O GLOBO
Nilton tem uma caderneta de poupança para a educação dos netos. Já juntou R$ 117 mil. Mandou email para a CBN para saber se teria que pagar imposto de renda. No site do “Bom Dia Brasil”, uma telespectadora contou que foi demitida e depositou o FGTS na caderneta. Queria saber se haveria exceção para ela. A diferença com outras mudanças de regras é que, agora, as dúvidas chegam por e-mail.
No mais, é tudo igual àquelas alterações feitas na época pré-internet. As mudanças repentinas e confusas de regras, os planos que fracassaram porque foram anunciados antes e pensados depois, as normas que não contemplam as múltiplas situações da vida real, tudo parecia estar de volta na semana passada.
Com eles, as dúvidas dos poupadores. Cada um é uma história, cada um tem uma particularidade que não foi pensada pelo Ministério da Fazenda.
Nilton não terá como fugir, por mais nobre que seja o motivo pelo qual está poupando.
Terá que pagar imposto que vai incidir sobre a rentabilidade de R$ 67 mil do dinheiro da educação dos netos. Todo o conforto que se pode dar a ele é que só no ano que vem ele precisa saber o que fazer. Mas saber quanto pagar não é trivial. A base de cálculo vai depender da Selic, na ordem inversamente proporcional à taxa de juros: quanto menores os juros, menor o redutor da base de cálculo e, portanto, maior o imposto a ser recolhido pelo poupador.
Tente explicar isso para uma velhinha que tenha como renda a pensão deixada pelo marido e uma antiga caderneta, na qual ela guarda sua garantia para dias piores. Terão todos esses 894.856 poupadores que excedem os emblemáticos R$ 50 mil que torcer para que os juros não caiam, porque a queda dos juros aumentará seu imposto.
Os outros donos de caderneta terão que se limitar aos R$ 50 mil, não poupar nada mais, porque em lei estará um valor imutável a partir do qual se paga imposto de renda. Serão punidos se pouparem mais.
Quanto à telespectadora do “Bom Dia Brasil”, para ela fugir do imposto terá que não conseguir outro emprego, ou, se conseguir, torcer para que não lhe assinem a carteira, para ter oficialmente apenas o rendimento da caderneta. Para ela, a informalidade será o melhor negócio.
As mudanças anunciadas pelo governo criaram inesperados aliados dos juros altos e da informalidade, e produziram outras esquisitices.
Os aplicadores dos fundos de investimento tinham, antes, um incentivo fiscal para investir a longo prazo, porque a alíquota do imposto caía nas aplicações mais longas. A redução da alíquota, agora, dá a eles a possibilidade de saque imediato. Quem tinha que esperar três anos pelo benefício de só pagar 15% de imposto poderá pagar 15% já. Liquidez imediata e saques para trafegar para outros ativos. Na caderneta de poupança, 41% do dinheiro aplicado pertencem a contas que excedem os R$ 50 mil. Poupadores podem ter a ideia de sacar tudo e se mudar para outros produtos financeiros tão logo o imposto seja aprovado. Não é nada, não é nada, eles tem quase R$ 111 bilhões no produto.
Outra esquisitice é que como os juros da caderneta de poupança não vão cair, mesmo que a Selic caia bastante, os financiamentos imobiliários não vão se beneficiar da queda, porque os bancos captam em caderneta para aplicar no mercado imobiliário. Se vão pagar mais numa ponta, não reduzirão os juros na outra ponta, a de quem vai pegar financiamento para comprar imóvel.
Tharcísio de Souza Santos, economista e professor da Faap, que respondeu a um chat no G1, se surpreendeu com a quantidade de pessoas que não sabiam que as regras da poupança não são pra já, e com a confusão das pessoas em relação à incidência do imposto, se é sobre o rendimento ou sobre o principal aplicado. Ele achava que esses dois pontos já estavam claros, e que as confusões seriam com outras partes da proposta.
— As regras vieram complicadas mesmo. Um ponto é a relação da Selic com os fundos de investimento e a taxação da poupança. Eu entendi que quando entrar em vigor a taxação da poupança, deixará de valer a redução da taxação dos fundos.
Mas tem gente achando que não, que tudo continua.
O governo ainda não falou nada, e eu acho que eles também não sabem como vai ficar — diz Tharcísio.
Na verdade, o governo disse que a renúncia fiscal deixaria de valer no ano que vem, mas agora pensa em deixar por mais tempo se não conseguir aprovar a taxação da poupança.
Há velhas lições dos tempos dos planos econômicos mais toscos e da rupturas de regras mais drásticas que foram ignorados agora.
Não fazer regras complexas, não acreditar que o que dá certo nos laboratórios do Ministério da Fazenda se reproduz da mesma forma na vida real, não subestimar a multiplicidade de situações do cotidiano, não contornar um problema quando ele aparece: a reta é, na economia também, a menor distancia entre dois pontos.
O governo, no caso da poupança, quis contornar a necessidade de acabar com a remuneração fixa que impõe um piso a partir do qual os juros não podem mais cair. Ao sair pela tangente, criou mais um daqueles monstrinhos que no passado eram fabricados no Ministério da Fazenda.
oglobo.com.br/miriamleitao e-mail: miriamleitao@oglobo.com.br
COM LEONARDO ZANELLI
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