O Estadão deste domingo presta um inestimável serviço ao jornalismo. O jornal noticia, passo a passo, a anatomia de uma fraude política, explicando, no detalhe, como a delinqüência fabrica um falso escândalo. Por que falo em serviço inestimável? Porque, infelizmente, a própria imprensa costuma fazer parte desse jogo sujo. Antes que trate propriamente do caso, é necessário que eu faça uma digressão. Uma digressão, vocês verão, que, em vez de nos distanciar, nos aproxima do caso.
A DIGRESSÃO E O ERRO
A VEJA desta semana é pródiga em reportagens sobre lambanças de políticos dos mais variados partidos. A corrupção não é exclusividade de ninguém. É um mal, se quiserem saber, inerente à política, que, não obstante, tem de ser permanentemente combatido. E esse combate deve se dar de acordo com leis democraticamente estabelecidas. Corroem o sistema democrático tanto o corrupto que ignora a lei para cuidar de seu próprio interesse como a autoridade que, sob o pretexto de caçá-lo e cassá-lo, atropela a ordem legal. A democracia não pode ser condescendente nem com bandido nem com justiceiro. Ambos fazem mal às instituições. Começo, assim, a dar uma resposta — política — a uma indagação que me é freqüentemente feita: “Se a corrupção não é apanágio deste ou daquele partidos, por que você parece mais severo com o PT?” A pergunta embute um acerto um erro.
Começo pelo erro. Não sou especialmente rigoroso com o PT no que respeita às exigências éticas. Nesse caso, o rigor é igualmente distribuído. Os corruptos que estão mais próximos do meu, vá lá, campo ideológico são, obviamente, mais nefastos à minha causa — a democracia liberal — do que os corruptos de esquerda. Estes comprometem o que rejeito; aqueles difamam o que almejo. Nada diferencia, em si, a corrupção de um petista, da de um tucano ou democrata. Os petistas, sim, é que costumam emprestar verniz ideológico a seus crimes, não é? Quando são pegos fraudando o sistema, apelam a um horizonte utópico para tentar se safar. Dou dois exemplos claríssimos: na crise do mensalão, atribuíram as notícias sobre as falcatruas a um suposto plano golpista levado a efeito por aqueles que, diziam, não queriam mudar o Brasil. Agora, na CPI da Petrobras, vemos a conversa mole de que a investigação compromete os interesses do país e revela falta de patriotismo. ASSIM, NÃO SOU EU QUEM TENTA FAZER A CORRUPÇÃO DO PT DIFERENTE DA CORRUPÇÃO DOS OUTROS PARTIDOS, QUEM ADVOGA UMA DIFERENÇA SÃO OS PETISTAS.
A DIGRESSÃO E O ACERTO
Expus o erro que havia naquela indagação que encerra o segundo parágrafo. Agora exponho o acerto. De fato, tenho um especial rigor com o PT. Mas ele nasce, vejam que coisa, de uma “especialidade” do partido — uso a palavra, aqui, como sinônimo de “particularidade”. O PT e os petistas não desistiram — e é o que a reportagem do Estadão deixa claro — de recorrer a práticas que estão fora das regras do jogo para aniquilar os adversários. A sua vocação para se consolidar como partido único é a mesma daqueles primeiros anos, ainda próximos do delírio bolchevique. Só que, agora, aquele bolchevismo vagabundo descobriu as glórias e as delícias não exatamente da economia de mercado, mas das falcatruas do mercadismo —com efeito, o mercado, em si mesmo, não é uma moral: também está aberto a larápios.
Fui editor adjunto de política de um grande jornal e depois coordenador de política da Sucursal de Brasília. Vi de perto como funcionava o esquema de denúncias montado pelo partido, que buscava unir parlamentares petistas, repórteres de política e Ministério Público — naquele tempo, Justiça e Polícia Federal ainda não eram elos dessa corrente. Agora são. O PT já corroeu essas duas instituições também. A máquina funcionava (e funciona) assim: um Zé Dirceu da vida acusava, um repórter publicava, e o Ministério Público fazia a denúncia — às vezes, um Zé Dirceu qualquer fazia a acusação, o Ministério Público abria a investigação, e o conteúdo sigiloso era passado ao repórter como “apuração exclusiva”. Há outra variante: o Zé Dirceu qualquer passa a história para o repórter, que publica como apuração sua, o que motiva a ação política do Zé Dirceu qualquer, junto com o Ministério Público. Entenderam?
Quem não se lembra do procurar Luiz Francisco, que era o Protógenes Queiroz dos anos 90? Eduardo Jorge Caldas Pereira, secretário-geral da Presidência no governo FHC, foi transformado em inimigo público número um do país por essa máquina de moer biografias. Era inocente. Não cometeu nenhum crime. Não fez nada. Provou a sua inocência. Era tudo politicalha.
NOTA: A EQUIPE DE QUE FIZ PARTE SE NEGAVA A SER DESPACHANTE DA MÁQUINA DE DENÚNCIAS MONTADA PELO PT. Ao contrário: nós combatíamos a prática. Recusávamos repórteres que se comportavam como porta-vozes ou escribas de procuradores. E a máquina de denúncias de outros partidos? Nunca houve. Não há.
AGORA O ESTADÃO
Vocês terão acesso, agora, à anatomia de uma fraude — felizmente desmascarada pelo Estadão em seu nascedouro. Trata-se de uma aula de bom jornalismo. Reproduzo, em azul, trecho da reportagem de Rodrigo Rangel:
Personagem do submundo dos dossiês, com trânsito livre entre petistas, o lobista Nilton Antônio Monteiro ganhou notoriedade em 2005 como encarregado da divulgação da ‘lista de Furnas’ com supostas doações do caixa dois da estatal do setor elétrico nas eleições de 2002 - a maioria delas para políticos do PSDB e do DEM. Processado pela produção de dossiês, Nilton submergiu.
Agora, às vésperas do ano eleitoral, o lobista reapareceu com o mesmo script: na quinta-feira passada, depois de se reunir com advogados que fizeram a ponte com o ex-ministro José Dirceu (PT), Monteiro desembarcou em Brasília, carimbou papéis em um cartório, visitou o gabinete da senadora Ideli Salvatti (PT-SC) e fez chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Ministério Público Federal ‘documentos’ com o objetivo de ressuscitar a controversa ‘lista de Furnas’.
E qual é o “principal” documento do novo dossiê? Reproduzo as palavras do Estadão: O documento que Nilton foi levar ao STF é uma folha avulsa de papel ofício, com oito linhas do que seria um recibo assinado em 20 de setembro de 2002 pelo atual presidente do DEM, o deputado Rodrigo Maia (RJ). Nele, Rodrigo Maia atestaria o recebimento de R$ 200 mil de Dimas Fabiano Toledo, à época todo-poderoso diretor de Engenharia de Furnas, dos quais R$ 50 mil teriam sido repassados à campanha do hoje governador de São Paulo, José Serra, à Presidência da República. Ah, sim: trata-se de uma falsificação óbvia.
Observem a natureza da operação: atingir Rodrigo Maia, presidente de um dos três partidos de oposição, e José Serra, apontado como provável candidato a enfrentar um nome do PT na disputa presidencial. Com quem ele andou se articulando? Ora, com José Dirceu e Ideli Salvatti. Por que não?
JOAQUIM BARBOSA
Ah, sim: há um trecho importantíssimo na reportagem, a saber:
Ainda no aeroporto, Nilton sacou de sua bolsa uma lista com nomes de assessores do ministro Joaquim Barbosa, do STF, a quem deveria procurar. E foi justamente o prédio do Supremo, na Praça dos Três Poderes, o primeiro destino do lobista - antecedido por uma rápida passagem por um cartório de notas, na quadra 504/505 Sul, para autenticar cópias do documento. No gabinete de Barbosa, Nilton Monteiro não conseguiu ser atendido pelo ministro, mas deixou protocolada uma das cópias. Queria anexar o original, mas os assessores de Joaquim disseram ser norma da casa não receber originais.
A tal maquinaria infernal do petismo para destruir adversários conta com jornalistas, procuradores, policiais federais e juízes. Vamos torcer para que não tenha chegado também ao Supremo.
Volto àquela indagação lá do começo: “Por que você parece especialmente severo com o PT?” PORQUE ESSA GENTE AINDA NÃO SE CONFORMOU COM A DEMOCRACIA E AINDA NÃO DESISTIU DE FRAUDÁ-LA. Há corruptos em todos os partidos. Mas os golpistas estão no PT.
Por isso, rejeitem de modo peremptório, enérgico, a vagabundice, especialmente a que vem na pena de certo colunismo político apocalíptico, segundo a qual “todo mundo é igual”. Não é, não. Haver corruptos em todos os partidos não os torna iguais. Até porque seria preciso dizer, então, que haver pessoas honestas em todos eles também os iguala. NADA É IGUAL A NADA. Combatamos os delinqüentes de todas as legendas. O MEU CRITÉRIO DE DESEMPATE É SABER QUEM FAZ A DEMOCRACIA AVANÇAR E QUEM A FAZ RECUAR. O PT segue firme no propósito de eliminar seus adversários e de substituir a sociedade pelo partido.
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