Chegou a hora da colheita
O próximo governo terá a oportunidade de elevar
as taxas de crescimento econômico sustentável
a 6% ao ano. Bastará recuperar a agenda de reformas.
É o que demonstra o livro Brasil Pós-Crise
Giuliano Guandalini
Fotos Pedro Martinelli/ Clodoir de Oliveira/ Cacalos Garrastazu/Valor/ Folha Imagem |
REFORMISMO FACTÍVEL |
VEJA TAMBÉM |
• Quadro: Cenário promissor |
Será algo inédito na história do Brasil. Nada de crises internas ou externas. Por isso, quando o próximo presidente assumir o poder, em janeiro de 2011, ele terá condições ideais para encarar o desafio que derrotou todos os seus antecessores. Esse desafio é desbastar as barreiras que restringem a aceleração do crescimento e retardam o ritmo de avanço social dos brasileiros. O novo presidente terá a chance de soltar as amarras que impedem o Brasil de atingir seu potencial máximo de desenvolvimento. Além do ambiente interno e externo favorável, ele partirá de um patamar alto, fruto das conquistas de seus antecessores. A partir do Plano Real, o Brasil desistiu de procurar um modelo próprio e ilusório de desenvolvimento, integrou-se ao mundo, aderiu ao pragmatismo e hoje é claramente recompensado por isso. O novo (ou a nova) presidente herdará de Lula uma economia saudável, com o aprimoramento contínuo dos indicadores sociais. A velocidade do avanço na próxima década, contudo, dependerá da disposição reformista do novo governo, que começará a ser escolhido daqui a um ano, quando ocorre o primeiro turno da eleição, em 3 de outubro de 2010.
Se quiser romper de vez com a mediocridade, reequilibrar o status quo e não se contentar com avanços que mal dão conta de cobrir as demandas impostas pelo aumento da população, o país precisará recuperar a agenda de reformas institucionais e econômicas. Esse é o argumento central de Brasil Pós-Crise – Agenda para a Próxima Década (Campus/Elsevier; 384 páginas; 89,90 reais), organizado pelos economistas Fabio Giambiagi e Octavio de Barros, que acaba de chegar às livrarias. O trabalho reúne a colaboração de mais de duas dezenas de economistas e oferece uma agenda de propostas para que o Brasil possa tirar melhor proveito das perspectivas que se lhe abrem no mundo pós-crise. Como? Essencialmente, aprofundando o ajuste nas contas públicas e ampliando a eficiência do governo, reduzindo o custo do crédito, dirimindo os entraves aos investimentos produtivos e aperfeiçoando os gastos sociais. O trabalho prima por oferecer alternativas politicamente exequíveis, mesmo em se tratando de verdadeiros campos minados, como o são as reformas da Previdência e tributária. Para os autores, de nada adiantaria sugerir ajustes que, embora teoricamente ideais, nunca teriam respaldo mínimo da sociedade. Por outro lado, abrir mão das reformas significaria sacrificar em parte o cenário promissor para os próximos anos.
Gustavo Moura |
PODER DO CONSUMO |
Projeções feitas com exclusividade para VEJA por Octavio de Barros, diretor do Departamento de Pesquisas Macroeconômicas do Bradesco, dão uma ideia do ganho substancial que poderá ser auferido pela população caso o próximo governo tenha a coragem de promover as reformas. Em um cenário classificado como básico, sem levar em conta nenhum ajuste mais profundo na economia, o PIB deverá avançar numa velocidade média de 4,7% ao ano no período que vai de 2011 a 2020. Se assim for, o PIB per capita médio (isto é, o total produzido pela economia em um ano dividido pelo número de habitantes) será de 21.900 reais na próxima década (veja quadro na pág. 80). Em um cenário alternativo, estimando o impacto positivo das reformas, o ritmo de crescimento subiria para 6% ao no – e o PIB per capita atingiria 29.400 reais, isto é, os brasileiros seriam 34% mais ricos. "Muitos podem achar que 4,7% de crescimento médio seja excelente. Não se pode discordar disso quando olhamos para trás, mas dispomos de estudos que nos fazem crer que essa taxa é pouco ambiciosa", afirma Barros. "Temos condições de catapultar o avanço na próxima década para um patamar em torno de 6%. Mas ninguém imagina que as reformas saiam por decreto. Elas precisam ser construídas a partir de consensos. É nisso que temos de apostar."
Nilton Fukuda/AE |
BRASIL KAFKIANO |
O "consenso" que pode ser descrito como mais urgente – quase emergencial – é o que diz respeito à contenção do avanço nos gastos públicos. Escreve Delfim Netto, autor de um capítulo sobre a agenda fiscal: "A combinação da extravagante carga tributária com a enorme ineficiência do setor público coloca, certamente, o estado brasileiro entre um dos mais pesados do mundo, sendo esse um dos fatores mais importantes a retardar a aceleração de nosso desenvolvimento". Entre outras propostas, Delfim sugere que os gastos do governo passem a crescer numa proporção equivalente à metade do avanço do PIB, o que permitiria uma redução paulatina da dívida pública e um alívio nos impostos. Uma das sugestões para alcançar esse objetivo é fazer com que os servidores custem menos e produzam mais. Outro ponto é estancar o dreno da Previdência, que é, sem dúvida, o maior desafio para as contas públicas no futuro, especialmente por causa do aumento do número de idosos. "O Brasil corre o risco de ficar velho antes de ficar rico", diz Delfim. A questão está em como destravar essa reforma diante da atuação de lobbies ferrenhos no Congresso, do corporativismo dos servidores e da resistência política. A saída possível, argumenta Fabio Giambiagi, é fazer ajustes que não mexam nos direitos dos atuais aposentados e prevejam um período de transição para o novo sistema. As regras mais duras seriam válidas apenas para aquelas pessoas que começariam a trabalhar depois da aprovação das novas medidas. "É natural que o assunto desperte controvérsia", diz Giambiagi, que é economista do BNDES e já escreveu diversos artigos e um livro dedicados à questão previdenciária. "Mas as transformações demográficas que a sociedade brasileira vai vivenciar no futuro são inexoráveis. É preciso desde já começar a pensar no perfil de país desejado daqui a vinte anos."
Além de encarar as finanças públicas com rigor redobrado, o próximo governo, ao lado do Congresso, deveria se empenhar na realização de reformas que deem mais eficiência à economia, diminuindo os custos de fazer negócio e ampliando a competitividade. Avaliado por diversas pesquisas internacionais, o Brasil aparece sempre nas últimas posições nos quesitos burocracia, custos tributários e eficácia do Judiciário. São entraves que mal chegaram a ser arranhados pelo atual governo, notório pela disposição reformista ínfima, sobretudo agora, quando caminha para seus instantes finais. Nesse aspecto, um nó gigantesco é o sistema tributário. Segundo estudos do Banco Mundial, as empresas brasileiras despendem 2.600 horas ao ano para recolher todos os seus tributos, o pior número entre 177 nações avaliadas. Além disso, o sistema atual é recheado de cobranças indiretas, que incidem sobre o consumo e pesam mais sobre quem ganha menos – o inverso do que seria lógico e justo. A proposta de Francisco Dornelles e José Roberto Afonso é reduzir o número de impostos e criar um cadastro único de contribuintes para todo o país, além da emissão de notas eletrônicas padronizadas no território nacional. Assim, as empresas não teriam mais de enfrentar 27 legislações e procedimentos distintos em cada um dos estados da federação.
Tiago Queiroz/AE |
A FORÇA DO CRÉDITO |
Essas propostas são apenas um exemplo de reformas que o Brasil já deveria ter feito – e sem as quais corre o risco de perder uma chance única. O país ingressou em uma de suas fases mais promissoras. As exportações continuarão a se beneficiar do crescente consumo asiático. Ao mesmo tempo, a demanda doméstica, incentivada pelo maior acesso ao crédito e pela melhora na renda, cresce como em poucos lugares no mundo. Para completar, o Brasil contará, nas próximas duas décadas, com o chamado "bônus demográfico". Isso quer dizer que a quantidade de crianças e de velhos que dependem dos rendimentos produzidos pela população em idade ativa recuará para patamares baixos. É nessas fases que os países conseguem dar saltos expressivos de produtividade. Por todos esses fatores, é como se os astros estivessem enfileirados num alinhamento raro, favorecendo o desenvolvimento social. Ao próximo governo caberá ter a convicção da necessidade de fazer as reformas e a habilidade política para executá-las. No livro Brasil Pós-Crise, os candidatos – e toda a sociedade – encontrarão um ponto de partida para esse debate.
|