A república sindicalista instalada na Petrobras
Após rachar sindicatos de petroleiros, oposição divide o controle da Petros
Dissidentes de grupo de Santarosa ocupam conselho do fundo de pensão
Chico Otavio e Tatiana Farah
UM POÇO DE POLÊMICAS: Considerada ‘governista’, a FUP vai perdendo espaço
RIO e SÃO PAULO. Controlar setores estratégicos da Petrobras, como a Comunicação Institucional, não assegurou aos fundadores da Federação Única dos Petroleiros (FUP), ligada à CUT e à tendência majoritária do PT, a hegemonia de mais de duas décadas na representação sindical dos petroleiros. Primeiro, há três anos, um grupo dissidente conseguiu atrair seis dos 17 sindicatos do setor para uma central alternativa, a Frente Nacional dos Petroleiros. Em seguida, já este ano, as três vagas do Conselho Deliberativo da Petros (fundo de pensão da Petrobras) indicadas por funcionários foram preenchidas por representantes da oposição.
Como o conselho é composto por seis membros, sendo os três restantes indicados pela Petrobras, tudo indica que o presidente do colegiado, Wilson Santarosa, terá de exercer pela primeira vez o direito ao voto de minerva para aprovar alguma decisão no segundo maior fundo de pensão do país.
As fraturas no campo sindical teriam começado quando o grupo de Santarosa, que se notabilizou nos anos 90 por enfrentar a reforma da Previdência Social promovida pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, passou a defender, no poder, mudanças nas regras de aposentadoria que tanto havia combatido.
A principal delas foi a repactuação do regime de aposentadorias da Petrobras, que passou de “benefício definido” para “contribuição definida”.
A troca representa uma profunda transformação na relação do fundo de pensão da estatal com os seus participantes. Se, até então, os funcionários da ativa contribuíam sabendo exatamente quanto passariam a receber após a aposentadoria, o novo regime só define, agora, o valor da contribuição mensal.
No fim da carreira ativa, o montante recolhido apontará o valor exato da contribuição.
Mudança em aposentadoria
O racha de 2005 na base petroleira teria acontecido depois que os dirigentes da FUP (grupo cutista, de Santarosa) incluíram a repactuação como resolução de congresso.
Baseado na corrente sindical majoritária ArtiSind (Articulação Sindical), do PT, o grupo de Santarosa começou a ser construído nos anos 80 e fortaleceu suas raízes, a partir de 1995, com a organização dos ConFUPs (Congressos da Federação Única dos Petroleiros) e da greve que chegou a parar a estatal por 32 dias.
Para o professor Marco Aurelio Santana, coordenador do Programa de Pós- Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ, o fato de existir uma liderança sindical de esquerda no poder (no caso, o presidente Lula) provocou muitos dilemas na relação entre Estado, partido, sindicato e classe.
— Em um extremo, alguns dizem que isso fez com que setores sindicais ficassem mais próximos de Lula, em busca de defender um determinado projeto, e que vêm conseguindo proteger os trabalhadores e avançar em questões sociais. No outro extremo, mais crítico, isso levou ao que chamam de atrelamento, cooptação e domesticação dos movimentos — analisa.
Os trabalhadores ligados à oposição buscam agora outros meios de representação.
O SindipetroCaxias rejeitou a FUP como negociadora de suas reivindicações em 2006 e exige a legitimação da Frente Nacional dos Petroleiros. Considerada cada vez mais “governista”, a FUP vai perdendo sindicatos. Hoje, FUP e FNP os disputam.
‘Passei para o lado de cá, da gestão empresarial’
Wilson Santarosa diz que distribuiu gerências entre ex-sindicalistas porque eles conhecem o processo produtivo
Chico Otavio e Tatiana Farah
UM POÇO DE POLÊMICAS: Executivo afirma conhecer praticamente todos os governadores e boa parte dos parlamentares
RIO e SÃO PAULO. As gerências de Comunicação da Petrobras estão entregues a ex-sindicalistas, a maioria ligada à CUT e ao PT, porque eles conhecem bem os setores de produção e têm facilidade com projetos sociais. A explicação foi dada pelo gerente executivo de Comunicação Institucional da empresa, Wilson Santarosa, ele próprio um ex-sindicalista, em entrevista ao GLOBO.
— Escolhi gente da operação porque eles conheciam o processo produtivo (refinaria, terminais e plataformas). O pessoal fez isso a vida inteira.
Por isso, a facilidade para lidar também com projetos sociais Brasil afora — disse.
Somente na Comunicação há sete ex-dirigentes de sindicatos petroleiros em cargos gerenciais. Como o setor cuida dos programas sociais da empresa, espalhados por quase mil municípios brasileiros, Santarosa admite receber uma romaria de políticos em seu gabinete. Disse que conhece praticamente todos os governadores e boa parte dos parlamentares do Congresso, prefeitos e vereadores.
— Mas tento evitar que as pessoas cheguem a mim. Dependendo da demanda, encaminho para os gerentes responsáveis — contou.
Santarosa, cuja gestão deve ser questionada pelos integrantes da CPI da Petrobras (ele é acusado de favorecer prefeituras da base aliada nos contratos de patrocínio), diz que pode ser alvo de retaliação, embora negue que ceda a pressões políticas.
O gerente alega que todos os projetos que são apresentados em busca do patrocínio da estatal (de 2007 a 2008, mais de 25 mil propostas) recebem o mesmo tratamento na empresa.
Ex-operador de Transferência e Estocagem da Petrobras que se aposentou com 17 Ex-operador de Transferência e Estocagem da Petrobras que se aposentou com 17 anos de casa, em 1992, quando o governo FH se preparava para fazer uma reforma nas regras da Previdência Social, Santarosa exibe em sua sala uma mesa repleta de troféus, conquistados ao longo de seis anos na Gerência de Comunicação.
“Nos tempos do sindicato, me notabilizei pelas sacadas”
Do conjunto de prêmios, conta, com orgulho, ter sido indicado para o Prêmio Caboré, um dos mais cobiçados do mercado publicitário brasileiro.
Também recebeu três vezes o Prêmio “Homem do Ano da Comunicação”, oferecido pela Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (de 2004 a 2006).
Santarosa se considera um especialista em Previdência Social. Eleito, em 1995, conselheiro do fundo de pensão da Petrobras (Petros), disse que levantou detalhes de todos os problemas dos planos de aposentadoria da estatal, razão pela qual foi convidado pelo então presidente da empresa, José Eduardo Dutra, para assumir a presidência do Conselho em 2003.
— Passei para o lado de cá, da gestão empresarial. Em vez de guerra judicial, buscamos a via da negociação com os participantes. Foram seis anos até chegarmos a um acordo. Houve a repactuação, e a Petrobras se comprometeu a depositar R$ 5,7 bilhões no fundo — disse.
Ele também considera natural a sua escolha, em 2003, para assumir o comando da Comunicação da Petrobras.
— Nos tempos do sindicato, me notabilizei pelas campanhas, pelas sacadas. Como trabalhava com divulgação, disseram: esse é o cara da comunicação.
A república sindicalista instalada na Petrobras
Pelo menos 22 ex-ativistas ocupam hoje postos estratégicos na estatal
Chico Otavio e Tatiana Farah
RIO DE JANEIRO e SÃO PAULO
UM POÇO DE POLÊMICAS
Protestar, ocupar, parar e resistir. A vida sindical parecia não trazer outros desafios para Wilson Santarosa e seus companheiros, líderes de jornadas que paralisaram refinarias e campos de produção da Petrobras nos anos 80 e 90. A cada crise, fosse um vazamento ou uma plataforma afundada, lá estavam eles, tentando alimentar o noticiário com denúncias.
Mas os tempos mudaram, e os desafios também. Hoje, pelo menos 22 deles saltaram das assembleias e dos piquetes para postos estratégicos na estatal.
Juntos, formam a república sindical que movimenta uma poderosa máquina política, presente em projetos sociais de 938 prefeituras, no comando do segundo maior fundo de pensão do país e do programa do biodiesel.
A lista, levantada pelo GLOBO, aponta ex-sindicalistas na presidência e nas gerências de Gás e Energia, Comunicação Institucional e Recursos Humanos da Petrobras, além da Transpetro e da direção da Petros, fundo de pensão com 64 mil participantes ativos e patrimônio de R$ 47 bilhões. Dos 22 nomes, egressos da Federação Nacional dos Petroleiros (FUP) e da Articulação Sindical, versão da corrente majoritária petista no sindicalismo, 17 são vinculados ao PT — como ex- candidatos, ex-colaboradores de governo, exparlamentares e doadores de campanha — e um ao PCdoB.
A maioria do grupo militou nas bases de São Paulo e Rio de Janeiro, mas há também ex-dirigentes da Bahia e do Ceará. Nas greves de 1983, ano da fundação da CUT, e principalmente de 1995, quando os petroleiros pararam a empresa por 32 dias, eles forjaram a fama de “ponta firme”, gíria sindical para militante determinado e confiável. Três deles chegaram a processar a Petrobras e a Agência Nacional do Petróleo (ANP). Um, inclusive, acompanhou militantes do MST na invasão da sede da ANP no Rio.
Do discurso inflamado, porém, nada restou. No poder, o grupo trocou o megafone pelos ternos e os jornais do sindicato pelas grandes campanhas publicitárias.
Alguns compraram empresas. Outros saíram de vilas operárias para morar em imóveis de bairros nobres. São assediados pela classe política e empresarial, e já aprenderam a circular em salões e roteiros internacionais.
Responsável pela verba publicitária, pelo relacionamento com a mídia e pela distribuição de recursos para programas sociais e ambientais (só em 2008 foram destinados R$ 544 milhões para mais de 2.300 projetos), a Comunicação Institucional é o abrigo preferencial dos ex-sindicalistas. Sete deles estão lá, entre os quais Wilson Santarosa, ex-presidente do Sindicato dos Petroleiros de Campinas (SP), que comanda a gerência. Além dessa, as quatro gerências regionais, a Comunicação de Crise e a Gerência de Relacionamento (Comunicação interna) estão sob o controle de ex-dirigentes sindicais.
Demitido por greve hoje gerencia crises
O gerente de Crise, Erasmo Granado Ferreira, é o exemplo mais emblemático dessa mudança de atitude dos sindicalistas. Como dirigente do SindiPetro de Campinas, partiu para o confronto com a estatal e acabou demitido na greve de 1983, sendo anistiado em 2004. Hoje, comanda com zelo extremo o controle de dados que possam comprometer a imagem da empresa.
Com 1.150 funcionários, a Comunicação Institucional gastou nos últimos três anos mais de R$ 900 milhões anuais. Seus gerentes são acusados de favorecer prefeituras aliadas na distribuição de recursos sociais.
Este ano, por exemplo, o PT lidera as prefeituras do Nordeste que tiveram festas juninas patrocinadas pela empresa — 20 de um total de 86, seguidas pelo PMDB, com 12.
O RH é outro setor estratégico nas mãos de sindicalistas. O gerente, Diego Hernandes, ex-dirigente do SindiPetro de Mauá, responde pela relação com sindicatos, associações de classe e a Petros. Apesar da experiência, a tarefa é espinhosa. O grupo de Diego deixou de ser maioria absoluta no setor petroleiro — dos 17 sindicatos, seis são dissidentes — e o gerente, ao lado do presidente da empresa, José Sergio Gabrielli, já foi alvo de enterro simbólico realizado por aposentados.
No setor de Gás e Energia, o gerente de Desenvolvimento Energético, Mozart Schmitt de Queiroz, é exdirigente do SindiPetro do Rio. Ele cuida de temas como o biodiesel.
Na presidência, eram dois ex-dirigentes, mas o staff subiu para três com a chegada de Rosemberg Pinto, transferido da Comunicação após ser alvo de denúncia por uso político de verbas sociais.
Empresa patrocinada levou Santarosa a Roland Garros
Ex-dirigente do SindiPetro Campinas e da CUT-SP, executivo controla verbas de publicidade e patrocínio
A Koch Tavares, empresa de marketing esportivo patrocinada pela Petrobras, levou pelo menos duas vezes o gerente executivo de Comunicação Institucional da estatal, Wilson Santarosa, para assistir ao torneio de Roland Garros, em Paris. Nas duas ocasiões, o executivo teria ficado cinco dias na capital francesa. O diretor comercial da Koch, Douglas Jorge, admitiu a possibilidade de ter havido mais uma viagem: — Duas, com certeza. Mas podem ter sido três. Não me lembro bem.
Ele foi convidado porque, durante o torneio, se reuniu com representantes da Associação de Tênis Profissional para discutir a internacionalização da marca Petrobras em eventos de tênis. Roland Garros era uma boa oportunidade.
Somente no ano passado, a estatal repassou R$ 8,3 milhões para a Koch, patrocinada pela empresa desde 2004, quando lançou a Copa Petrobras de Tênis, na forma de uma série de torneios pela América do Sul (Roland Garros não tem patrocínio da Petrobras). Foi neste ano, segundo Douglas, que a Koch teria promovido a primeira viagem a Paris. Geralmente, a Koch hospeda os seus convidados vips no luxuoso hotel Plaza Athénée, mas o diretor Comercial afirma não se recordar onde o executivo ficou.
Mulher é lotada na Transpetro, e filha, em ONG parceira Santarosa comanda as verbas de publicidade e patrocínio da Petrobras desde 2003. Quando foi chamado, ele estava à frente da Ceasa, a central de abastecimento de Campinas, na gestão do PT. Ex-presidente do SindiPetro Campinas, ex-dirigente da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e da CUT-SP, nunca foi uma liderança do partido.
Pelo menos mais dois parentes seus têm relação com a Petrobras.
Geide Miguel Santarosa, segunda mulher e ex-assessora de imprensa do SindiPetro Campinas (onde se conheceram), é ouvidora-geral da Transpetro. O casal mora com a filha, pré-adolescente, na Zona Sul do Rio.
As duas filhas do primeiro casamento ficam em Campinas. Uma delas, a bióloga Patricia Lia Santarosa, trabalha há três anos numa entidade que tem parceria com a estatal na cidade, a Fundação José Pedro de Oliveira (FJPO). Criada por lei a estatal na cidade, a Fundação José Pedro de Oliveira (FJPO). Criada por lei municipal há 28 anos, a fundação trabalha na preservação da Mata de Santa Genebra, no bairro de Barão Geraldo.
Em 2003 e 2004, a Petrobras firmou um convênio com a FJPO para o plantio de uma área de 55 mil metros quadrados no entorno da mata utilizando mudas do viveiro local. O patrocínio, de acordo com a prefeitura, foi de R$ 126 mil. Na reserva florestal e no site da fundação, a Petrobras consta como parceira da Mata de Santa Genebra até hoje, assim como a Comgás e outras patrocinadoras, mas, de acordo com o presidente da fundação, José Aires de Moraes, a estatal não financia projetos “há anos”.
Moraes, que tomou posse como presidente da entidade em janeiro, afirmou que sabe apenas da parceria da FJPO com a Petrobras para a recuperação da borda da mata, e não sabia dizer o valor total do projeto. Sobre a bióloga Patrícia Lia Santarosa, Moraes afirmou que não existe um quadro de funcionários da própria fundação, e que todos são cedidos por parceiros ou pela prefeitura.
— Patricia foi cedida pela prefeitura. É uma ótima funcionária.
Formada na Unicamp, ela é coordenadora técnico-científica da fundação. Em janeiro, foi nomeada para a Comissão de Licitação da FJPO, de acordo com o Diário Oficial da prefeitura. A prefeitura foi procurada para informar se Patrícia é funcionária de carreira ou se tem cargo comissionado. No entanto, até o fechamento da edição, a assessoria de imprensa não retornou os telefonemas.