Uruguai cobrindo a negociação para a abertura política no país.
Um diplomata americano confidenciou a ele o nome do novo presidente. Ele fugiu do jantar e escreveu a matéria. Como demorava oito horas uma ligação telefônica para o Brasil, correu pelas ruas até a cabine pública de telex para enviar seu furo. Dias atrás, ele acordou em Jacarta se sentindo tonto. Era um terremoto.
Mandou uma mensagem pelo twitter antes de ligar para a família, recebeu respostas, e a CNN no Chile pediu mais informações avisando que estava transmitindo suas mensagens.
—Tenho tinta nas veias — disse ele na entrevista que me concedeu na Globonews.
Quis dizer, com isso, que pertence ao mundo da imprensa escrita, mas se define como um evangelizador digital. Fala aos jornalistas, aos estudantes, às empresas de comunicação, aos profissionais de qualquer área o que o mundo novo nos oferece.
— A internet não é uma nova mídia, não é mais um passo no caminho do jornal, rádio, televisão. É uma nova lógica, uma força transformadora, é o fim da era industrial e o começo da era digital. O único paralelo com o que está acontecendo é a invenção do tipo móvel, por Guttemberg, que acabou com o poder das velhas aristocracias, mudou o poder da Igreja e nos trouxe o iluminismo. A internet é a ponta visível de uma revolução. Ninguém fala: eu vou entrar na rede elétrica e fazer um café. No futuro ninguém falará eu vou entrar na internet.
Ele acha que os jornais vão mudar muito mais do que já mudaram no século XX, caminhando para a inevitável integração entre papel e online, juntando todas as plataformas como as que antes pertenciam apenas à televisão e ao rádio — aliás, processo no qual todos aqui estamos mergulhados.
As transformações não estão restritas à imprensa. Todos os profissionais de todas as áreas, todas as empresas precisam estar atentos ao que está acontecendo, me disse, quando pedi um conselho para alguém que está agora no meio de carreira: — Ninguém tem o direito de dizer agora que esse negócio de computador para mim é grego. Todos têm que vencer o bloqueio. Abra-se.
Não é uma ameaça, é um mundo novo, no qual todas as atividades serão afetadas.
Vivemos numa sociedade baseada em bases de dados e redes. Individualmente, somos nós de uma grande rede planetária e temos que estar abertos às possibilidades.
Alertou que é um cyberentusiasta, mas não um cyberutópico. Por isso, disse que ela pode ser usada para o bem ou para o mal. Mas ignorada, jamais.
Rosental define o que está acontecendo com uma imagem da astronomia. Diz que, antes, a imprensa era um sol imenso. Hoje, há várias constelações, e estamos numa galáxia. Apareceram os outros astros, os blogs, os produtores de conteúdo, jornalistas ou não: — A pessoa começa a ter audiência também. Isso não termina com a audiência da mídia tradicional, mas permite mesmo a quem não é jornalista construir sua própria audiência. E a imprensa tem que entender isso e estar nisso.
Rosental acha que nesse mundo novo, a imprensa sai de uma relação vertical, unidirecional com sua audiência, para atuar em rede. Mas não perde sua força, como ficou provado em alguns episódios recentes. A morte de Michael Jackson saiu primeiro num blog, mas as pessoas só acreditaram depois de confirmado pela mídia tradicional: — A imprensa mostrou sua força, sua credibilidade.
A nossa profissão exige a disciplina da verificação.
É o beabá.
A imprensa americana tem demitido e fechado jornais.
Ele explica que é o encontro de duas tempestades: a crise econômica e a mudança de modelo de negócios.
O twitter é o grande fenômeno do momento. Ninguém esperava que ele crescesse assim. A CNN tem mais seguidores que audiência.
A segunda língua mais falada no twitter é o português, o que mostra a força da internet brasileira com 65 milhões de internautas.
Ele acha que os jornalistas precisam aprender a fazer vídeo, o que não eliminará o papel dos profissionais do vídeo, da mesma forma que a máquina fotográfica portátil não eliminou a profissão de fotógrafo.
Os repórteres terão que captar, por todos os meios disponíveis, as informações para transmiti-las.
Fazer ou não fazer o curso de jornalismo, agora que a obrigatoriedade do diploma acabou? — Fazer, claro. Nos Estados Unidos nunca foi obrigatório o diploma e 85% dos novos jornalistas fizeram curso de jornalismo. Terá vantagem quem tiver feito o curso e continuar estudando e aprendendo. Fica na profissão quem sabe fazer.
Além disso, é um excelente curso de humanas.
Portanto, quem pensa em lutar pela volta da obrigatoriedade do diploma, pense nisso: não precisa; os cursos que ensinarem ficarão.
Quem não sabe fazer, não fica no mercado.
A entrevista com Rosental foi tuitada e retuitada, transmitida pela TV a cabo, mais de uma vez, mas ainda assim ficou faltando por aqui, nesta velha, bela e insuperável plataforma: a da imprensa escrita.
oglobo.com.br/miriamleitao • e-mail: miriamleitao@oglobo.com.br
COM ALVARO GRIBEL