O SENADOR E SEUS FANTASMAS A capacidade do Congresso de produzir escândalos parece Everett Collection/Grupo Keystone
O senador Efraim Morais, do Democratas da Paraíba, está na vida pública há 27 anos. Já foi duas vezes deputado estadual, teve três mandatos de deputado federal, presidiu a Câmara por dez meses e está no Senado desde 2003. Apesar do currículo extenso, ele jamais se destacou pela atividade política. O parlamentar é conhecido pela desenvoltura com que transita em áreas que tratam de comissões, cargos, compras, licitações e contratações de funcionários. Nos últimos quatro anos, Efraim esteve à frente da primeira-secretaria, cujas funções se assemelham às de um prefeito da Casa. Nesse período, milhões de reais desapareceram em contratos fraudados e burocratas fizeram fortuna da noite para o dia. Há quatro meses, o Senado enfrenta uma onda de escândalos que tem como epicentro justamente o gabinete ocupado até janeiro passado por Efraim Morais – e que continua a produzir novidades assustadoras. A última delas: o senador paraibano mantinha uma tropa de 52 funcionários-fantasma, oficialmente contratados para trabalhar no Congresso, mas que, na verdade, eram cabos eleitorais pagos pelo contribuinte apenas para tocar assuntos de interesse exclusivo do senador e de seus aliados. Um comitê eleitoral permanente financiado com dinheiro público. VEJA teve acesso a uma planilha de computador em que estão listados os fantasmas do senador Efraim. Ao lado de cada nome, há o padrinho político, o cargo, a lotação e a data da contratação do "servidor". Tudo bem detalhado, mostrando que Efraim tinha total controle da máquina política que montou. Só em salários, os fantasmas custaram aos cofres públicos 6,7 milhões de reais ao longo dos quatro anos em que o senador ocupou a primeira-secretaria. Era uma vantagem e tanto que o senador tinha em relação a seus adversários no estado, principalmente quando se vai apurar o que seus "servidores" faziam. "Trabalho para o senador na política. Peço voto, organizo comitê, falo com as pessoas, faço comício", esclarece a fantasma Dalva Ferreira dos Santos, que também é a primeira-dama de Brejo dos Santos, cidade de 6 000 habitantes a 490 quilômetros de João Pessoa. Seu marido, Lauri da Costa, além de prefeito, é advogado de Efraim. Dalva nunca esteve em Brasília, mas recebia todo mês 2 313 reais como assessora parlamentar da primeira-secretaria.
João Pedro da Silva, o João da Rapadura, tem uma história semelhante. Ex-prefeito de Lagoa de Dentro, cidade de 7 000 habitantes no agreste paraibano, ele também foi nomeado assessor parlamentar. "Sou contratado para fazer política para o senador Efraim aqui na região. E quem é você mesmo?", perguntou o fantasma ao repórter de VEJA. "Não vou falar mais nada porque não conheço o senhor", encerrou. Rapadura também nunca botou os pés em Brasília. Merenciana Pollyenne Duarte é uma exceção na tropa. Filha do prefeito Francisco Duarte Neto, de Sumé, ela estuda medicina em Brasília e também "assessora" o Senado. "Quando o senador precisava, ela ia lá e fazia algum serviço. Não ia todo dia, mas estava à disposição e ganhava uma bolsa de 1 100 reais por mês", conta o pai. Na verdade, ela recebia, segundo os registros, 2 313 reais por esse tal trabalho esporádico. Dizem que a política é a arte do possível, mas Efraim ultrapassou limites que pareciam impossíveis de ser superados. Na lista de padrinhos dos fantasmas há jornalistas, advogados e até um presidiário. O ex-prefeito de Cuitegi Antonio Albuquerque Cabral, o Tota de Cuitegi, foi preso em flagrante no ano passado por receptação de carros roubados. Além disso, responde a processo pelo sumiço do motor de três carros da prefeitura. Esses detalhes, porém, não arranharam seu prestígio com Efraim. O Tota de Cuitegi apadrinhou a nomeação de uma assessora que também recebia salário de 2 313 reais. Todos perderam as boquinhas com a saída do senador da primeira-secretaria, mas revelam que receberam promessas de ser renomeados em breve, assim que passar a turbulência no Congresso. Indagado a respeito dos fantasmas, Efraim Morais garante que não fez nada fora da lei (veja a entrevista abaixo). Ele invoca um parecer da Comissão de Constituição e Justiça que permite que funcionários lotados nos gabinetes dos senadores trabalhem nos estados. É pura tergiversação. Dos 52 fantasmas de Efraim, 37 estão lotados na primeira-secretaria, e não no gabinete do senador. Deveriam, portanto, trabalhar para o Senado, e não como cabos eleitorais do senador. "É óbvio que funcionários da presidência e das secretarias não podem dar expediente nas bases. É uma irregularidade, quem fizer isso pode ser processado por quebra de decoro", diz o senador Garibaldi Alves, ex-presidente do Senado. "É um caso semelhante ao das passagens aéreas: como o regimento não diz nem que pode nem que não pode, alguns senadores interpretam como querem a omissão", pondera o senador Renato Casagrande, do PSB do Espírito Santo e membro do Conselho de Ética.
O caso de Efraim Morais certamente não é o único, mas ele é um daqueles parlamentares que, como diria o nobre deputado Sérgio Moares, se lixam para a opinião pública. Em 2002, era vice-presidente da Câmara e assumiu o cargo depois que o então presidente, Aécio Neves, se licenciou. Na ocasião, nomeou sete parentes para cargos de confiança. A família seguiu com ele para o Senado e só foi demitida no ano passado com a proibição do nepotismo. No Senado, Efraim sempre foi um colega prestativo. Aos mais apertados financeiramente, ele empresta dinheiro sem nunca cobrar a dívida. Na primeira-secretaria, foi responsável por todas as nomeações, autorizações de viagens e de despesas – o que lhe rendeu novos e fiéis amigos, mas também enormes dores de cabeça. Os dois funcionários do Senado mais próximos de Efraim – o ex-diretor-geral Agaciel Maia e o ex-diretor de recursos humanos João Carlos Zoghbi – estão enrolados com a polícia. O senador alega que nada tem a ver com isso. Da mesma maneira que nega manter relações com um lobista que tinha a chave de seu gabinete, era seu sócio oculto em uma empresa e servia de elo entre funcionários corruptos e empresários que fraudavam licitações. O senador Efraim Morais nunca deu nenhuma contribuição relevante à política brasileira. A política, no entanto, deu uma enorme contribuição ao senador. Em 1982, ele foi eleito pela primeira vez na Paraíba. Era dono de uma casa simples e de um Fusca com dois anos de uso. Na eleição seguinte, em 1986, já possuía casa na praia, duas fazendas e dois carros. Na última eleição que disputou, em 2002, seu patrimônio declarado somava 832 120 reais. Tinha três casas, dois apartamentos, duas fazendas, duas salas comerciais, metade das ações de uma rádio FM e três carros – um patrimônio perfeitamente compatível com a renda de um político profissional que conseguiu fazer boas economias em duas décadas de trabalho. Hoje, o próprio senador diz que seu patrimônio pessoal "é algo em torno de 2 milhões de reais, ou menos". Há cerca de três anos, Efraim trocou a casa simples que tinha na Praia de Camboinha, reduto da elite paraibana a vinte minutos de João Pessoa, por outra construída em dois terrenos com quase 500 metros quadrados. Tem todos os equipamentos de uma casa de luxo, incluindo uma lancha na garagem, e está avaliada em 1,5 milhão de reais. Recentemente, Efraim também comprou uma cobertura em João Pessoa, com quatro suítes e piscina. "O valor é 1,9 milhão de reais", diz a corretora Helene Ramalho, responsável pela venda de um apartamento vizinho ao do senador. O fato de apenas dois imóveis – a casa na praia e a cobertura em João Pessoa – valerem quase o dobro de todo o seu patrimônio declarado é apenas mais um aspecto espantoso na incrível biografia do senador paraibano.
|
|
Roberto Stuckert/Ag O Globo, Lúcio Távora e Lula Marques/Folha Imagem |