O novo chefe da espionagem
O governo troca o comando da Abin pela quarta vez,
mas não enfrenta os problemas estruturais do órgão
Sofia Krause
Dida Sampaio/AE |
WILSON TREZZA Assumiu interinamente o cargo depois do escândalo das escutas ilegais que envolveu seu antecessor |
Os manuais de inteligência ensinam que os mais eficientes serviços de espionagem são aqueles que agem com discrição, sem ser percebidos. Observada essa regra, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) é uma espécie de marco zero da incompetência. O órgão vive às voltas com escândalos, denúncias de irregularidades e problemas em geral que já tragaram quatro de seus comandantes apenas no governo Lula. É um recorde absoluto de instabilidade no emprego. Na semana passada, o Congresso sabatinou Wilson Trezza, o quinto diretor-geral nos últimos seis anos, que assume o cargo no rastro de um dos mais estrondosos casos de espionagem ilegal da história – a conhecida Operação Satiagraha, em que quase uma centena de agentes se envolveu em grampos e vigilância clandestinos de ministros do governo, juízes, empresários e jornalistas. Perguntado a respeito do caso, o novo diretor afirmou: "Na minha gestão, a Abin não fez e não fará (grampo) sem respaldo legal. Se algo nesse sentido aconteceu, o que não acredito, todas as providências cabíveis serão tomadas". Para um homem cuja matéria-prima são a coleta e a análise de informações para subsidiar as decisões do presidente da República, Trezza começou mal.
Fotos Marcello Casal Jr/ABR e Lula Marques/Folha Imagem |
GALERIA Os delegados Paulo Lacerda e Mauro Marcelo: grampos e "bestas-feras" |
Seu antecessor, o delegado Paulo Lacerda, foi afastado do cargo depois de seus arapongas terem sido denunciados por captar conversas telefônicas entre um senador e um ministro do Supremo Tribunal Federal. É fato que, mesmo nas democracias mais avançadas, ainda não se encontrou uma forma de manter na mais absoluta linha da legalidade um órgão que tem como função obter informações não disponíveis. Há quem acredite que isso é uma missão impossível. O histórico da Abin, porém, beira o bizarro. Em menos de seis anos, a instituição trocou de mãos quatro vezes. Fora os casos de flagrante abuso, como o do delegado Lacerda, existem episódios estranhos, como o do ex-diretor Mauro Marcelo, que foi demitido após chamar a CPI dos Correios de "picadeiro de bestas-feras", e o do ex-diretor Márcio Buzanelli, que caiu em desgraça depois que o presidente Lula levou uma sonora vaia durante a abertura dos Jogos Pan-Americanos, no Maracanã. A Abin montou uma gigantesca estrutura no Rio de Janeiro, mas não conseguiu antecipar a constrangedora vaia contra Lula, supostamente organizada por adversários políticos. O problema é que isso não é atribuição da Abin, como também não cabe a ela ficar espionando o MST, ministros, jornalistas e políticos em geral. Diz Joanisval Gonçalves, doutor em relações internacionais, especialista em inteligência de estado: "A Abin foi criada para assessorar o Poder Executivo quanto a ameaças reais ou potenciais à segurança nacional, ao estado democrático de direito, e não para ficar fazendo trabalho político ou de polícia".