O GLOBO
Uma marca registrada da televisão americana é o formato peculiar dos programas noturnos de entrevistas. Os temas de cada dia podem ser os mais sérios, mas o entrevistador sempre tem algo a declarar. O que ele faz, geralmente, num monólogo de abertura, sempre carregado de ironia, quando não humorístico do começo ao fim.
Deve ser uma boa fórmula, ou não seria usada há décadas por todas as redes e muitas TVs independentes.
Hoje em dia, o mais popular programa do gênero nos EUA é o de Dave Letterman.
Seus monólogos costumam ter como tema o comportamento dos políticos americanos. Faz sentido: lá como cá, batidas e derrapagens dessa turma dão munição farta para crítica, sátira e cobrança.
Às vezes, Dave, em geral muito engraçado e inteligente, exagera.
Há alguns anos, fez uma pergunta grosseira a uma atriz de filmes pornô, e no dia seguinte sentiu-se obrigado a apresentar um longo pedido de desculpas. Mais recentemente, também passou dos limites numa entrevista com a ex-candidata a vice-presidente Sarah Palin, e outra vez teve de fazer uma visita a Canossa, como se dizia antigamente.
O episódio mais recente é bem mais apimentado. Ele, que é casado, incluiu no seu monólogo de abertura do programa a confissão de que já tivera uma quantidade de casos amorosos com companheiras de trabalho.
A confissão não era produto de arrependimento espontâneo: fora a forma que encontrara para desarmar um chantagista que tentava lhe arrancar dois milhões de dólares.
Pode ter sido boa saída, financeiramente falando. Mas, em parte por isso mesmo, não se pode dizer que, do ponto de vista moral, limpou a pedra para o embaraçado Dave.
O episódio chama a atenção para um aspecto importante das relações entre profissionais como ele e o público. Artistas costumam, com razão, alegar que, longe de palcos e telas, sua vida lhes pertence e não têm qualquer obrigação de levar o espectador para casa. Exigem, com razão indiscutível, respeito por sua privacidade.
É evidente que o mesmo espectador tem igual direito a responder: “Você é pago para me entreter, não para me fazer confissões embaraçosas não solicitadas. Ligo a TV para me divertir. Portanto, deixe seus problemas em casa e comece a me fazer rir.” Concordo que parece um tanto cruel. Mas, se pega a moda da autoimolação em cena aberta, a televisão vai ficar chatíssima.
Entrevista:O Estado inteligente
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