Brasil
CONFISSÕES DE UM PISTOLEIRO
Ex-funcionário do bilionário Nenê Constantino diz que matou oito
pessoas a mando do empresário, que teria ordenado também a execução
de dois de seus genros, um que mora em Brasília e outro em São Paulo
Alexandre Oltramari
Lia Lubambo |
PODEROSO CHEFÃO |
O empresário Constantino de Oliveira, o Nenê Constantino, é avesso a badalação. Aos 77 anos, bilionário, sócio-fundador da segunda maior empresa aérea do país, a Gol, proprietário de empreiteira e dono de uma imensa frota de ônibus, ele vem tendo recentemente uma exposição muito negativa para sua biografia de empreendedor que começou a vida como um simples caminhoneiro. Desde o fim do ano passado, "Seu Nenê", como todos o tratam, está sendo indiciado pela polícia, sob a acusação de ser o mandante de dois assassinatos cometidos em Brasília. Há dois meses, ele teve a prisão decretada por atrapalhar o andamento de um inquérito. Ele teria subornado uma testemunha de acusação. Um bilionário septuagenário, recluso, altamente influente na capital do país, cuja vida íntima passa a ser exposta em inquéritos policiais por ser suspeito de dois assassinatos. Só isso já seria matéria-prima para romances e filmes. Mas a polícia está de posse de outra peça de investigação que vai catapultar a temperatura do caso. Um notório pistoleiro, que está desaparecido, em depoimento gravado em vídeo, confessa ter executado oito homens a mando de Nenê. Na passagem mais desconcertante, o matador revela que na lista de pessoas marcadas para morrer estariam dois genros do empresário.
"Eu matei umas oito pessoas pra ele (Constantino)", contou João Marques dos Santos, que por mais de vinte anos trabalhou como lanterneiro em uma das empresas de Nenê Constantino. O depoimento, ao qual VEJA teve acesso, está em poder da polícia de Brasília, que investiga os crimes atribuídos ao empresário. No vídeo, de quatro horas de gravação, João Marques conta como executava suas vítimas, sempre com aquele distanciamento e humor gelado dos pistoleiros profissionais. Ele fala de suas relações com o empresário e dá detalhes sobre os homens que "fez" (matou) por dinheiro. Marques descreve seu patrão como uma pessoa extremamente vingativa, desconfiada e violenta, que não aceita ser contrariada e está acostumada a resolver suas pendências negociais a bala.
O vídeo foi gravado em março de 2007 em Araçatuba, no interior de São Paulo, depois que o pistoleiro desistiu de um trabalho que lhe teria sido encomendado por Constantino. A vítima seria o empresário Basílio Torres Neto, genro do próprio Constantino. Conta ele no vídeo: "O velho me chamou e falou: 'Tenho um negócio pra você fazer lá em São Paulo...'. Aí ele mandou e eu vim". Simples. Nem tanto. É complicada a história de como um pistoleiro perigoso e experimentado aceitou revelar seus crimes candidamente, mesmo sem saber que estava sendo gravado em vídeo. A polícia trabalha com a versão de que Marques vacilou ao chegar a Araçatuba. Em vez de fuzilar Basílio conforme a encomenda, ele decidiu procurar a vítima, contar tudo e pedir dinheiro em troca de poupar-lhe a vida. Basílio aceitou o pacto e acionou a polícia. Nesse processo, ganhou a confiança do pistoleiro, que destravou a língua e contou as coisas assombrosas registradas no vídeo. Além dos assassinatos, ele confessa a autoria de assaltos e fraudes contra companhias de seguro cometidos a pedido do patrão. Marques não teria sido preso em São Paulo por não haver ainda queixa formal contra ele e pelo fato de suas confissões terem soado críveis aos policiais de São Paulo. Eles usaram as informações para proteger o genro de Constantino.
Como gatos escaldados nesses casos, os policiais tiveram como hipótese estar diante de um fabulista, um louco. Assim que começaram a verificar os fatos narrados por João Marques, porém, essa hipótese se enfraqueceu. Ao vídeo foram, então, se juntando outras peças. Em julho de 2005, dois anos antes de o depoimento ser gravado, a polícia de Araçatuba prendeu dois detetives particulares que confessaram estar levantando detalhes da rotina de vida do genro de Constantino. A dupla portava armas, fotografias antigas da vítima e um relatório detalhado sobre os hábitos de Basílio. O trecho final do documento registra que, "apesar de todas as dificuldades que aparentam, foi detectado (sic) vários locais que possibilitam a operação e tornam viável o desfecho final". Desfecho final? Os detetives contaram à polícia que foram contratados por familiares de Nenê Constantino, desconfiados de que uma das filhas do empresário estava sendo vítima de um golpe. Disseram que não sabiam ao certo o nome dos contratantes e não esclareceram o que seria o tal "desfecho final". Uma foto antiga de Basílio em poder dos detetives trazia anotados no verso o nome e o número do telefone celular de Nenê Constantino.
Em outubro de 2007, sete meses depois da revelação do pistoleiro, a polícia abortou uma nova investida contra a vida do genro de Constantino. Dois policiais de Brasília foram presos enquanto rondavam a casa de Basílio Torres em Araçatuba. Em poder deles a polícia encontrou um pequeno arsenal composto de revólveres, pistolas, espingardas, além de equipamentos de vigilância como binóculos e uma filmadora. O que eles faziam a 1 000 quilômetros de casa? Cada um contou uma versão. Um dos policiais afirmou que estava indo a uma pescaria e o outro disse que viajou a Araçatuba para encontrar um amigo. Ficou difícil explicar o fato de terem viajado na companhia de João Alcides Miranda, ex-funcionário de Nenê Constantino, também acusado de assassinato. O que ele estava fazendo lá junto com os policiais armados? Alcides apressou-se em dizer que fora ao interior paulista em busca de uma vacina contra o alcoolismo. A polícia achou a história de Alcides inconsistente. E não tem dúvida de que o grupo estava na cidade para executar o genro de Constantino.
Muitas das confissões do pistoleiro carecem de detalhes suficientes para servir de ponto de partida para investigações. Outros casos narrados são de quase impossível comprovação. Mas parte substancial do testemunho está sendo levada a sério pela polícia por sua incrível simetria com fatos anteriores já apurados. Também contribuem para a condição de prova do vídeo alguns eventos ocorridos depois da gravação. João Marques revela, por exemplo, ter sido procurado por Nenê Constantino para assassinar outro genro, Eduardo Queiroz Alves, administrador de uma das empresas de ônibus da família. O pistoleiro contou que Eduardo e Constantino vinham tendo sérios problemas de relacionamento. "Aí ele me chamou e disse: 'Joãozinho, tenho um negócio pra você fazer. Mata o Eduardo pra mim'.", contou João Marques. O pistoleiro disse que recusou a proposta porque seria facilmente reconhecido, por trabalhar na empresa administrada por Eduardo em Brasília. No dia 5 de junho de 2008, um ano e três meses depois da gravação do vídeo, Eduardo Queiroz sofreu um atentado. Ele saía do trabalho quando alguém disparou cinco vezes contra seu carro. Um dos tiros atravessou a porta, perfurou o banco do passageiro e atingiu sua jaqueta. Dias antes, sogro e genro tiveram uma ríspida discussão sobre os negócios da família. A polícia ainda não esclareceu o atentado, mas na investigação está sendo levada em conta a história contada pelo pistoleiro em Araçatuba.
O genro Eduardo Queiroz, que sobreviveu ao atentado e está em processo de divórcio, deu queixa à polícia em março passado depois de lhe entregarem em casa uma curiosa cesta de Páscoa. Além de ovos de chocolate e bombons, ela continha fezes humanas e um bilhete: "Tá frito". Vinte dias depois de denunciar o estranho presente, Queiroz voltou à delegacia. Dessa vez a queixa era dirigida diretamente ao sogro. Queiroz acusou Constantino de mandar capangas à sua empresa e tomar, à força, quatro caminhões dados como garantia de pagamento de uma dívida cuja existência ele contesta.
O pistoleiro João Marques dos Santos, 41 anos, baiano, pai de três filhos, réu confesso em três processos por assassinato no Distrito Federal, é um personagem singular. Em dezembro do ano passado, ele e Constantino foram indiciados como responsáveis pelo assassinato de dois homens que invadiram uma garagem de Constantino em Brasília. João Marques está desaparecido.
A mórbida contagem do pistoleiro
"O velho manda, cara!... O QUE O MATADOR CONFESSA O QUE ACONTECEU Duas tentativas frustradas "O velho (Nenê Constantino) me chamou e falou: '...Tenho um negócio pra você fazer lá em São Paulo'. É pra mim fazer (matar) um cara lá. Aí ele mandou e eu vim." O QUE O MATADOR CONFESSA O QUE ACONTECEU |
O relato e o atentado um ano depois
"Aí ele me chamou e disse: 'Joãozinho, tenho um negócio pra você fazer. O QUE O MATADOR CONFESSA O QUE ACONTECEU A morte encomendada do invasor "Eu atirei no cara e eu matei ele. O QUE O MATADOR CONFESSA O QUE ACONTECEU |
A confissão de mais duas mortes
"(Constantino) Falou pessoalmente que ia me dar 50 000 reais pra eu tirar o pessoal de lá... Aí eu matei um... Daí ficou o outro cara que era líder... E quando eu fui, uns cinco dias, eu fui e matei... Aí o pessoal saiu." O QUE O MATADOR CONFESSA O QUE ACONTECEU |