Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 04, 2009

Ele ainda não pôde Miriam Leitão

O GLOBO

PANORAMA ECONÔMICO

O homem na frente da fila era falante. Virou-se para trás e perguntou de onde eu era. “Beautiful city”, disse ele demorando-se nas vogais para dar ênfase à beleza do Rio. Em seguida, começou a falar o que pensa da política dos Estados Unidos. É democrata, está furioso com os republicanos que não deixam Barack Obama governar, acha que os erros econômicos ainda não foram corrigidos

A cientista política Theda Skocpol, de Harvard, acha que o presidente Barack Obama tem mais dez ou onze meses, no máximo, para fazer seu governo funcionar e mostrar mudanças. Depois disso, a eleição para a renovação de parte do Congresso pode mudar o quadro político. O resultado dessa eleição de meio de mandato sempre foi definidor da capacidade de os presidentes governarem nos dois anos finais e, portanto, da chance de reeleição.

A professora eu ouvi num painel sobre Obama que reunia outros cientistas políticos.

O homem, eu ouvi na fila para compra de ingressos no Carnegie Hall, em Nova York.

Curiosamente, os dois faziam o mesmo alerta: o presidente americano, eleito num movimento avassalador de desejo de mudança, está parado em várias frentes e não consegue apoio do Congresso para nenhuma de suas propostas. E este é o melhor momento, porque ele ainda tem maioria no Congresso.

Em 2010, Obama pode perder essa maioria.

O diplomata Luiz Felipe Lampreia usou numa conversa comigo outro dia uma expressão curiosa sobre o dilema do presidente americano: — Coitado do Obama, está com dez panelas no fogo ao mesmo tempo! Ele propôs a mudança da regulação financeira mas ela não foi aprovada ainda; ele conseguiu aprovar na Câmara a lei climática para a redução das emissões de carbono mas o assunto ainda tramita no Senado; ele enfrenta problemas na aprovação da reforma do sistema de saúde. Essas três panelas já são o suficiente para tornálo um presidente dividido ou um cozinheiro à beira de queimar o jantar.

Obama está espremido pelo tempo da política americana.

Se não levar algo concreto na reunião do Clima em Copenhague vai frustrar a melhor esperança de mudança que havia nas negociações climáticas, a do rompimento do imobilismo negacionista americano. Se não aprovar uma nova regulação financeira não vai cumprir o que prometeu: evitar que os bancos repitam os mesmos desatinos. Se não aprovar a reforma do sistema de saúde terá perdido o que elegeu como a grande marca de seu governo.

— A economia de vocês está em melhor situação.

Tomara que tenham aprendido com os nossos erros — disse o homem da fila do Carnegie Hall, que passou a contar sua vida.

Seu avô chegou aos EUA vindo da Alemanha, há mais de 100 anos, e ele já tem netos nascidos lá.

— Sou de uma família de imigrantes de quatro gerações na América. Não tenho nada contra imigrantes, mas meu avô teve que aprender inglês, ter todos os papéis, se integrar à cultura. Meu pai teve que ser melhor do que ele; eu melhor do que meu pai. Hoje, as escolas dão aulas em espanhol porque imigrantes sem documentação não querem aprender inglês.

Mesmo tendo votado em Obama, ele reage aos imigrantes, uma ferida aberta principalmente em épocas de pouco emprego. Mas neste momento o que mais o preocupa é o desempenho de Obama que vem sendo bloqueado pela reação da oposição republicana.

Os Estados Unidos estão divididos. Os políticos discutem minúcias. A reação a Obama parece fora de propósito como nas críticas feitas a uma simples fala aos estudantes, no começo do ano letivo, para que estudem mais. Os republicanos diziam que era “doutrinação socialista”. O homem da fila acha que Obama tinha que enfrentar os republicanos.

— Ontem liguei para minha neta que mora em Washington.

Disse a ela que o governo tem que aproveitar que tem maioria nas duas Casas e votar as mudanças. Eles não vão deixá-lo governar e você sabe por quê — me disse o falante da fila, sugerindo, em seguida, que o velho racismo continua presente.

Se é racismo ou o natural confronto entre democratas e republicanos, é tema que divide analistas. Hoje, os cientistas políticos ainda divergem sobre o que a eleição do presidente representou. No mesmo seminário que ouvi Theda Skopcol, ouvi duas interpretações opostas sobre a eleição do primeiro presidente negro dos EUA. Larry Bartels, de Princeton, acha que Obama é mais do mesmo, sua eleição é mais um dos fenômenos de alternância de poder entre os dois partidos hegemônicos. O professor da Universidade da Pensilvânia Rogers Smith acha que Obama mudou mais do que apenas a história americana.

— É o primeiro descendente de africano que governa qualquer país de maioria branca no mundo.

Smith disse que a história racial americana é dividida em três partes: a escravidão, a segregação, e o esforço de integração. Nos outros períodos, não houve uma divisão explicitamente partidária.

Dos dois lados do quadro partidário havia apoio a políticas contra ou a favor da escravidão e da segregação.

Agora a divisão é nítida: os republicanos são todos contra qualquer política de favorecimento das minorias.

Theda Skopcol lembrou que Franklin Delano Roosevelt ao assumir teve nos primeiros meses do seu governo apoio total, suprapartidário, para as políticas de combate à depressão econômica.

Obama teve uma curta lua-de-mel e a velha polarização política americana já voltou a agir. Agora, ele tem apenas alguns meses antes da próxima eleição que pode tirar dele a maioria no Congresso.

Eu consegui meu ingresso.

Meu companheiro de fila também. Fui ver a peça do compositor Trey Anastasio “Time turns elastic” (O tempo se fez elástico). Para Obama, ele não é.

oglobo.com.br/miriamleitao • e-mail: miriamleitao@oglobo.com.br

COM ALVARO GRIBEL

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