Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 17, 2009

As memórias do "tremendão" Erasmo Carlos

Uma tremenda farra

O divertido livro de memórias de Erasmo Carlos revela
os bastidores sexuais da jovem guarda e traz anedotas
impagáveis da música brasileira


Sérgio Martins

Daryan Dornelles/ Folha Imagem
AMIGO DE FÉ
Erasmo Carlos: diálogos priápicos com o parceiro Roberto
em um banheiro de Los Angeles

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Os parceiros musicais Roberto e Erasmo Carlos já declararam sua afeição mútua na antológica canção Amigo. Na vida privada, as proclamações de amizade são menos convencionais. Nos anos 80, em um restaurante de Los Angeles, Roberto repreendeu Erasmo por sua suposta falta de asseio: o Tremendão – como é conhecido desde os tempos da jovem guarda, movimento que lançou o rock nacional nos anos 60 – não havia lavado as mãos antes de ir ao banheiro. Hipocondríaco, conhecido por suas estranhas manias, Roberto tentou convencer o parceiro de que o órgão sexual masculino é uma peça frágil, suscetível a todo tipo de infecção – tocá-lo com mãos sujas indicaria descuido com o próprio corpo. Para provar sua sintonia com o corpo, Erasmo embarcou em uma candente defesa do próprio instrumento (não musical, bem entendido). "Ele me obedece, me entende, está sempre pronto para a guerra. É meu melhor amigo", disse. "Ele já te emprestou dinheiro?", perguntou Roberto. E, diante da negativa de Erasmo, concluiu: "Então eu sou o seu melhor amigo". Esse diálogo esquisitão é uma das muitas anedotas incluídas por Erasmo em Minha Fama de Mau (Objetiva; 360 páginas; 44,90 reais), que chega a partir de sexta-feira às livrarias. Despretensioso e muito bem-humorado, o livro, com texto final do jornalista Leonardo Lichote, não é uma autobiografia minuciosa do cantor – trata-se antes de uma espécie de álbum de memórias, uma reunião de casos vividos por Erasmo em cinquenta anos de carreira, com flagrantes impagáveis da música brasileira do período.

Como é costumeiro nas memórias de artistas, o livro começa narrando a vida dura que o personagem levou antes de chegar ao sucesso. Nascido no Rio de Janeiro em 1941, Erasmo Esteves foi criado pela mãe e praticamente não conheceu o pai. Minha Fama de Mau fala dos tempos de penúria com humor. Erasmo conta da ocasião em que saiu para jantar fora com a mãe e o padrasto – evento especialíssimo para a família pobre – e cortou seu bife com tanto entusiasmo que ele foi parar em cima da mesa vizinha. A numerologia ainda não estava em voga na época, mas Erasmo Esteves alega razões místicas para o nome artístico que adotou no início dos anos 60: leu, em um almanaque, que os ocultistas atribuíam propriedades mágicas ao sobrenome Carlos.

A porta de entrada de Erasmo para o showbiz foi humilde: começou como secretário do empresário, compositor e jornalista Carlos Imperial, em 1962. Entre suas responsabilidades, estavam a programação de um show de rádio e a redação de uma coluna de fofocas. Também devia zelar para que o copo de refrigerante de Imperial estivesse sempre cheio. Em 1964, com o sucesso deFesta de Arromba, Erasmo já estava emancipado dessas atividades. Mas as armações do empresário dariam uma providencial ajuda na publicidade do cantor. Para promover a canção Vem Quente que Eu Estou Fervendo, de 1967, Imperial criou uma querela fajuta com Erasmo. Os dois até trocaram tabefes num programa da Rádio Bandeirantes – Roberto Carlos, que não sabia da farsa, tentou apartar a briga. Erasmo aproveitava o refrão para mandar recados públicos para Imperial: "Diga para ele vir quente que estou fervendo". A canção, claro, foi um sucesso.

O memorialista Erasmo Carlos dedica várias páginas à crônica sexual da jovem guarda, cujos astros eram muito assediados pelas fãs. "Éramos terríveis. Uma vez, eu e o cantor Antonio Marcos passamos três dias e três noites com diversas mulheres", disse ele a VEJA. Entre essas aventuras, há um episódio sombrio: Erasmo e o cantor Eduardo Araújo levaram umas adolescentes para o apartamento de Imperial, em 1967. Acabaram todos acusados de corrupção de menores. No livro, Erasmo garante que deixou a festa cedo, sem ter tocado nas garotas. A justificativa que Imperial deu ao juiz foi mais cafajeste: "Vossa Excelência me desculpe, mas quando conheço uma mulher não peço a carteira de identidade dela". Foram todos inocentados. O episódio ainda suscita polêmica: há dois anos, um dos motivos alegados por Roberto Carlos, na sua sanha execrável de censor, para tirar de circulação a biografia Roberto Carlos em Detalhes, de Paulo Cesar de Araújo, foi sua suposta vinculação a essa festinha (embora o livro de Araújo deixe bem claro que Roberto não esteve presente).

Ao lado do caviloso Carlos Imperial, o extravagante Tim Maia é outro personagem fundamental deMinha Fama de Mau. A amizade entre Tim e Erasmo vem da adolescência, quando o primeiro ganhava uns trocos entregando marmitas. Certo dia, Erasmo pegou Tim comendo da marmita que era destinada à sua família. Os dois brigaram feio. Tempos depois, converteram-se em amigões. Debochado, Tim gostava de fazer pouco das canções de Erasmo e criava boatos sobre o amigo – chegou a atrapalhar um negócio imobiliário ao espalhar que Erasmo estava endividado. "Eu compreendia que esse era seu jeito de demonstrar amizade", diz Erasmo, saudoso do companheiro morto em 1998. Apesar de sua longa parceria com o autor, Roberto Carlos é um personagem pálido no livro, se comparado a Tim Maia. Erasmo revela algumas excentricidades de Roberto – como o receio que ele tinha, nos anos 80, de pegar aids "pelo ar". Erasmo diz que não mostrou o livro para Roberto e que o contato com o antigo parceiro anda esporádico: "Hoje, vejo mais a Marisa Monte do que o Roberto". Minha Fama de Mau encerra-se nos anos 90. Não fala do suicídio da mulher de Erasmo, Narinha, em 1995, nem da morte de sua mãe, Maria Diva Esteves, em 2005. "Quis fazer um livro feliz", diz Erasmo. Conseguiu.


O cafajeste não vê idade

Acervo Jornal O Estado de Minas/O Cruzeiro

IRMÃOS CAMARADAS
O empresário Carlos Imperial, Roberto
e Erasmo Carlos, em 1965: brigas fajutas
para promover canções da jovem guarda


"Em meio aos carrões, às festas e às brincadeiras, houve em 1967 um equivocado processo de corrupção de menores, que quase acabou com a nossa vida. Eu e Eduardo Araújo encontramos, por acaso, umas meninas que conhecíamos de São Paulo e as levamos para a casa do (Carlos) Imperial, que ficava em frente. Cheguei, peguei a letra de uma música que ia gravar (O Carango) e fui embora. Mais tarde, a polícia pegou as meninas, que eram menores, andando sozinhas em Copacabana. Elas disseram que estavam na casa do Imperial, comigo e com o Eduar-do, numa festinha regada a álcool e sexo. Nasceu daí o processo. (...) Numa das acareações exigidas no decorrer desse processo, ficaria imortalizada mais uma das famosas frases de Imperial, quando frente a frente com o juiz disse: ‘Vossa Excelência me desculpe, mas quando conheço uma mulher não peço a carteira de identidade dela’."

Trecho de Minha Fama de Mau



Sons do amor

J. Ferreira da Silva

COMPANHEIRO DE EXTRAVAGÂNCIA
Tim Maia e Erasmo, nos anos 60: boatos e marmitas roubadas


"Tim Maia não tinha limites. Cansei de receber ligações dele que começavam com sua gravação de Descobridor dos Sete Mares em volume altíssimo, enquanto sua voz berrava:

‘Tá ouvindo? Isso é que é som, vê se aprende a fazer!’.

E meia hora depois:

‘Agora, Erasmo Carlos, você vai ouvir o som do amor que as gatinhas estão fazendo comigo’. E vinha o flaft, floft, flaft, floft."

Trecho de Minha Fama de Mau

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