Há 71 anos Claude Lévi-Strauss, embrenhado na densa solidão das matas de Mato Grosso, enfrentando endemias rurais típicas da região, escolheu uma expressão amarga para descrever, anos depois, o "ambiente mais hostil ao homem sobre a superfície do planeta": tristes trópicos. Ao falecer, aos 100 anos, o antropólogo francês, considerado um dos maiores pensadores do século passado, deixa definitivamente impregnado no mapa do Brasil o nome com que batizou seu clássico livro, produto de seis meses de viagem à Serra do Norte, no centro-oeste do País. Os nossos trópicos conseguiram diminuir significativamente a malária, a ancilostomose, o tracoma, a doença de Chagas, a leishmaniose, porém não têm sido capazes de conter a pandemia ética e moral que faz padecer o corpo da Nação, haja vista as intermitentes infrações ao Estado de Direito, o farisaísmo com que se encobrem os ilícitos, usando-se sempre a recorrência de que as "instituições funcionam normalmente" e o rolo compressor de um aparato governativo que bombardeia qualquer reação das oposições e amortece esporádicas vozes críticas.
Tristes trópicos! O ministro Marco Aurélio Mello, com a autoridade de membro do Supremo Tribunal Federal (STF), profere a sentença: "Talvez a quadra seja sinalizadora de fecharmos o Brasil para balanço." Referia-se ele à decisão "mandamental" do STF - de cassar o mandato do senador Expedito Junior (PSDB-RO) e empossar o segundo colocado nas eleições de 2006 - só acatada pelo Senado após forte reação pública, confirmando a verve de Getúlio Vargas nos idos de 30: "A Constituição foi feita para ser violada." Se o Poder Legislativo deixa de cumprir decisão da mais alta instância do Poder Judiciário, como negar crise entre os Poderes, como tem feito o próprio presidente do STF, ministro Gilmar Mendes? Se a desobediência à Lei Maior, ainda mais sob a lupa acurada da mídia, é considerada coisa normal, a conclusão é de que o império da bagunça se implantou solidamente no mais elevado patamar das instituições. E sob a complacência dos integrantes dos Poderes. Não há o que fazer. Resta, apenas, alterar parcialmente o bordão de Stanislaw Ponte Preta, para alegria geral: se não se restaura a moralidade, vamos todos nos locupletar.
A transgressão aos códigos, o despudor, o caradurismo e a leniência são pragas que encontram terreno fértil para germinar no País, a ponto de se indagar sobre a lógica que explica sua propagação, porquanto, em outra vertente, descortina-se um ambiente focado nos eixos da transparência, da racionalidade, do civismo e da promoção da cidadania. Não há contradição entre os dois retratos? Aparentemente, sim. Mas é preciso entender que as cargas renovadas do oxigênio moral que vivifica os pulmões da sociedade são engolfadas por ares poluídos que correm pelos canais da administração pública, como é o caso do chamado valerioduto, objeto de investigação pela Justiça. Ademais, o quadro degenerativo decorre de mudanças que se operam nos dutos do próprio sistema democrático. Nas últimas décadas a democracia baixou de patamar. A democracia atomizada do século 19 foi substituída pelo ciclo das tecnodemocracias, pavimentadas por complexos negociais e quadros burocráticos. Sob essa configuração, as clássicas estruturas de contrapeso - os três Poderes - perderam vitalidade, enquanto a nova tríade do poder (negócios, burocratas e políticos) começou a dar o tom. Na esteira, a política passou a se guiar pelo impulso da economia.
A peça Brasil se encaixa perfeitamente na cartela. O discurso econômico, se já era forte antes, ganha força na era Lula. Domina as agendas do Executivo e do Legislativo, funciona como polo de disputa entre unidades federativas (veja-se a polêmica sobre os projetos do pré-sal), planta obras nos espaços (obreirismo faraônico do PAC) e, por fim, apaga fogueiras que poderiam incendiar o ambiente institucional, como centrais sindicais e movimentos que se esbaldam com recursos das fontes do Estado. O sindicalismo brasileiro hoje é movido à pecúnia. Não por acaso, uma nova oligarquia se instalou no centro do poder. São os filhos do sindicalismo de resultados. E haja resultados! Os fundos de pensão são as estrelas da constelação. Só a Previ dispõe de mais de 200 cargos nas grandes empresas do País. A teia nos intestinos da administração propicia uma simbiose interburocrática, reunindo alas sindicais, correntes partidárias e dirigentes indicados por grupos empresariais. A nova oligarquia, para se preservar, esforça-se para tornar o Estado um ente ativo e cada vez mais forte. Eis a cara do neocapitalismo esboçado pelo governo e que encontra respaldo no grande empresariado, cuja força crítica feneceu ante os benefícios que lhe são concedidos. O programa de redução do IPI (linha branca, automóveis) é um exemplo.
Transparece sob esse pano de fundo a figura de um governismo opressor, que coopta perfis mais refratários e aviva os mais recônditos desejos. O confortável cobertor econômico - alinhavado no passado e aperfeiçoado pelo governo Lula - confere ao presidente poderes nunca d"antes conseguidos por antecessores. E o que faz o chefe? De maneira competente, diga-se, preenche os buracos da pirâmide social com programas para todas as classes. Chovem loas nos arredores do Palácio do Planalto. Não satisfeito, o presidente avança. Costura alianças, convoca siglas para o balcão de benesses e esnoba o poder da crítica, a partir da imprensa, que, no fundo, ganha seu desprezo. Partidos amorfos, oposições flácidas, empresariado cooptado, sindicalismo de gaveta, base econômica sob rígido controle ajudam a compor a conclusão: o Brasil, sob Lula, bate às portas do céu. Nem a língua acesa do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, com sua cunha sobre o subperonismo lulista (1º/11, A2), tira o sono do comandante da campanha da ministra Dilma.
Tristes trópicos! O ministro Marco Aurélio Mello, com a autoridade de membro do Supremo Tribunal Federal (STF), profere a sentença: "Talvez a quadra seja sinalizadora de fecharmos o Brasil para balanço." Referia-se ele à decisão "mandamental" do STF - de cassar o mandato do senador Expedito Junior (PSDB-RO) e empossar o segundo colocado nas eleições de 2006 - só acatada pelo Senado após forte reação pública, confirmando a verve de Getúlio Vargas nos idos de 30: "A Constituição foi feita para ser violada." Se o Poder Legislativo deixa de cumprir decisão da mais alta instância do Poder Judiciário, como negar crise entre os Poderes, como tem feito o próprio presidente do STF, ministro Gilmar Mendes? Se a desobediência à Lei Maior, ainda mais sob a lupa acurada da mídia, é considerada coisa normal, a conclusão é de que o império da bagunça se implantou solidamente no mais elevado patamar das instituições. E sob a complacência dos integrantes dos Poderes. Não há o que fazer. Resta, apenas, alterar parcialmente o bordão de Stanislaw Ponte Preta, para alegria geral: se não se restaura a moralidade, vamos todos nos locupletar.
A transgressão aos códigos, o despudor, o caradurismo e a leniência são pragas que encontram terreno fértil para germinar no País, a ponto de se indagar sobre a lógica que explica sua propagação, porquanto, em outra vertente, descortina-se um ambiente focado nos eixos da transparência, da racionalidade, do civismo e da promoção da cidadania. Não há contradição entre os dois retratos? Aparentemente, sim. Mas é preciso entender que as cargas renovadas do oxigênio moral que vivifica os pulmões da sociedade são engolfadas por ares poluídos que correm pelos canais da administração pública, como é o caso do chamado valerioduto, objeto de investigação pela Justiça. Ademais, o quadro degenerativo decorre de mudanças que se operam nos dutos do próprio sistema democrático. Nas últimas décadas a democracia baixou de patamar. A democracia atomizada do século 19 foi substituída pelo ciclo das tecnodemocracias, pavimentadas por complexos negociais e quadros burocráticos. Sob essa configuração, as clássicas estruturas de contrapeso - os três Poderes - perderam vitalidade, enquanto a nova tríade do poder (negócios, burocratas e políticos) começou a dar o tom. Na esteira, a política passou a se guiar pelo impulso da economia.
A peça Brasil se encaixa perfeitamente na cartela. O discurso econômico, se já era forte antes, ganha força na era Lula. Domina as agendas do Executivo e do Legislativo, funciona como polo de disputa entre unidades federativas (veja-se a polêmica sobre os projetos do pré-sal), planta obras nos espaços (obreirismo faraônico do PAC) e, por fim, apaga fogueiras que poderiam incendiar o ambiente institucional, como centrais sindicais e movimentos que se esbaldam com recursos das fontes do Estado. O sindicalismo brasileiro hoje é movido à pecúnia. Não por acaso, uma nova oligarquia se instalou no centro do poder. São os filhos do sindicalismo de resultados. E haja resultados! Os fundos de pensão são as estrelas da constelação. Só a Previ dispõe de mais de 200 cargos nas grandes empresas do País. A teia nos intestinos da administração propicia uma simbiose interburocrática, reunindo alas sindicais, correntes partidárias e dirigentes indicados por grupos empresariais. A nova oligarquia, para se preservar, esforça-se para tornar o Estado um ente ativo e cada vez mais forte. Eis a cara do neocapitalismo esboçado pelo governo e que encontra respaldo no grande empresariado, cuja força crítica feneceu ante os benefícios que lhe são concedidos. O programa de redução do IPI (linha branca, automóveis) é um exemplo.
Transparece sob esse pano de fundo a figura de um governismo opressor, que coopta perfis mais refratários e aviva os mais recônditos desejos. O confortável cobertor econômico - alinhavado no passado e aperfeiçoado pelo governo Lula - confere ao presidente poderes nunca d"antes conseguidos por antecessores. E o que faz o chefe? De maneira competente, diga-se, preenche os buracos da pirâmide social com programas para todas as classes. Chovem loas nos arredores do Palácio do Planalto. Não satisfeito, o presidente avança. Costura alianças, convoca siglas para o balcão de benesses e esnoba o poder da crítica, a partir da imprensa, que, no fundo, ganha seu desprezo. Partidos amorfos, oposições flácidas, empresariado cooptado, sindicalismo de gaveta, base econômica sob rígido controle ajudam a compor a conclusão: o Brasil, sob Lula, bate às portas do céu. Nem a língua acesa do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, com sua cunha sobre o subperonismo lulista (1º/11, A2), tira o sono do comandante da campanha da ministra Dilma.