O mundo em 140 caracteres
O criador do Twitter, o sistema de mensagens curtas e instantâneas
que se tornou o maior sucesso recente da vida digital, diz que ainda
é cedo para avaliar seu impacto global
Paula Neiva
Kim Kulish/Corbis/Latin Stock | "Nosso serviço é aquele tipo de coisa de que ninguém sabia que precisava até começar a usá-lo" |
Dois anos atrás, o americano Christopher Isaac Stone, mais conhecido pelo apelido de infância Biz Stone, de 35 anos, criou o Twitter em parceria com os amigos Jack Dorsey e Evan Williams. O Twitter, que permite a publicação, em tempo real, de mensagens curtas, de apenas 140 caracteres, tornou-se um fenômeno da internet, com 50 milhões de pessoas cadastradas. O modelo, inspirado nas mensagens de texto de telefone celular, inaugurou uma forma arrebatadora de comunicação via internet. Autor de dois livros sobre as origens e o significado social dos blogs, Stone está entre as 100 personalidades mais influentes do mundo, segundo a revista americana Time. Ex-funcionário do Google, ele participou do desenvolvimento de outro serviço de mídia social de grande repercussão, o Blogger. Stone chega ao Brasil nesta terça-feira, para participar do Encontro Agenda do Futuro, do Grupo TV1, em São Paulo. De seu escritório, em São Francisco, Stone concedeu a seguinte entrevista a VEJA.
Apenas dois anos depois da fundação do Twitter, a revista Time incluiu seu nome na lista das 100 pessoas mais influentes do mundo. Não é cedo demais para virar celebridade?
O caminho está só no começo. Por isso, ainda é cedo para ter plena consciência do que está ocorrendo. A escolha da revista Time foi um prêmio pela dedicação do nosso time, que realmente criou algo especial.
"Muitas pessoas buscam na internet informações sobre seu microcosmo. Elas querem saber por que está faltando luz ou a razão do barulho na vizinhança e esperam que alguém saiba e coloque na rede" |
O que desperta maior interesse no Twitter?
Fofocas ou notícias?
Nem um nem outro. O que desperta maior interesse são os assuntos relacionados à comunidade em que o usuário está inserido. Observamos que muita gente busca informações sobre seu microcosmo. Ou seja, se falta luz no bairro ou se há um barulho incomum, as pessoas buscam informações no Twitter, sabendo que seus vizinhos estão na mesma situação. É natural esperar que alguém saiba o que está ocorrendo e coloque isso na internet. Nossa ferramenta se tornou uma maneira de alguém se conectar imediatamente com pessoas que estão passando ou que passaram por uma mesma situação. Existe um senso de comunidade, com as pessoas interligadas e sabendo que vão encontrar informações atualizadas sobre interesses em comum. Dessa forma, o que mais movimenta o Twitter não é um tipo de post ou um post específico, mas o conjunto de muitos posts sobre uma enormidade de temas.
Algumas empresas impedem o uso do Twitter por seus funcionários. Não deveria ser o contrário?
É compreensível que as empresas queiram preservar informações internas, confidenciais e que pensem em restringir sua divulgação. Por outro lado, nem sempre uma indiscrição é negativa para a empresa. A repercussão dessas informações pode causar grande benefício, ao aumentar o interesse do público. Pelo menos nos Estados Unidos, esse é um fenômeno que já ocorreu com muitos programas de televisão. Várias empresas usam esse recurso como marketing. Mas ainda é preciso testar possibilidades para estabelecer os limites dessa ferramenta.
Barack Obama abusou do Twitter para mobilizar os eleitores e arrecadar fundos na campanha. Isso não torna as eleições mais superficiais?
A internet foi criada para dar a todos a possibilidade de obter e publicar informações. Essa troca livre e desimpedida é muito poderosa. O problema era a barreira técnica. Muita gente deixa de publicar na internet por desconhecer a linguagem técnica do meio. O Twitter reduziu essa barreira. O único requisito para publicar é saber digitar. Os políticos precisam estar conectados com seus eleitores. Como o Twitter permite a conexão direta, é natural que tenha se tornado uma ferramenta presente nas campanhas políticas. Não há nada de errado nisso. Quanto mais pessoas compartilharem informações, melhor para todos.
A revolta popular contra a fraude eleitoral no Irã foi chamada de "Revolução do Twitter". Surgiu um novo inimigo das ditaduras?
Acredito que a troca e a circulação de informações podem ter, sim, um impacto positivo em escala global. A troca aberta de informações é algo desejado há muito tempo. O que criamos, no fundo, foi uma daquelas raras coisas de que não sabemos que precisamos, até o momento que passamos a usá-las.
As pessoas agora medem seu sucesso pessoal de acordo com o número de seguidores que arrebanham no Twitter. Isso é sadio?
Elas certamente estão oferecendo informações relevantes a outras pessoas. A forma mais eficiente de ter muitos seguidores é "tuitar" informações úteis e de interesse para o maior número de pessoas que compartilham determinado perfil. Nem sempre é preciso ser algo inédito. Pode ser uma citação ou um endereço da web interessante. É natural que as pessoas queiram ter um número cada vez maior de seguidores. Muitas usam o cartão de visita e a assinatura de e-mail para propagandear que já estão no Twitter.
Alguma estratégia de aumentar o número de seguidores no Twitter já o surpreendeu?
A primeira que me vem à cabeça é a foto que o ator Ashton Kutcher publicou da própria mulher, a atriz Demi Moore, de calcinha. Até gostaria de saber se ele teve problemas em casa por causa disso. Foi um sucesso instantâneo.
Que mensagem mais o comoveu?
No ano passado, um estudante da Universidade da Califórnia em Berkeley, James Buck, descobriu que jovens no Egito organizavam protestos usando seus contatos no Twitter. Ele viajou para o Egito para acompanhar uma manifestação e foi preso. Como os policiais não confiscaram seu celular, ele conseguiu "tuitar" uma única palavra: "Preso". Os amigos que sabiam onde ele estava contataram a embaixada americana. Pouco tempo depois, ele publicou: "Libertado". O episódio me abriu os olhos para um uso do serviço que eu não imaginava.
O Twitter é a quarta entre as redes sociais mais acessadas no Brasil, com 10 milhões de visitantes por mês. O sucesso no Brasil o surpreendeu?
Há apenas dois anos nem sequer tínhamos certeza de que alguém gostaria da nossa ideia. Mas não posso dizer que o sucesso no Brasil tenha sido uma surpresa total, porque já sabia da popularidade das redes sociais no país. Parece que a vontade de se conectar com outras pessoas é algo intrínseco à cultura do brasileiro.
Qual a principal diferença entre o Twitter e outras redes sociais, como o Orkut e o Facebook?
Nas redes sociais, a pessoa é obrigada a seguir quem o segue. Ou seja, para ter acesso às informações de alguém, é preciso que essa pessoa também esteja na sua rede de contatos. No Twitter, não. Não há necessidade de reciprocidade para seguir alguém. Você pode não seguir ninguém e ter milhares e até milhões de seguidores.
"Hoje, 4 bilhões de pessoas têm celular, mas apenas 1,5 bilhão acessam a internet. Em alguns anos, qualquer pessoa, não importa onde viva, participará de redes sociais e usará ferramentas como o Twitter" |
Como ocorreu com outros sucessos digitais, o destino do Twitter é ser vendido logo?
Não temos nenhum interesse em falar sobre vender a ferramenta. Estamos construindo uma companhia que é nossa e que ainda estará viva por muito tempo.
Sem publicidade, qual será o modelo de negócio dessa rede que vocês criaram?
Somos uma empresa muito jovem. Temos outras prioridades. Precisamos nos concentrar em expandir o serviço e ter a certeza de que o Twitter se tornará uma ferramenta indispensável na vida das pessoas. Estamos abrindo portas, mas a exploração comercial não é nossa maior preocupação no momento.
Os investidores que deram dinheiro a vocês não pressionam para chegar a algum modelo que dê lucro?
Queremos inventar uma fórmula que não aborreça o usuário. Estamos trabalhando na criação de ferramentas desenvolvidas para empresas. Até o fim do ano, vamos ter contas específicas para empresas. O serviço terá uma fase inicial experimental. É daí que poderá vir o retorno para quem investiu em nossa ferramenta.
A ideia de cobrar não pode assustar os usuários não comerciais?
Não. O Twitter continuará sendo gratuito para todos. Mas a empresa que quiser poderá ter acesso a ferramentas adicionais, que mostrem se uma mensagem específica fez sucesso ou não, que permitam análises ou a ajudem a ser mais atraente para o público que deseja alcançar. Além disso, haverá uma espécie de certificação de que aquele Twitter realmente pertence àquela empresa.
Mantido o atual ritmo de crescimento, o que se pode prever sobre o futuro imediato das redes sociais?
O mundo terá mais mobilidade devido ao acesso móvel à internet. Hoje, 4 bilhões de pessoas têm celular, mas apenas 1,5 bilhão dispõem de acesso à internet. Daqui a alguns anos, qualquer pessoa, independentemente da idade e do local onde viva, participará de redes sociais e usará ferramentas como o Twitter. Acho que haverá uma integração entre as redes sociais, em decorrência não apenas da evolução da tecnologia, mas da vontade das pessoas.
O que não aparece de modo algum em seu Twitter?
Qualquer coisa que desagrade a minha mulher. Não quero ficar em apuros em casa. Não que eu esteja sempre ligado nisso. O que quero dizer é que, de maneira geral, deixo de fora informações de cunho pessoal, que possam fazer com que eu me arrependa mais tarde.
Como o Twitter é rápido e fácil de usar, muita gente acaba revelando nele justamente coisas das quais se arrepende depois...
Eu mesmo já passei vergonha uma vez, um ano atrás. Temos um sistema que permite enviar mensagens sigilosas a um destinatário específico. Escrevi a minha mulher informando a hora de chegada do trem em que eu viajava e pedindo que me encontrasse na estação. A mensagem terminava com um "eu te amo". Fiz algo errado e mandei essa mensagem a todos os meus seguidores. Quando percebi o engano, já tinha recebido comentários com brincadeiras ou dizendo que me amavam também, mas que não ia dar para me buscarem na estação de trem.
Muita gente expõe de forma excessiva sua intimidade na internet...
As pessoas estão aprendendo que, quando fazem um blog e publicam coisas na rede, não são apenas os amigos que veem e participam de sua vida. Muitas ficam chocadas quando se dão conta de que estão realmente expondo sua vida em um ambiente público. Creio que aos poucos elas vão aprender a selecionar o que realmente querem compartilhar com os outros.
Vi que Biz Stone segue 288 pessoas pelo Twitter. Dá tempo de ler tudo o que elas publicam?
Não vejo problema em seguir muitas pessoas, porque as atualizações são mensagens curtas. Checo minha conta muitas vezes ao dia, mesmo quando estou no supermercado ou no táxi. Quero estar sempre por dentro do que está acontecendo.
Mas são 288 pessoas mandando mensagens o tempo inteiro. Alguma coisa escapa, certo?
Sinceramente, acho que deixo de ler algumas coisas. Mas tudo bem. Essa é a beleza do Twitter. Como as atualizações são curtas e simples, não é preciso preocupar-se com a perda de algumas delas. Outra coisa de que gosto é que, ao contrário do e-mail e das mensagens instantâneas, no Twitter não há necessidade de resposta. Você responde se quiser, e quem publica não tem a expectativa de resposta. Se você ficar longe do Twitter por alguns dias, ninguém vai se zangar com você por isso. Cada dia que passa, eu recebo mais e mais e-mails em minha caixa postal. O e-mail é um sistema impraticável, pois é simplesmente impossível responder a toda a demanda que cria. O Twitter permite fugir dessa obrigação.